quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Um livro de Laurinda Alves





ATITUDE XIS
– Um olhar positivo sobre a vida –

Em edição da "Oficina do Livro", veio a lume mais uma obra de Lau-rinda Alves, conhecida jornalista que aposta, intransigentemente, num jornalismo pela positiva. O livro, "ATITUDE XIS – um olhar positivo sobre a vida", é um dos que merecem e precisam de ser lidos em qualquer circunstância, sobretudo nas férias, tempo mais dado à reflexão.
"ATITUDE XIS" recolhe os editoriais escritos na "XIS", revista que se publicou aos sábados e veio integrada no "PÚBLICO", durante dois anos. Li-os todos e sempre colhi neles ensinamentos e sugestões para a vida, tão pertinentes os achei.
Na apresentação desta obra, em jeito de prefácio, o padre e poeta José Tolentino Mendonça, personalidade da Igreja e do mundo da cultura que também tanto admiro, diz que “Há palavras que representam mais do que um sublinhado: são epifanias. Quer dizer: revelam, desdobram, abrem o mundo, cúmplices do seu pulsar inacabado e misterioso”. Pois é verdade. Ler texto após texto é sentir que há um mundo infinitamente belo e bom que vale a pena cantar e interiorizar, para depois o exteriorizarmos à nossa volta, numa cumplicidade repleta de gestos positivos e de mãos dadas com quem acredita numa sociedade mais fraterna e em construção permanente.
Nestas férias, já li e reli alguns textos e não resisto a recomendá-los aos meus amigos, na certeza de que vão gostar. E se é verdade que nestes tempos de lazer há horas para tudo, então não deixe de apreciar este livro de Laurinda Alves.
Como aperitivo aqui fica um texto, tão simples quanto belo:


GOSTO MUITO...



Gosto muito
da lua cheia
do silêncio puro
da geometria da minha rua
dos dias compridos
de abraços demorados
de sorrisos no elevador
de pessoas autênticas
de conversas eternas
das janelas todas abertas sobre o rio e a cidade
de luzes baixas e amarelas dentro de casa
de quadros grandes
da cor do fogo
de todas as estrelas do céu
do sol da manhã e da luz do dia
do barulho do mar ao entardecer
da maré vazia ao fim do dia
do vento quando deixa marcas na areia lisa
do rumor vegetal das folhas nas árvores
do manto lilás das folhas de jacarandá que cobre o chão
de coincidências, surpresas e milagres
de ver pessoas felizes
de olhos que riem
de cidades grandes com rio
da voz dos que amo
de estar calada
da casa cheia de amigos
de jantares improvisados
de ouvir tocar piano e violino sempre
de ficar abstracta, às vezes
de livros e de poetas
de acordar tarde
de certas rotinas
de me esquecer das horas
da areia da praia ao meio dia, quando está a ferver
das vozes descombinadas no ar nas tardes de calor
do rapaz que passa na mota, ao meu lado
de quando sai a correr para a última fotografia com a luz do dia
dele muito mais do que ninguém
de saber que ele sabe isso
gosto da luz dourada do entardecer reflectida nos seus olhos
gosto da intimidade
da verdade e da cumplicidade
de templos e lugares sagrados
de horizontes líquidos
do azul infinito
de riscos brancos no céu
da cor púrpura do entardecer
de histórias de pessoas
de descobrir umas mãos fortes
de ir mais longe com alguém
dos que rezam comigo
da lua árabe só com uma estrela, no alto do céu
de ficar em casa, embalada nos barulhos da casa
de ainda ter comigo todos os que mais amo
de adormecer e de sonhar acordada
de amar e ser amada
de ser alguém especial
do amor dos amigos também
de estar com eles na praia até ser noite
de tantas outras coisas
e da vida, todos os dias.



Laurinda Alves,
In "ATITUDE XIS – um olhar positivo sobre a vida"

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Poesia na cidade


MAR PORTUGUÊS


Ó mar salgado,
quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos,
quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena?
Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


Fernando Pessoa


:
NOTA: Sempre me sensibilizou a poesia na cidade. Para além de mostrar bom gosto, a poesia molda-nos a alma e reflecte a arte que anda dentro de nós. De quem a publica e de quem a lê.
Um monumento singelo dedicado aos gafanhões que fizeram do mar o seu modo de vida, ali no centro da cidade, mesmo em frente à sede da Junta de Freguesia, mostra que Fernando Pessoa também é lido e apreciado nesta terra de ria e mar. Por isso, aqui fica uma foto do monumento e o poema que o ilustra tão bem.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Ares do Verão







Imagens da Costa Nova


COSTA NOVA COM CHEIRO A VERÃO

Passei hoje pela Costa Nova, para olhar e apreciar um pouco o ar de Verão que por lá existe. Vi gente um pouco de toda a parte, denunciada por linguajares diversos. Gente que caminha descontraída, que fala alegremente, que olha extasiada para a laguna, que se encosta para ver quem passa, que se refresca nas esplanadas, que enfrenta o vento agreste que hoje se fez sentir, que não foge às nuvens de areia que a ventania arrastava pela praia. Gente que se abrigava à sombra das árvores, que cirandava pela relva fresca, que estava por estar.
Boas férias para todos.

Os meus contos

O Piteira
Toda a gente da aldeia conhecia o Piteira. Era uma figura típica que não passava despercebida a ninguém. Não que fosse um artista, um pai de família exemplar, um proprietário de nome reconhecido na praça, um político de palavra fácil. Nada disso. Era simplesmente um “alma de Deus” e um ébrio incorrigível. Magro, pele tisnada pelo sol e pelos ventos salgados da maresia, beata ao canto dos lábios, sempre do lado esquerdo, boné à marinheiro, olhos bem abertos para o infinito, nunca fitava de frente fosse quem fosse, falava sem tino a maior parte do dia e até de noite. Pregava sermões não se sabe a quem, de quando em vez, mas não se conheciam animosidade de sua parte. Bebia tinto, sempre tinto, que outras bebidas o seu estômago não aceitava. Faziam-lhe azia, dizia a quem procurava saber o porquê dessa discriminação. Só o tinto, pois, e a qualquer hora, fazia dele um bêbado famoso nas redondezas. Mas era um bêbado cordato. Não se notavam nele tendências agressivas, não armava zaragatas e até fugia delas, não discutia com ninguém e frequentemente respondia, a quem o interpelasse com menos delicadeza, “quem está, está; quem vai, vai”. O Piteira deambulava pela aldeia, ao deus-dará, indiferente a tudo e a todos, à chuva e ao vento, ao frio e ao calor. Como quem busca qualquer coisa que sabe difícil de encontrar. E a quantos teimavam em saber a razão de ser da sua vida, o porquê de gostar tanto do tinto, respondia com o silêncio e com olhares mortiços. Às vezes indiferentes e não raramente altivos. Conjecturava-se sobre algum desgosto de amor, sobre alguma revolta social, sobre algum complexo que o amarfanhava. Mas a tudo isso o Piteira respondia do mesmo jeito, como quem não deve nada a ninguém: - Gosto de vinho, porque sim! – foi a única explicação que um dia deu, não se sabe porquê. Na família do Piteira não havia alcoólicos. Gente simples, trabalhadora, honesta, pacata, não gostava que o seu Piteira desse má nota dos seus. Mas nem por isso deixava de mostrar estima por ele, aceitando-o quando aparecia e dele cuidando com carinho. O Piteira comia pouco em casa de uns e de outros familiares. Nunca de amigos, que também os tinha. Às refeições bebia água, simplesmente. Depois de comer, senta-se num banco tão velho como ele, perto de uma figueira ainda mais antiga, do tempo dos seus avós. Por ali se quedava, pensativo e calado. Via os sobrinhos mais pequenos e deles se ria do que faziam e diziam. Com os mais crescidotes, embevecido, talvez recordasse os anos em que foi moço de salinas, onde trabalhava de sol a sol à torreira do calor abrasador e salgado. Em certos dias, sem sal para raer e para encher os montes nas eiras, o marnoto não lhe perdoava o não ter que fazer e lá o levava para as tarefas agrícolas no aido grande. Animava-o apenas o sorriso lindo e o ar donairoso das duas filhas do patrão, a Ermelinda e a Maria Rosa, que por ali passavam de quando em vez. Só por isso, valia bem esse esforço não remunerado do Piteira, em dias de tempo chuvoso ou sem sol que desse sal. Depois, num repente, saltava do banco e voltava às suas caminhadas, sem horizontes e como que perdido no tempo. Alheio a tudo, com a prisca ressequida e eternamente apagada que nunca lhe caía do canto esquerdo dos lábios gretados. Nos tascos por onde passava, inevitavelmente, havia sempre quem lhe oferecesse um copito de três, que ele engolia num trago e sem agradecer. Um aqui, outro ali, e tanto bastava para manter em alta o nível alcoólico que fazia do Piteira um doente crónico. Certo dia, um amigo, aproveitando ocasião de alguma lucidez, avançou com a ideia de o Piteira se tratar. Sempre podia ficar com mais saúde; o tratamento seria fácil; umas simples pastilhas receitadas por um médico seriam uma ajuda preciosa para começar a ter fastio pelo vinho. Depois poderia levar uma vida normal, com trabalho para não sobrecarregar ninguém; nem faltariam amigos e familiares que o amparassem, se estivesse de acordo. Até poderia casar e constituir família! Quando ouviu as palavras casar e família, o Piteira explodiu, como nunca ninguém o viu. Berrou sem nexo, praguejou com gestos agressivos. E fugiu. O Piteira saiu de cena na aldeia. O povo e a família estranharam a sua falta. Questionaram-se sobre o que teria acontecido ao Piteira: Por onde andará? Onde estará? Terá morrido com mais uma bebedeira mais forte? A polícia foi alertada e até apelos nas missas se repetiram. As buscas começaram. Ria e seus canais, cantos e recantos da aldeia foram batidos sem êxito. Terras vizinhas associaram-se às buscas. E nada. Quando a ideia da morte era ponto assente, o Piteira surgiu à luz do dia. Mais magro, com ar cadavérico e sem sinais de tinto. Lúcido. A família acolheu-o como filho pródigo. O nosso homem não deu explicações. Ninguém lhas pediu. O Piteira acamou em estado de exaustão. Recusava a comida. Esperava-se o pior. O médico bem receitou, mas o Piteira recusava sistematicamente os xaropes. A família, que o rodeava com muito carinho, pressentiu a hora da partida para a última caminhada. A vida esvaía-se lenta e firmemente. O Piteira, com a voz sumida, entrava em agonia. – Quero ver a Ermelinda… Quero ver a Ermelinda… – foram as suas últimas palavras. Fernando Martins

Citação

"Há duas espécies de homens: os justos, que se julgam pecadores e os pecadores que se crêem justos"
Blaise Pascal (1623-1662) Filósofo e Matemático francês
:
In Citador

AVEIRO: Efeméride

Igreja da Misericórdia, que já foi Catedral de Aveiro



7 de Agosto de 1808

“Na importante procissão de penitência que nesta data se realizou desde a catedral – que era na igreja da Misericórdia – até à igreja do Mosteiro de Jesus e fora ordenada dois dias antes, o virtuoso bispo de Aveiro, D. António José Cordeiro, seguiu o andor com a veneranda imagem do Senhor “Ecce-Homo”, caminhando descalço e humildemente despido das vestes pontificais e com uma corda ao pescoço.”

In Calendário Histórico de Aveiro,
de António Christo e João Gonçalves Gaspar

NOTA: D. António José Cordeiro foi Bispo de Aveiro entre 1800 e 1813. em 1802 publicou “uma célebre carta pastoral, notável pela erudição e pureza de estilo, primorosa na doutrinação cristã e inspiradora de documentos morais de outros prelados … e, durante as cruéis Invasões Francesas, surpreendentemente se manifestou como intrépido defensor de Aveiro e da sua região, fazendo frente aos ‘opressores do povo e inimigos da Pátria e da Religião’”.

In Os Bispos de Aveiro e a Pastoral Diocesana,
de João Gonçalves Gaspar

domingo, 5 de agosto de 2007

Um poema de João de Deus


ADORAÇÃO

Vi o teu rosto lindo,
Esse rosto sem par;
Contemplei-o de longe mudo e quedo,
Como quem volta de áspero degredo
E vê ao ar subindo
O fumo do seu lar!

Vi esse olhar tocante,
De um fluido sem igual;
Suave como lâmpada sagrada,
Benvindo como a luz da madrugada
Que rompe ao navegante
Depois do temporal!

Vi esse corpo de ave,
Que parece que vai
Levado como o Sol ou como a Lua
Sem encontrar beleza igual à sua;
Majestoso e suave,
Que surpreende e atrai!

Atrai e não me atrevo
A contemplá-lo bem;
Porque espalha o teu rosto uma luz santa,
Uma luz que me prende e que me encanta
Naquele santo enlevo
De um filho em sua mãe!

Tremo apenas pressinto
A tua aparição,
E se me aproximasse mais, bastava
Pôr os olhos nos teus, ajoelhava!
Não é amor que eu sinto,
É uma adoração!

Que as asas providentes
De anjo tutelar
Te abriguem sempre à sua sombra pura!
A mim basta-me só esta ventura
De ver que me consentes
Olhar de longe... olhar!

