Crónica de Anselmo Borges no DN
É de sublinhar a importância das conferências de imprensa que o Papa Francisco dá no regresso das suas visitas ao estrangeiro. Só um Papa que verdadeiramente acredita e que antepõe o Evangelho e o bem da humanidade aos interesses da Igreja institucional pode ter este à-vontade moderno e esta ousadia. Foi o que aconteceu, de volta ao Vaticano, após 24 horas em Fátima.
1. A primeira pergunta pertenceu à RTP, pela voz de Fátima Campos Ferreira. Que impulso agora, a partir de Fátima, para a Igreja e para o mundo? E que pode esperar o mundo do encontro com Trump?
Francisco: "Fátima tem, sem dúvida, uma mensagem de paz. Que pode esperar o mundo? Paz. De que vou falar daqui para diante seja com quem for? Da paz. E quereria dizer uma coisa que me tocou o coração. Antes de embarcar para Fátima, recebi cientistas de várias religiões, também agnósticos e ateus, e um ateu disse-me: "Sou ateu. Peço-lhe um favor: diga aos cristãos que amem mais os muçulmanos." Isto é uma mensagem de paz." Fátima Campos Ferreira: "É isso que vai dizer a Trump?" Francisco sorriu. À pergunta da NBC, também sobre Trump, sublinhando que ameaça construir muros e não dar atenção, por exemplo, ao aquecimento global e aos migrantes, Francisco respondeu: "Nunca julgo uma pessoa sem ouvi-la." Mas, do diálogo, sairão coisas: "Eu direi o que penso e ele dirá o que pensa... É preciso procurar as portas que estão um pouco abertas, para entrar e falar sobre coisas comuns e avançar. Passo a passo. A paz é artesanal: constrói-se todos os dias." NBC: "Espera que depois do encontro Trump suavize as suas políticas..." Francisco: "Isso é um cálculo político que não me permito fazer. Também no plano religioso não sou proselitista."
Trump foi recebido por Francisco no dia 24 de Maio e deixou escrito na sua conta de Twitter que saiu do Vaticano "mais determinado do que nunca a buscar a PAZ no nosso mundo". Oxalá!
2. À pergunta do La Croix sobre a Fraternidade de São Pio X respondeu: "Há relações fraternas. Não gosto de apressar as coisas. Caminhar, caminhar, caminhar, e, depois, ver-se-á. É um problema de irmãos que devem caminhar juntos, procurando o modo de dar passos em frente."
3. A ARD quis saber se, por ocasião dos 500 anos da Reforma, os cristãos evangélicos e católicos podem esperar mais, incluindo "a possibilidade de participar na mesma Mesa eucarística". Francisco: desde a primeira declaração sobre a justificação, o caminho nunca mais se deteve. "A viagem à Suécia foi muito significativa, porque era o início das celebrações do centenário." Também ali se deu continuidade ao "ecumenismo do caminho, isto é, do caminhar juntos com a oração, o martírio e as obras de caridade, com as obras de misericórdia". Mas espera-se que haja sempre novos passos. "O senhor sabe que Deus é o Deus das surpresas. Nunca devemos parar, mas andar sempre."
Aqui, lembro o que o cardeal Walter Kasper disse recentemente: "Espero que a próxima declaração do Papa abra o caminho para a comunhão eucarística partilhada em casos especiais, sobretudo respeitantes aos casamentos e às famílias mistas."
4. O Avvenire referiu outros santuários marianos, concretamente Medjugorje. Francisco começou por lembrar que "todas as aparições ou as alegadas aparições pertencem à esfera privada, não são parte do Magistério público ordinário da Igreja". Que se deve continuar a investigar, acrescentando: "Eu, pessoalmente, prefiro a Nossa Senhora mãe, nossa mãe, e não a Nossa Senhora chefe de um departamento telegráfico que todos os dias envia uma mensagem a tal hora... esta não é a mãe de Jesus." Mas há "o facto espiritual e pastoral, pessoas que vão lá e se convertem, que encontram Deus, que mudam de vida..." No final, "dir--se-á algo".
5. O National Catholic Reporter referiu o facto de Marie Collins, ela própria vítima de abusos por um padre, se ter demitido da comissão para protecção dos menores porque "os funcionários no Vaticano não punham em prática os conselhos da comissão".
Francisco: "Ela explicou-me bem a coisa. Falei com ela, é uma boa senhora. Continua a trabalhar na formação com os sacerdotes sobre este ponto. Fez essa acusação, e tem um pouco de razão. Porque existem muitos casos atrasados, que se foram acumulando." E explicou que foi preciso criar legislação. Por exemplo, criou um segundo tribunal, "porque devemos ser justos, e a pessoa que recorre tem direito a ter um defensor. Se aprovar a primeira sentença, o caso termina. Só resta a possibilidade de escrever uma carta, pedindo a graça ao Papa. Eu nunca assinei uma graça. É assim que estão as coisas, e vamos avançando. O problema é que há dois mil casos acumulados."
6. A última pergunta pertenceu a Joana Haderer, da Lusa: "Em Portugal, quase todos os portugueses se identificam como católicos, quase 90%, mas a forma como se organiza a sociedade, as decisões que tomamos são muito contrárias às orientações da Igreja. Refiro-me ao casamento dos homossexuais, à despenalização do aborto. Agora vamos começar a discutir a eutanásia. Como vê isto?"
Francisco. "Creio que é um problema político, mas também que a consciência católica por vezes não é uma consciência que adere totalmente à Igreja. E que, por trás disso, falta uma catequese matizada, uma catequese humana... Um exemplo de uma catequese séria e matizada é o Catecismo da Igreja Católica. Creio que há falta de formação e também de cultura. Pois é curioso um fenómeno que se verifica... noutras regiões (penso na Itália, também na América Latina): são muito católicos, mas são anticlericais." Claro que isso preocupa Francisco. Por isso, repete aos padres: "Fugi do clericalismo. Porque o clericalismo afasta as pessoas, é uma peste na Igreja. Mas também aqui se trata de catequese, de consciencialização, de diálogo, inclusive de valores humanos."
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico