Toda a gente sabe que uma das medidas mais indispensáveis hoje em Portugal é a solução do desequilíbrio nas contas públicas, que cria endividamento, sobrecarrega a economia, atrasa o progresso. Mas muitos cometem, em seguida, um erro simples mas fatal procuram os malfeitores que geraram tal situação. Esquecem assim o princípio da velha sabedoria que diz que um mal deste tamanho não pode ser causado apenas pela maldade de alguns, mas nasce da conivência de todos. Roubos ou assassínios são cometidos por bandidos, mas uma guerra só existe com a participação das boas pessoas. Também o descalabro financeiro português é tão grande que só pode ser feito por toda a gente. É precisamente por causa disto que o problema é tão difícil de resolver. Se fossem criminosos os culpados, há muito que o défice estava controlado.
É difícil compreender que o nosso pior drama possa ser causado por cidadãos sensatos e empenhados, que apenas pretendem o bem do País. No entanto, todos conhecemos este mecanismo. Quando, por exemplo, convidamos amigos para uma festa ou planeamos um fim-de-semana livre, se não tomarmos cuidado, em breve a dimensão do indispensável ultrapassa em muito os lugares ou o tempo disponíveis. É precisamente o mesmo que se dá no Orçamento de Estado. O País está cheio de justas reinvindicações, gastos imprescindíveis, despesas incompressíveis. Todas estas exigência são boas, mas a sua soma é muito superior às receitas.
A lista é infindável. Na Saúde, por exemplo, que dizer do direito inalienável de todos os portugueses a cuidados dignos e acessíveis? E na Educação, como esquecer este instrumento vital do desenvolvimento e formação da personalidade das nossas crianças e jovens? A Polícia precisa imediatamente de mais meios, porque está em causa a segurança de pessoas e bens. Da Defesa, nem se fala, pois é a própria dignidade nacional que se joga nos recursos para as nossas forças armadas. O mesmo se diga, aliás, dos diplomatas, representantes nacionais no mundo, da Cultura e Património, fundamentos da alma lusa, do Ambiente, suporte da sobrevivência populacional. E ainda não falámos de Justiça, sectores produtivos, etc, etc. Mas todas estas coisas empalidecem perante o gravíssimo problema dos pobres, idosos, marginalizados, das injustiças sociais. A lista é mesmo infindável.
Qualquer estimativa, mesmo comedida, destas despesas exigiria um produto nacional várias vezes superior ao que existe. Mas onde cortar? Cada uma delas é, sem dúvida, vital, basilar, insubstituível. Como é possível não acudir a cada uma destas urgências e a mais miríades de outras de igual gravidade? No entanto, ainda há poucos anos nós gastávamos muito menos e, dispensando esses "indispensáveis", conseguíamos sobreviver. O total da despesa pública portuguesa mais que duplicou em termos reais nos últimos 20 anos. Mas isso, em vez de resolver os problemas, aumentou ainda mais as necessidades. Quanto mais temos, mais queremos. Portugal entrou neste círculo vicioso, onde as despesas geram mais necessidades "indispensáveis", que crescem mais depressa que os recursos disponíveis.
É curioso que os debates comuns nunca falem deste elemento. A eterna discussão é à volta da evasão fiscal, da corrupção de funcionários, da azelhice dos ministros. Estes abusos são reais e influentes, mas mesmo que fossem milagrosamente resolvidos esta noite, o défice permaneceria descontrolado. As críticas mais violentas e as políticas mais vigorosas foram sucessivamente anunciadas contra esses facínoras, acompanhadas por sucessivos agravamentos do défice. Porquê? Porque a questão é outra. Temos critérios europeus e recursos portugueses. Assim, por mais ricos que sejamos, haverá sempre desequilíbrio orçamental.
É preciso mudar radicalmente o debate sobre o nosso défice. Os portugueses têm de modelar as suas exigências ao seu nível de vida. O senhor ministro das Finanças tem de dispensar o indispensável para atingir o equilíbrio que, esse sim, é mesmo indispensável.