João de Deus

Citação: Sophia de Mello Breyner Andresen

"A cultura é uma das formas de libertação do homem. Por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como antipoder. E se é evidente que o Estado deve à cultura o apoio que deve à identidade de um povo, esse apoio deve ser equacionado de forma a defender a autonomia e a liberdade da cultura para que nunca a acção do Estado se transforme em dirigismo."
Sophia de Mello Breyner Andresen,
in 'Assembleia Constituinte, Agosto de 1975'
:

Diocese de Aveiro

BISPO DE AVEIRO
ANIMA PASTORAL
DE FÉRIAS



Mantendo a tradição iniciada pelo seu antecessor, D. António Marcelino, o Bispo de Aveiro, D. António Francisco dos Santos, está já a levar à prática a pastoral de férias, no Verão, com encontros e celebrações nas zonas de veraneio da área da Diocese de Aveiro.
Como temas fundamentais da pastoral de férias, para este ano, D. António Francisco pretende exalta os valores do espírito, que dão sentido e esperança à vida. Assim, o Bispo de Aveiro vai apostar em sublinhar o valor, a beleza e a riqueza da vida na sua plenitude, mas também a importância da família, como santuário de vida e garantia do amor.
Por outro lado, quer lembrar a importância da vocação, como desafio que abre caminhos ao ideal do ser humano e à sua capacidade de opção na fidelidade a Deus. Ainda deseja estimular a vivência da solidariedade, como valor intrínseco do cristianismo, que não pode parar, enquanto houver alguém em pobreza, em sofrimento ou em solidão.
:
Vagueira
5 de Agosto
Eucaristia na Igreja da Senhora da Boa Hora, 9h
6 de Agosto
Encontro/reflexão, 21h30

Torreira
11 de Agosto
Eucaristia na igreja paroquial, 19h
12 de Agosto
Eucaristia na igreja paroquial, 8h e 11h
13 de Agosto
Encontro/reflexão, 21h30

Fermentelos
14 de Agosto
Eucaristia na Festa da Nossa Senhora da Saúde, 21h

Cúria
15 de Agosto
Encontro nas Termas

Albergaria-a-Velha
19 de Agosto
Peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora do Socorro, 11h

Barra e Costa Nova
25 de Agosto
Eucaristia na Igreja da Barra, 19h
Eucaristia na Igreja da Costa Nova, 21h30
26 de Agosto
Eucaristia na Igreja da Costa Nova, 9h30
Eucaristia na Igreja da Barra, 11h
27 de Agosto
Encontro/reflexão na Costa Nova

ÍLHAVO: Festas do Município


FESTAS PARA TODOS OS GOSTOS
NO MÊS DE AGOSTO
:

A Câmara de Ílhavo oferece, todos os anos, em especial no mês de Agosto, festas para todos os gostos e para todas as idades. As componentes culturais, artísticas e recreativas estão em destaque. Claro que todas estas ofertas não são apenas para as gentes ilhavenses, ílhavos e gafanhões, mas também para quantos nesta altura nos visitam e gostam de usufruir das nossas praias, Barra e Costa Nova, sem dúvida as mais afamadas da região.
Permitam-me que destaque uma iniciativa, já famosa. Trata-se das Tasquinhas de Ílhavo, entre 22 e 26 de Agosto, que oferecem, fundamentalmente, os mais variados acepipes feitos à base de bacalhau. A não perder, sobretudo pelos amantes da gastronomia regional.
Para ficar a conhecer outras propostas das Festas do Município, consulte o PROGRAMA.

Um artigo de Anselmo Borges, no DN


A RELIGIÃO
AINDA TEM FUTURO?


A resposta à pergunta exigiria, em primeiro lugar, o esclarecimento do que se entende por religião, pelo menos negativamente. De facto, se religião tem a ver com a ligação ao Sagrado, ao Infinito, à Verdade, ao Bem, à Beleza, é necessário expurgá-la do que ela não pode ser: superstição, esoterismo, magia. Tem de ser o espaço da dignificação, aprofundamento e expansão do Humanum, contra toda a menorização.
A Encyclopedia Britannica apresentou em 2006 a distribuição e percentagem das "religiões universais". Cristãos: 2 133 806 000 (33,1%), sendo os católicos 1 118 991 000 (17,3%), os protestantes 375 815 000 (5,8%), os ortodoxos 219 501 000 (3,4%), os anglicanos 79 718 000 (1,2%), outros cristãos 459 321 000 (7,1%), cristãos sem filiação 113 622 000 (1,8%). Muçulmanos: 1 308 941 000 (20,3%). Hindus: 860 133 000 (13,3%). Budistas: 378 808 000 (5,9%).
Aparecem também os outros grupos. Não religiosos: 769 379 000 (11,9%). Religiões populares chinesas: 404 921 900 (6,3%). Religiões étnicas: 256 332 000 (4,0%). Ateus: 151 612 000 (2,3%). Novas religiões: 108 131 200 (1,7%).
Embora as estatísticas no domínio religioso tenham de ser vistas com os seus limites próprios - basta pensar em quantos se afirmam cristãos, mas não praticantes -, estes números são pelo menos indicativos, concluindo-se que, se a população do planeta estava calculada em meados de 2005 em 6 453 628 000, só cristãos, muçulmanos, hindus e budistas totalizavam praticamente 73%.
Mas o que é a religião? O que deve entender-se por pessoa religiosa? Qual é a religião autêntica? No Novo Testamento, na Carta de São Tiago, escreve-se que faz bem quem crê que há um só Deus, mas acrescenta-se que "também os demónios crêem e tremem": "a religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e conservar-se puro da corrupção deste mundo." O Evangelho diz que, na revelação final da História, o que conta é ter dado de comer ao faminto, de beber ao que tem sede, ter visitado o doente e o preso - ter sido solidário com o outro ser humano na sua necessidade.
Toda a religião tem a ver com a ética e também com a estética. Hegel viu bem quando afirmou que a arte, a religião e a filosofia estão referidas ao Absoluto. A pergunta é, como escreve o filósofo José Gómez Caffarena, se a ética, a estética e a filosofia acabarão por absorver a religião, como já insinuava Goethe: "quem tem arte (e moral e filosofia) tem religião; quem a não tem que tenha religião."Segundo Lucrécio, "o medo criou os deuses". Desde então, isso tem sido repetido, acrescentando a ignorância e a impotência, de tal modo que, com o avanço da ciência e da técnica, a religião acabaria por ser superada e desaparecer.
Será, porém, verdade que na génese da religião estão o medo, a ignorância e a impotência? Ninguém poderá negá-lo. A questão é saber se esses são os únicos factores e de que modo actuam. De facto, não é a limitação enquanto tal que está na base da religião, mas a consciência da limitação.
Na consciência da finitude, que tem a sua máxima expressão na consciência da mortalidade, o Homem transcende o limite e articula um mundo simbólico de esperança de sentido último e salvação. Como disse Hegel, a verdade do finito encontra-se no Infinito, e Kant viu bem, ao referir a religião à esperança de um sentido final, que nem o Homem nem a Natureza podem oferecer - só a Deus, Amor originário, pertence dá-lo.
É possível que a ciência e a técnica obscureçam a força do apelo religioso e de Deus. Mas, permanecendo a finitude e a sua consciência, há-de erguer-se sempre a pergunta pelo Sentido último. Como disse Ciorán, "tudo se pode sufocar no Homem, salvo a necessidade do Absoluto, que sobreviverá à destruição dos templos e mesmo ao desaparecimento da religião". Subsistirá, portanto, o Mistério. Mas, não se tratando de uma questão simplesmente teórica, pois implica o Homem todo, a resposta religiosa dependerá, em última instância, das experiências e da decisão de cada um.

