Dez anos depois de ter sido elevado aos altares um cigano, Ze-ferino Gimenez Malla, foi publicado um documento do Conselho Pontifício para os Migrantes e Itinerantes, especialmente dedicado à etnia cigana, que merece alguma atenção, tanto por parte da sociedade civil e dos governantes, como da Igreja e das diversas confissões religiosas.
Em Portugal vivem 40 mil ciganos ou talvez um pouco mais. São uma minoria entre as diversas minorias, mas não da última hora, como tantas outras, pois se instalaram entre nós no século XV. O mesmo aconteceu em Espanha, onde o seu número é de 600 mil.
Não é difícil verificar que em algumas comunidades locais, bem como em escolas, há ainda muita suspeita e pouco acolhimento em relação aos membros desta etnia, que na sua maioria não são já imigrantes, mas cidadãos portugueses. É verdade que os ciganos, vivam onde viverem, em Portugal, na Espanha, na França ou em qualquer outro país, são sempre e acima de tudo ciganos, coesos e fiéis à sua cultura e tradições, todos eles cidadãos de uma pátria sem território, mas considerada a sua pátria comum.
Muitas coisas mudaram nas suas vidas, por normais exigências de integração no país, onde vivem. Muitos deles já se documentaram, fixaram a sua residência, escolarizaram-se, gozam da segurança social, têm emprego ao lado de não ciganos, tiraram cursos superiores, dirigem associações e, não se furtando à defesa dos seu direitos, assumiram os deveres correspondentes. Mas, em muitos outros casos nota-se a necessidade de maior formação humana e social, bem difícil de se proporcionar se não for atendida a sua cultura com os valores que lhe são próprios e se se pensar fazer coisas em seu favor sem os ouvir e os tornar protagonistas naquilo que lhes diz respeito.
No aspecto religioso, sabe-se que a sua adesão a expressões religiosas que mais se coadunem com a sua cultura, modo de ser e de se expressar, é muito grande. A Igreja Católica tem de há muitos anos um serviço nacional dedicado à sua promoção, com outros similares nas diversas dioceses do país, e tem sido pioneira na atenção às suas necessidades e aspirações, humanas e sociais. Outras confissões religiosas protestantes de linha pentecostal têm muito aderentes ciganos.
Num encontro internacional recente, realizado em Roma, foi dado a conhecer que há na Igreja mais de uma centena de ciganos clérigos (padres e diáconos) e consagrados, oriundos de diversos países da Europa e da Ásia. Muitos participavam nesse encontro.
A etnia cigana testemunha valores importantes e fundamentais, que hoje escasseiam em países ocidentais. Entre outros, o espírito de família, o acolhimento e respeito pelos idosos, a hospitalidade e a solidariedade para com os membros da etnia, a virgindade da mulher antes do casamento, o respeito pelos mortos, a concepção humana do trabalho…
O que falta para que esta minoria seja reconhecida, promovida e integrada, uma vez que ainda é marginalizada em muitos aspectos, dado o apoio do governo e da comunicação social a outras minorias recentes, discutíveis pela sua dimensão e objectivos sociais?
Toda a atenção à etnia cigana deve acolher e respeitar e sua cultura e valores e atender às condições de um diálogo, eficaz e personalizado. Se os ciganos são capazes de cursos superiores, a nível civil e religioso, e de assumir as responsabilidades inerentes, não lhes escasseiam capacidades de promoção e mesmo de integração comunitária.
Um trabalho de formação e sensibilização junto das comunidades locais e dos agentes civis (autarquias, escolas, serviços púbicos em geral) e, também, dos agentes pastorais é indispensável que se faça e se faça bem. Para que o seja, não pode dispensar o seu contributo activo.
Se é importante conhecer línguas, não o é menos conhecer as pessoas que vivem connosco. Marginais há-os em todos os grupos sociais. Temos de nos perguntar quem é que hoje mais envenena o ambiente e corrompe a convivência na nossa sociedade.