Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias
A angústia da liberdade e a procura do regaço quente da segurança explicam a facilidade da entrega a poderes totalitários, a seitas cegas, a colonizadores de corpos e de almas, a vendedores de "verdades e certezas" tapadas, tantas vezes malévolas e irracionais.
1. Aparentemente, não há nada que o Homem tanto preze como a liberdade. Mas, frente à necessidade de ter de optar entre a segurança - intelectual, espiritual, psicológica, social, económica, politica, religiosa - e a liberdade, não se sabe quantos ficariam do lado desta e não daquela, do lado da liberdade e não da segurança.
Dostoiévski disse-o de modo ácido e também superior num texto em que também se critica a Igreja de Roma. Fá-lo num dos maiores romances da literatura mundial, Os Irmãos Karamázov, no poema de Ivan intitulado "O Grande Inquisidor".
A história passa-se em Espanha, em Sevilha, nos tempos terríveis da Inquisição, precisamente no dia a seguir a um "magnificente auto-de-fé" em que foram queimados de uma assentada, na presença do rei, da corte, dos cardeais e das damas mais encantadoras da corte e de numerosa população de Sevilha, quase uma centena de hereges. Cristo "apareceu, devagarinho, sem querer dar nas vistas e..., coisa estranha, toda a gente O reconhece." Mas o cardeal inquisidor aponta o dedo e manda que os guardas O prendam. E é num calabouço do Santo Ofício que lhe diz que no dia seguinte O queima na fogueira como ao pior dos hereges. E a razão é que a liberdade de fé tinha sido para Cristo a coisa mais preciosa. Não foi Ele que disse tantas vezes: "Quero tornar-vos livres"?