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS – 35


OS QUATRO IRMÃOS


Caríssimo/a:


Depois da Segunda Guerra Mundial não havia dinheiro. Lembro-me que pelo bilhete de identidade fui a primeira vez a Ílhavo e, a segunda, para fazer o exame da quarta classe; Aveiro só a visitei quando fiz o exame de admissão ao Liceu. Então, já no primeiro ano, a Professora de Português marcou uma redacção sobre “os comboios”, levantei-me e confessei que nunca tinha visto nenhum! Era assim naqueles tempos.
Os passeios escolares iniciaram-se anos mais tarde, já a década de 50 do século XX ia adiantada e em modalidade familiar: orçamento magro, quando se podia e o trabalho o permitia, os pais ou os avós acompanhavam o escolar.
A Guimarães foi o primeiro na condição de professor – quantas vezes lá iria depois! A passagem pelo Porto era obrigatória, tanto na ida como no regresso- havia só a ponte D. Luís. À tardinha parámos na Praça Marquês do Pombal - bom arvoredo, urinóis, igreja e adro, cafés e tascas. À hora da abalada, a minha camioneta partiu mas a do Professor Salviano ficou à espera de um marido que se perdeu [no dizer da esposa] porque “o senhor Professor não tomou conta do meu home!”.
E hoje a lenda não nos leva ao Castelo, mas bem perto da porta da traição:

«Claro, muitos conhecem Guimarães, mas poucos saberão onde fica a freguesia de Sande, muitos menos terão visto os quatro penedos que correspondem a outras tantas sepulturas e relacionam isso com o nome do lugar, Quatro Irmãos. Quatro irmãos unidos por uma forte amizade, tratando das terras que os pais lhes haviam deixado em Sande. Onde estava um estavam todos, cada qual exímio no jogo do pau. Era uma força comum que os movia.
Pois certa vez, o mais velho disse aos demais que tinha o carro aparelhado, que o mais novo agenciasse urna boa merenda e os outros dois que tratassem das mantas. Iam a uma romaria e decerto chegariam bem tarde. E à hora aprazada, Iá se meteram a caminho e quando chegaram, boas pessoas como eram, foram saudados com gritos de alegria e convites para os comes e os bebes. Porém, aconteceu algo que nunca se passara. Ficaram separados. Melhor, o mais novo, às tantas viu-se isolado dos manos. E preparava-se para furar a multidão em busca deles quando ficou de caras para uma jovem lindíssima, que lhe sorria. Pouco habituado a tais encontros, mesmo assim, ele não deixou de lhe sorrir e não tardou que ambos conversassem animadamente, a ponto de se apaixonarem. O moço estava entusiasmadíssimo e falava muito dos irmãos, pelo que foi ela a recomendar-lhe que se não precipitasse e fosse buscá-los para se conhecerem. E ele assim fez, pedindo -lhe que ela se não afastasse dali, pois não tardaria a regressar.
E o irmão mais novo lá conseguiu atravessar aquela gente toda a divertir-se e finalmente, deu com os irmãos, que estavam, preocupados. Sem dizer mais nada. anunciou que se ia casar. Disse que com uma rapariga lindíssima, mas os manos não o levaram a sério. No entanto, cada vez mais curiosos pela maneira como ele descrevia a moça, os manos quiseram conhecê-Ia, outorgando-se o mais velho o poder de poder optar ele próprio. E, em nome dos manos, foi procurar a jovem. Porém demorou a fazê-lo. Mas lá se encontrou com a rapariga.
Brincando com o fogo, ela disse-lhe que ele demorara tanto que já os outro, manos haviam estado com ela e todos ficaram apaixonados. Ora ela gostava também de todos quatro pelo que tinha decidido casar apenas com o mais forte, com o mais valente. E a melhor maneira de se saber qual, era uma luta entre eles. E pela primeira vez na vida dos quatro irmãos, houve rancor e ódio entre eles, pela posse daquela rapariga de artes diabólicas. Lutaram, tendo primeiro caído o mais velho, depois os outros dois conheceram o sabor do pó do chão da feira. O mais novo estava tão mal que nem sequer se poderia dizer que era sobrevivente da luta em que os lódãos tinham partido cabeças e ossos aos mais amigos e unidos irmãos de todo o Minho!
Expirou o mais novo nos braços do prior da freguesia, que não teve dúvidas em ver naquilo uma artimanha dos demónios para apanharem aquelas quatro boas almas. E fez erguer urna capelinha em memória deles, que eram seus amigos, e sobre cada sepultura apareceu um penedo. Vão lá ver o que resta ...» [V. M., 114]

Boas férias

Manuel

sábado, 4 de agosto de 2007

Roteiros de férias

Na sua página de férias, o PÚBLICO de hoje recomenda um passeio, com Ria de Aveiro à vista. Leia o que ele aconselha, dê por lá a sua voltinha, neste fim-de-semana, e depois diga-me se valeu a pena ou não.
:


PELA COSTA DE PRATA

Passeio em 4X4 na terra dos moliceiros, com a possibilidade de avistar garças vermelhas, águias sapeiras, cegonhas, patos ou milhafres.
Os campos férteis que rodeiam a ria de Aveiro são uma constante ao longo dos 100 quilómetros desta rota que começa e termina na Pousada da Ria,[Torreira].

Roteiros de férias - Castelo de Montemor-o-Velho

Castelo de Montemor-o-Velho

Visitei há dias o Castelo de Montemor-o-Velho, que se me ofereceu em muito bom estado de conservação. Já lá não ia há muitos anos, embora o visse de longe, muitas vezes, a desafiar-me. O Castelo de Montemor-o-Velho é a maior fortificação do Mondego e uma das maiores do País, tendo desempenhado um importante papel nas lutas pela conquista do território aos mouros.
Num dia destas férias de Verão em que lá estive, na semana passada, dia de calor abrasador que convidava à procura das sombras das muralhas, encontrei bastantes turistas que, tal como eu, liam com interessa as legendas explicativas dos cantos e recantos do castelo, todas elas cheias de ricas lições de história.
As partes mais antigas são as duas fortes torres junto à porta de Nossa Senhora do Rosário, do século XIII, e a base da Torre de Menagem, talvez da Alta Idade Média. Mas há mais motivos de cuidada atenção: Ruínas do Paço das Infantas, cuja construção se atribui a D. Urraca, séculos XI e XII; Porta da Peste; Castelejo; Torre do Relógio; e Igreja de Santa Maria de Alcáçova, fundada em 1090, tendo sofrido reformas nos séculos XII e XIII.
Foi neste Castelo de Montemor-o-Velho que, em 6 de Janeiro de 1355, D. Afonso IV, reunido com os seus ministros e conselheiros (Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco), ordenou a morte de D. Inês de Castro, amante do Infante D. Pedro, futuro rei D. Pedro I, o Justiceiro.
A vila de Montemor remonta à Idade do Bronze e teve ocupação romana, visigótica e, até ao século XI, esteve, durante largos períodos, sob domínio árabe. Nessa época chamava-se “Munt Malhur”. Depois, os cristãos passaram a tratá-la por Monte Maior e no tempo de D. Sancho I, o Povoador, acrescentaram a esse nome O Velho, porque uma nova vila, com o mesmo nome, Montemor-o-Novo, tinha sido conquistada aos mouros no Alentejo.
A Igreja de Santa Maria de Alcáçova, do século XI, sofreu constantes obras, onde estão bem visíveis os Estilos de cada época. No primeiro quartel do século XVI, no entanto, foi reedificada em definitivo, embora haja elementos dos séculos seguintes. O Estilo dominante é o Manuelino.
Os retábulos frontais, em talha dourada, merecem uma atenção especial, pela beleza da sua estatuária e pelo recorte das decorações.
Em tempo de férias, ou fora delas, vale sempre a pena uma visita com tempo ao castelo de Montemor-o-Velho. Há quem me diga que estas coisas do nosso passado histórico só interessam aos mais velhos. Quem assim pensa está redondamente enganado. Vi por lá muitos idosos, é verdade, mas também apreciei muitos jovens que tudo filmavam e fotografavam, como que a quererem registar na memória os vestígios da matriz da nossa identidade pátria.

(...)

Logo à entrada, num recanto de arbustos em jeito de quem protege algo importante, encontrei e li um texto poético de Afonso Duarte, natural de Montemor e professor em Coimbra. Aqui fica, até porque nos lembra outras figuras histórias daquela terra:

Onde nasceu o Fernão Mendes Pinto?
Jorge de Montemor onde nasceu?
A mesma terra o mesmo céu que eu pinto
Castelo Velho o que foi deles é meu.

Afonso Duarte


NOTAS: 

Fernão Mendes Pinto é natural de Montemor-o-Velho, tendo sido um famoso aventureiro e explorador. Viveu no século XVI e chegou ao Japão. No regresso, escreveu a Peregrinação, obra em que relata as suas venturas e desventuras.

Jorge de Montemor, escritor e músico, também de Montemor, viveu no século XVI e foi contemporâneo de Camões. Foi cantor e músico na corte castelhana, tendo servido, ainda, como soldado, o rei de Castela.

Fernando Martins

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Um livro de Antonio Monda




ACREDITAS?
:
Conversas sobre Deus e a religião


“ACREDITAS? – Conversas sobre Deus e a religião” foi um dos meus livros de férias. Trata-se de um livro de 133 páginas que se lê de um fôlego, com gosto e proveito. O gosto vem do tema e da leitura da opinião de famosas personagens do mundo das artes e da cultura sobre Deus e sobre a religião. Crentes de várias religiões e de ateus ou agnósticos, em conversa aberta com o autor, assumidamente católico, apostólico, romano. O proveito veio de alguns testemunhos que são, normalmente, um estímulo para as minhas próprias vivências espirituais.
Através de entrevistas, as ideias de Paul Auster, Saul Bellow, Michael Cunningham, Nathan Englander, Jane Fonda, Richard Ford, Paula Fox, Jonathan Franzen, Spike Lee, Daniel Libeskind, David Lynch, Toni Morrison, Grace Paley, Salman Rushdie, Arthur Ashlesinger Jr., Martin Scorsese, Dereck Waltcott e Eli Wiesel mostram que, mesmo os não crentes, assumem que a espiritualidade faz parte do ser humano.
O autor, António Monda, é docente de Realização Cinematográfica na Universidade de Nova Iorque e colaborador da secção de cultura do jornal italiano La Repubblica, bem como crítico cinematográfico de La Rivista dei Libri. Diz ele que a sua obra “é um livro inteiramente construído com base numa provocação simples, mas fundamental: pedi aos meus interlocutores que me dissessem, com toda a honestidade, se acreditam que Deus existe e qual é, consequentemente, a sua opção de vida.”
Gostei de ler as respostas dos entrevistados, alguns dos quais fazem parte do nosso imaginário do mundo do cinema, e não só. O que pensam, como vêem e sentem Deus, como O vivem nas artes que cultivam. O autor perguntava, com frequência, em que filmes, de muitos realizadores conhecidos, estava Deus. E foi curioso ficar a conhecer mensagens nem sempre detectadas ou sentidas na altura nos filmes que vi.
Li e reli algumas entrevistas e delas registei frases, conceitos, vivências, culturas e projectos espirituais que, de uma forma ou de outra, me enriqueceram sobremaneira.
Ainda captei, com facilidade, as imagens de Deus, ou da sua ausência, das personagens que se dispuseram a dialogar com António Monda, ligando, quantas vezes, a arte à espiritualidade ou vice-versa, tal como a presença do sentido do divino em ateus e nas expressões artísticas que cultivam.
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Aqui ficam algumas frases:

“Não, não acredito. Mas isso não quer dizer que não considere a religião um elemento culturalmente fundamental da existência”


Paul Auster


“Não creio que se resolva tudo apenas com a destruição dos corpos […] tudo o que tem sido dito pela ciência é insuficiente e insatisfatório”


Saul Bellow

“Descobri a grandeza do universo cristão muito recentemente e fiquei surpreendida com a dimensão da ignorância que há a respeito dele”


Jane Fonda

“Cada um de nós tem dentro de si o potencial para a revelação, e para intuir a presença divina”

David Lynch

[Na religião], “gosto da exaltação do perdão, da humildade e da compreensão perante a fragilidade humana”


Paula Fox

“O catolicismo assumiu uma importância extraordinária em toda a minha vida, e diria que o meu cinema se tornaria inconcebível sem a presença da religião”


Martin Scorsese


“Sinto que vivo num mundo que é visto em primeiro lugar pelo intelecto. Mas penso que, na pureza da juventude, é mais fácil entrever, e portanto intuir, a presença da alma”

Derek Walcott



“Quem quer que tenha escrito a Bíblia é Deus”

Nathan Englander

“Acredito que existe algo eterno e tenho um grande respeito por qualquer experiência mística. É uma parte essencial da minha vida”

Jonathan Frezen

NOTA:
Outras ideias, outras frases, outros conceitos, outras visões do mundo, de Deus, do mistério, do espiritual e do sagrado podem ser lidos e meditados neste livro de António Monda.
Fernando Martins

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Grupo Desportivo da Gafanha

Ribau Esteves, Luís Leitão, António Pinho e capitão Guerra





NA HORA DE RECORDAR
UMA LONGA VIDA DE MEIO SÉCULO

Ontem participei, na dupla condição de gafanhão e de sócio desde a primeira hora, na sessão solene comemorativa das Bodas de Ouro do Grupo Desportivo da Gafanha (GDG), o mais eclético clube da Gafanha da Nazaré, como bem na altura foi recordado. O clube nasceu, oficialmente, em 1 de Agosto de 1957, com a aprovação, em Assembleia Geral, dos primeiros estatutos.
A sessão teve lugar no salão nobre da Junta de Freguesia, ocupando lugares de destaque na mesa, para além dos presidentes da Assembleia Geral e da Direcção, Luís Leitão e António Pinho, respectivamente, os presidentes da Câmara Municipal de Ílhavo, Ribau Esteves, e da Junta de Freguesia, Manuel Serra, o Prior da Freguesia, padre José Fidalgo, e o sócio número um, capitão Guerra.
Na hora de recordar uma longa vida de meio século ao serviço do desporto na Gafanha da Nazaré e no concelho de Ílhavo, em várias frentes, Luís Leitão sublinhou a urgência de todos os gafanhões contribuírem para um futuro ainda mais brilhante deste clube. Já António Pinho, eleito há poucas semanas para dirigir os destinos do GDG, lembrou a necessidade de se continuar a promover “o contrato que nos liga aos fundadores”, fazendo do clube uma verdadeira família que aposte “numa função social com peso na sociedade”.
O presidente da Junta, Manuel Serra, depois de lançar a questão da eventual criação de novas secções, para mais respostas às apetências das actuais gerações, fez um apelo às forças vivas, indústria, comércio e populações, no sentido de ajudarem o GDG a crescer mais, em qualidade e eficiência.
A encerrar a sessão, Ribau Esteves, presidente ilhavense, sublinhou a premência do GDG enfrentar, com mais determinação, “a ambição partilhada por todos de se fazer mais e melhor, de forma solidária e sustentada”. Disse que a autarquia está a apostar numa infra-estruturação com qualidade para a zona do Complexo do GDG, com áreas de desporto e lazer, finalizando a sua intervenção com um apelo à premência de “recentrarmos as nossas preocupações fundamentalmente no Homem”. Urge cultivar nos jovens o espírito de cidadania na prática do desporto, em especial na lealdade para com os adversários, “com poucos cartões amarelos e nenhuns vermelhos”, salientou. Recordou ainda que a Câmara de Ílhavo distinguiu, recentemente, o GDG com a Medalha de Ouro do Município, por ter completado 50 anos ao serviço do desporto do concelho.

Um artigo de D. António Marcelino

SUPERFICIALIDADE
CHEIA DE VAZIO OU DE NADA De há muito que me impressiona que muitos estudantes terminem o secundário e mesmo o superior sem que tenham adquirido qualquer hábito de leitura, vontade de saber mais e alegria pelo que já conseguiram. Uma prova imediata desta pobreza e vacuidade é o estilo tradicional das festas de finalistas e a onda de desânimo perante dificuldades normais, se estas surgem. Por aqui se vê onde chegou o grau de cultura, aquisição de saber e capacidade, de ser de muita gente que encheu escolas durante anos. Não se estuda para saber, para participar criteriosamente da riqueza do património cultural da humanidade, para produzir nova cultura, através de uma participação, válida e séria, na vida social, para satisfação interior. O horizonte era pequeno e assim ficou, por certo, passados os anos. Basta um emprego que não demore, onde se ganhe bem e não se tenha muito trabalho, o resto é para intelectuais, investigadores e diletantes porque os livros não dão pão. Quando emerge algum jovem que, dentro ou fora do país, é reconhecido pelo seu saber os jornais falam como se se tratasse de coisa rara, porque de facto o é. O que devia ser normal, segundo os talentos de cada um, tornou-se uma coisa extraordinária. Não obstante, nunca houve tantos licenciados, mestres e doutores. Um benefício de assinalar, fruto da legítima democratização do ensino e de uma exigência inegável dos novos mercados de trabalho que exigem cada dia mais qualificação. A cultura, por si e para muitos, não justifica tanto trabalho e, quando o emprego não está logo ali à porta de escola, lamenta-se ter um curso para nada, culpa-se o estado que ninguém quer como patrão, mas é com isso, no fundo, que se sonha. Tudo como se a longa aprendizagem, reconhecida por um diploma, não capacitasse, também, para deitar mãos à vida, saltar o muro das dificuldades, ser criativo e inovador e construir caminhos novos, que até podem ser reconhecidamente meritórios, para o próprio e para outros. Alguns jovens, que não se resignam nem esperam que os outros continuem a fazer tudo eles, vão já fazendo história. A instrução é, também, uma enxada para a vida, embora muitos pais digam que querem que os filhos estudem para se livrarem da enxada… Se o ideal é ganhar muito, depressa e com pouco trabalho à vista, nem todos nasceram génios do futebol, nem privilegiados do euromilhões e terão de se decidir palmilhar os caminhos normais da vida, porque a sorte contempla os audazes, não os desanimados. Toda esta epidemia de gente amarga, pelo que tem e pelo que não tem, se pode reportar a causas conhecidas. A escola é para muitos um mal menor e o importante é passar, porque assim o exigem as estatísticas do estado e da Europa; muitos professores, desmotivados por razões múltiplas, perderam o entusiasmo e acham que o seu dever não é educar e dar um contributo, ao lado de outros, para capacitar o aluno para uma vida, nem sempre fácil, mas que pode ser sempre realizada e feliz; os projectos educativos são muitas vezes castradores de horizontes com raízes e razões; a família, instância educativa fundamental não consegue situar-se numa sociedade sem valores e sem rumo; a comunicação social enfeudou-se às audiências e a elas subordina tudo o resto; as forças morais, importantes na sanidade do país e futuro dos jovens, são desacreditadas a torto e a direito; o estado empobrece os ideais por via das medidas que implementa; a sociedade globalizada muda cada dia e comporta desafios a que não se atende… O futebol volta. A política volta à ribalta, sem prestígio. A literatura do vazio vende-se cada vez mais. As férias aí estão e coisas sérias não têm agora lugar… Amanhã as escolas abrem e o importante é ter lugar e tudo comece sem demoras nem sobressaltos. A carga frustrante de hoje não se alija assim sem mais nem menos. A escola está doente e os problemas da educação, embora gerais, têm consequências graves e imprevistas. A vida será isto e só isto? É a pobreza de um pragmatismo, sem ideias nem sentido, que nos empurra para aqui. E neste horizonte fechado não se vê sinal de luz nem de esperança.
António Marcelino

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Grupo Desportivo da Gafanha

Uma equipa de juniores de raça, ano de 71/72.
De pé, da esquerda para a direita: Nelson, Djalma,
Lombomeão, José Cruz, Teixeira e Jacob.
Em baixo, pela mesma ordem: Sizenando, José Nunes,
Balacó, Amaro, Costa, Anselmo e Carlitos
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MEIO SÉCULO AO SERVIÇO DO DESPORTO
E DO POVO DA GAFANHA DA NAZARÉ
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Em 1 de Agosto de 1957, segundo reza o artigo número um dos Estatutos, nasce o Grupo Desportivo da Gafanha. Da Gafanha, por pretender, na altura, representar toda a sub-região assim denominada.
Tempos antes, na barbearia do Hortênsio Ramos, nasceu a ideia de se criar um clube desportivo que fosse, de alguma forma, o herdeiro do Sport Clube  União Gafanhense, do Atlético Clube da Marinha Velha e da Associação Desportiva da Gafanha, entretanto extintos. A escolha do nome logo se impôs, porque havia outros tantos adeptos dos clubes que anos antes haviam entusiasmado os gafanhões e que lutavam pela preservação dos nomes dos clubes históricos. Houve então necessidade de ultrapassar o obstáculo e a primeira proposta de baptizar a nova instituição com o nome de Grupo Desportivo da Gafanha partiu do indigitado presidente Henrique Correia. Era um nome pouco expressivo para a época e, talvez, para os nossos dias. Mas foi o que ficou.
Recordamo-nos do último argumento que entretanto foi aduzido e que foi mesmo convincente: “Não podemos adoptar qualquer nome dos clubes extintos — dizia o Henrique Correia, cuja memória sentidamente recordamos para a homenagem que lhe é devida, já que foi, embora por pouco tempo, o primeiro presidente do Grupo Desportivo da Gafanha — porque não queremos nem devemos assumir responsabilidades perante os credores desses clubes.” Naquele tempo, tal como nos nossos dias, os clubes desportivos tinham inúmeras dificuldades económicas e financeiras e era legítimo que o grupo nascesse sem quaisquer vinculações aos anteriores, a não ser ao gosto pelo desporto que eles nos legaram. Também assim, livre de tutelas do passado de qualquer deles, poderia o jovem clube congregar à sua volta todos os gafanhões, amantes, principalmente, do desporto-rei.
Ao entusiasmo da primeira hora, que conduziu mesmo à elaboração dos Estatutos e consequente registo e publicação no Diário do Governo (III série, n.º 163, de 14 de Julho de 1958) e inscrição na Associação de Futebol de Aveiro, não correspondeu uma adequada organização. O presidente Henrique Correia emigrou para o Canadá e os colegas da Direcção, mais jovens e inexperientes, deixaram o Grupo Desportivo da Gafanha em letargia, até que o calor da Primavera o fizesse acordar para uma vida nova. E assim aconteceu no dia 31 de Maio de 1968. Nessa data, e conforme reza a acta número um, foram eleitos os novos corpos gerentes, cujos cargos ficaram assim distribuídos:
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Assembleia-Geral

Presidente, Padre Domingos José Rebelo dos Santos
Vogal, Manuel Vergas Caspão

Direcção

Presidente, José Henrique dos Santos Sardo
Secretário, José Alberto Ramos Loureiro
Tesoureiro, João Gandarinho Fidalgo
Vice-presidente, Carlos António da Silva Loureiro
Vogal, Hortênsio Marques Ramos

Conselho Fiscal


Presidente, Carlos Sarabando Bola
Vogal, Nelson Mónica Modesto
Vogal, José Casqueira da Rocha Fernandes

Roteiros de férias

HOJE VAMOS AO MUSEU


O nosso roteiro de férias leva-nos a visitar alguns dos museus temáticos existentes na área geográfica da Diocese de Aveiro. Se fosse possível, o percurso seria feito de comboio e de navio, ao som de música popular e saboreando um vinho bairradino.
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NAVIO-MUSEU SANTO ANDRÉ


Atracado junto ao Forte da Barra, na Gafanha da Nazaré, o Navio-Museu Santo André é um antigo navio da pesca do bacalhau adaptado a museu, que conserva todo o seu equipamento e respectivos apetrechos da pesca.
Algumas das suas dependências, como os antigos porões, são agora salas de exposições e um pequeno auditório, onde o visitante pode ficar a conhecer melhor algumas das actividades relacionadas com a pesca do bacalhau, como também pode visitar exposições temporárias sobre variados temas ou participar em eventos diversos.
A casa das máquinas, a ponte (de comando do navio), os camarotes (tanto dos oficiais como dos pescadores), a cozinha, o refeitório, entre outras dependências, estão de acordo com o original, de modo a que o visitante possa ter uma ideia fiel de como era a vida a bordo no navio.
O Navio-Museu Santo André é propriedade da Câmara Municipal de Ílhavo e está tutelado pelo Museu Marítimo de Ílhavo.
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NOTA: Uma proposta do jornalista Cardoso Ferreira, no Correio do Vouga

Voltas de férias




PAÇO DE MAIORCA VAI PASSAR A HOTEL

Nas minhas voltinhas de férias, não podia deixar de passar por alguns sinais históricos e turisticamente recomendáveis. Num dia de algum calor, parei defronte de um palácio, que foi propriedade dos Viscondes de Maiorca. Os desdobráveis turísticos recomendam, com justiça, este edifício, que é, desde 1977, imóvel de Interesse Público.
Trata-se de um edifício de planta longitudinal irregular, cuja fachada assimétrica se compõe de um portal central, como facilmente pode ser confirmado.
Documentação turística diz este paço se enquadra na tipologia dos palácios rurais de influência barroca, já da segunda metade de setecentos, apresentando-se ao visitante com uma significativa riqueza na decoração de interiores, particularmente os azulejos rocaille das diferentes salas, os tectos pintados, a beleza da Sala de Papel, a imponente cozinha de planta octogonal e a capela com altar do séc. XVI.
Flanqueado por jardins, este nobre edifício enquadra-se numa vasta propriedade que propicia agradáveis passeios de lazer e encontro com a natureza.
Tudo isto tinha lido e me dispunha a confirmar in loco, mas dei com o nariz na porta. O paço estava encerrado ao público. Indaguei então que o antigo palácio dos Viscondes de Maiorca, que havia sido adquirido pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, no tempo da presidência de Pedro Santana Lopes, estaria à espera de ser convertido num luxuoso hotel. Melhor que ficar por ali fechado sem ninguém o poder visitar, como me aconteceu a mim.
F.M.

Ares do Verão


A SOMBRA DAS ÁRVORES É SEMPRE...
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A sombra das árvores é sempre um convite a um descanso, por pequeno que seja, a quem passa afogueado com o calor. O mês de Julho deste ano, que não foi muito quente, teve, no entanto, um ou outro dia que nos obrigava a parar a caminhada à sombra de uma árvore. Aqui me lembro das redacções de pequeno, quando nos pediam os benefícios das árvores. Além dos frutos e da madeira que elas nos davam, lá aparecia sempre, inevitavelmente, a sombra saborosa em dias de calor.
Estas árvores, como outras, podem ser apreciadas e usufruídas no parque das Abadias, na Figueira da Foz.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Os meus contos

A TITA


Estar no quintal, em dias de sol ou de chuva, é um dos prazeres que cultivo, como quem cultiva uma flor para desabrochar na Primavera. Olhar as árvores na hibernação, ver as plantas que nascem sem que alguém as tenha semeado, cheirar o verde ora viçoso ora mortiço da vegetação espontânea, experimentar o prazer de deitar a semente à terra e de ver as novidades, mais tarde, ferirem a crosta areenta e estrumada, tudo isto me encanta. 
Numa dessas tardes em que a contemplação me deixava voar ao sabor da maré que os ventos envolviam, a Tita surgiu apressada, como quem deseja chegar o mais depressa possível à meta que o seu instinto alimenta desde que nasceu. Passa por mim ostentando uma alegria inusitada e corre, corre, sem aparente explicação. Depois cheira tudo, em busca não sei de quê. Dou comigo a pensar que isso já nasceu com ela. Chama o companheiro Tótti, grita mesmo por ele, em jeito de quem quer alguém com quem possa partilhar a alegria de uma liberdade conquistada. Tótti dá-lhe o gosto e corre também, mas a Tita, logo depois, volta ao seu prazer de procurar. 

Ares do Verão

Costa Nova, com velas à vista



VERÃO UM POUCO TRISTE, MAS...
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O Verão ainda não chegou verdadeiramente... Há muito vento e o calor, aquele calor que nos obriga a procurar o fresco das sombras ou da brisa da ria ou do mar, ainda não se dignou aparecer com aquela força que gostaríamos. De qualquer forma, sabe sempre bem estar ali ao lado da laguna que enche os nossos sonhos. E se houver velas ao vento, tanto melhor...
Boas férias de Verão para todos, mesmo que sem muito calor.

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 34

O MORTO QUE MATOU O VIVO
Caríssima/o:
Há outro grupo de imigrantes que demandou a Gafanha e que terei de mencionar: o de S. Pedro do Sul; e não só pelo seu número mas ainda mais por um dos seus membros ter passado para a minha Família. Rabuscando a lenda, contudo aconteceu o inesperado e “o morto que matou o vivo” fez-me reapreciar a figura bondosa e cativante de um Amigo que todos os sábados me entrava pelo portão do quintal e me trazia uma estória nova. Foi da sua boca que ouvi pela primeira vez este retrato do nosso povo. E como ria e nos fazia rir o bom do Padre António Nédio! Vamos então partilhá-la e dedicá-la a todos os Antónios que se têm cruzado nos caminhos por mim trilhados. Se quiserem podem não ler as outras duas.
1. «Lá para Covas do Rio, a cinco léguas de S. Pedro do Sul, conta-se a lenda do morto que matou o vivo. Dizem que foi entre a aldeia da Pena, que na altura ainda não tinha cemitério, e a aldeia de Covas, que o tinha. E o trajecto era forçosamente feito a pé, em que havia quatro homens para o transporte da urna. Pois a dada altura, conta o povo, um dos homens de trás, lá escorregou ou coisa assim, e os outros não seguraram tão bem e o caixão caiu-lhe em cima, matando-o! Foi assim que o morto matou o vivo, dizem por lá... 2. Pois bem, neste concelho fica a Serra de S. Macário, cujo cimo sobe a mil metros. Pois conta a lenda que «Macário era caçador e, num dia de caça, acompanhado de seu pai, pensando que arqueava a flecha contra um javali, feriu mortalmente o pai. Em desespero, correu de um lado para o outro o sucedido, mas sem nunca ter coragem de voltar a casa. Daí em diante viveu sempre na Serra, em isolamento, sobrevivendo de esmolas e penitenciando-se pelo seu erro. Um dia pediu a alguém que lhe desse um montinho de brasas para fazer uma fogueira. Obtendo a graça do seu benfeitor, pegou as brasas com as mãos sem se queimar, ficando desde aí com o nome de santo. Morreu e viveu nesta serra junto à capela onde ainda hoje muitas pessoas o veneram. Em seu nome é feita uma festa anual que ocorre no último domingo de Julho.» 3. Desde que foi feita a Ponte do Cunhedo sobre o Vouga, é muito simples a passagem do rio, não importa a estação do ano. Porém, esta lenda passa-se – se é verdade que as lendas se passam fora da cabeça das pessoas - quando ainda não havia tal passagem, embora o convento de S. Cristóvão já lá estivesse. Bem, e estamos numa bela manhã de Junho, acompanhando a jornada do frade superior dessa pequena comunidade religiosa. Na sua bela égua Estrela, o frade acompanha a margem direita do Vouga. Vai devagar, gostava daquele longo passeio que lhe proporcionara uma visita pastoral. Umas roupas aqui, um dinheirito ali, boas palavras além, conhecia bem aqueles descaminhos, mas também se confiava ao instinto do animal. Dera uma boa volta e regressava satisfeito. Mas o tempo é que estava a mudar de aspecto conforme entravam nas negruras da noite. A égua era fina e o cavaleiro dava-lhe rédea solta, para lhe evitar constrangimento, mas ela parara e acenara com a cabeça, como a dizer ao frade que se segurasse bem porque o pior ainda estava para vir. E o pior eram as poldras, que ela soube atravessar com extremo cuidado. E daí a pouco o frade estava no convento, quase sem dar por isso. Nessa noite, ele soube que, apesar de tudo, passara por milagre o Rio Vouga. Não era só a sabedoria da Estrela a salvá-lo, e no dia seguinte voltou ao sítio das poldras e, desmontando, ficou estarrecido, vendo claramente o perigo por que passara. Eram tamanhos os estragos que a tempestade da véspera fizera! De repente, sentiu um frémito percorrer-lhe o corpo, encostou-se ao pescoço da égua e apercebeu-se que o rio já não era o Vouga, mas outro, muito mais longo e profundo. Já apoiado numa árvore, cadáver há já umas horas, aí o foram encontrar outros seus irmãos que o procuravam...» [V. M., pg. 242]
Manuel

Um artigo de António Rego

FÉRIAS EM FILOSOFIA
A vida são dois dias, o Carnaval, três. Diz-se a brincar, como um hábil jogo de palavras e números, como se nada, de facto, se quisesse dizer. Estes três dias acabam por ter algo de religioso. Três dias de festa estridente que precedem a quarentena de cinzas e penitência. Ou a alusão aos três dias de Paixão de Cristo que terminaram na Ressurreição. Ou escondendo ainda um outro conceito: a vida dura pouco, menos que um divertimento de Carnaval e por isso não vale a pena perder tempo com o que não é aprazível. Indo mais fundo parece insinuar-se uma filosofia de vida retintamente epicurista que valoriza antes e acima de tudo o prazer. As viagens ideológicas demoram o seu tempo e as mudanças, por muito velozes que pareçam, operam-se com leis rígidas que não permitem que a história evolua aos saltos. Entremos um pouco mais no concreto. Vivemos uma sociedade de progresso, trabalho, produção, eficácia, rendimento. Mesmo com o apoio da técnica e da tecnologia, nunca o homem pode dizer que o seu tempo de vida é de lazer, como aconteceria a Adão, não fora o pecado original. Mas o facto é que o conceito de Carnaval como divertimento de choque, excitação, entretenimento esgotante, vai-se estendendo a outras áreas. O repouso já não é o que era. E para muitos, o próprio tempo de férias constitui uma multiplicação – um compacto, como ora se diz – de entretenimentos que se escolhem como em carta de vinhos e se consomem até à embriaguês. Umberto Eco fala mesmo da carnavalização da vida face aos espectáculos constantes que as pessoas procuram, nomeadamente através dos media que são os agentes deste divertimento non stop quer de informação quer de ficção. Aparte outros considerandos parece urgente rever a concepção de repouso, divertimento, festa, corte do trabalho quotidiano (quantas vezes o fim de semana é concebido como tempo de orgia!). Com tudo isso, há valores recônditos que não afloram nos tempos comuns de trabalho e rotina. Há pausas, silêncios, escutas, olhares que só se descobrem num certo despojamento de alma. Será por isso bom que as férias se não transformem em repetição programática do mesmo. Se assim for, semana após o recomeço do trabalho estarão praticamente gastas.

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