Gafanhoas (Década de 40 do século passado)
Há dias, alguém perguntou-nos de que lado estávamos: se do lado do gafanhão ou do gafanhonazareno? Respondemos, com toda a naturalidade, que não estávamos de lado nenhum, embora usássemos a falar e a escrever a palavra gafanhão. E acrescentámos que não estávamos de lado nenhum pela simples razão de que não gostávamos de dividir os filhos desta terra que nos viu nascer, e onde sempre vivemos, em dois grupos que se digladiassem, já que muito de bom nos unia e exigia essa mesma unidade, rumo a um progresso cada vez mais saudável.
Justificámos, no decorrer da conversa, a nossa posição, que não tem nada de teimosia nem de fuga a qualquer tipo de evolução no campo da Língua Portuguesa, por nela acreditarmos, quando tal é de aceitar, com a introdução de novas palavras e termos, quando necessário. Assim: usamos o gentílico gafanhão por estar consagrado há dezenas de anos, talvez centenas, no linguajar do povo e em todos os dicionários que conhecemos; por ser esse o que vem em qualquer livro que fala da Gafanha da Nazaré ou de outra Gafanha; por estar consignado no Guia Ortográfico da Língua Portuguesa; por sentirmos que é necessário impô-lo, sobretudo depois de ter sido considerado depreciativo por alguns povos vizinhos; por gostarmos dele (não soa ele tão bem?); por ser, principalmente em Portugal e no Mundo, a palavra que melhor nos identifica, aos olhos dos outros, segundo cremos; e por não vermos qualquer vantagem em criar outro termo que a substitua. As palavras novas só são de aceitar, a nosso ver, quando não há outras para definirem a mesma coisa, ou quando o povo, com toda a sua autoridade, resolve “criá-las” ou adoptá-las. Não foi o povo que criou o “gafanhão”? Ou terá sido, como poucos pensam, algum letrado a fazê-lo? Foi o povo, não há dúvidas, que começou a chamar “gafanhões” aos que por aqui começaram a aparecer para amanhar as terras até aí improdutivas. Sendo assim, deixemos ao povo da Gafanha da Nazaré, sem quaisquer pressões, o direito de seguir o que melhor lhe convier, talvez por gostar mais. Nós não nos oporemos. Só não concordamos é com influências excessivas, como que a querer impor uma qualquer teoria, venha ela de onde vier.
Também não concordamos que se diga ser urgente dignificar o povo com a alteração do gentílico. Aos que dizem que é preciso substituir gafanhão por gafanhonazareno (gramaticalmente correcto, não duvidamos) por o primeiro ter tido uma carga negativa, lembramos que o povo só se dignifica e sai dignificado, não com mudanças de gentílicos, mas com atitudes educadas de todos nós. Assim, se soubermos, como gafanhões, honrar e dignificar o nosso povo, tendo posturas certas na sociedade e em qualquer sítio em que nos encontremos, estamos a elevá-lo e a impô-lo à consideração do mundo que nos rodeia. E isso não passa, necessariamente, por ser gafanhonazareno ou gafanhão, mas por ser gente que se respeita e respeita os outros.
Porém — acrescentámos ao nosso interlocutor —, aceitamos perfeitamente a opção de outras pessoas por outro gentílico, sem vermos nisso razões minimamente aceitáveis para nos ofendermos ou guerrearmos. Cada um é livre de seguir a opção que muito bem entender, sem ser preciso dividir os filhos desta terra em bons (ou que são pelo gafanhonazareno) e maus (ou que defendem gafanhão).
E também lhe dissemos que, já agora, gostaríamos de saber que nomes haveríamos de dar aos filhos das Gafanhas da Boavista, de Aquém, da Encarnação, do Carmo, da Boa Hora e da Vagueira. Talvez gafanhoboavistenses, gafanhodaquemnenses (será assim que se escreve?), gafanhoencarnacenses, gafanhocarmoenses, gafanhoboaorenses e gafanhovagueirenses. O que dirão os entendidos nestas coisas da linguagem, e os próprios interessados, já que a lei deve aplicar-se a casos semelhantes? Aqui deixamos a questão para que outros, sem agressividade, lhe respondam. Nós demos a nossa opinião, como nos solicitaram. E ponto final, por agora, porque a Gafanha da Nazaré tem muito mais em que pensar, para inovar e evoluir, em tantos campos, se é que quer ocupar o lugar a que tem direito na sociedade em que se insere. E não será por causa desta questiúncula que nos vamos dividir, ao ponto de sairmos dos trilhos da sã convivência e da boa educação.
Fernando Martins
Há dias, alguém perguntou-nos de que lado estávamos: se do lado do gafanhão ou do gafanhonazareno? Respondemos, com toda a naturalidade, que não estávamos de lado nenhum, embora usássemos a falar e a escrever a palavra gafanhão. E acrescentámos que não estávamos de lado nenhum pela simples razão de que não gostávamos de dividir os filhos desta terra que nos viu nascer, e onde sempre vivemos, em dois grupos que se digladiassem, já que muito de bom nos unia e exigia essa mesma unidade, rumo a um progresso cada vez mais saudável.
Justificámos, no decorrer da conversa, a nossa posição, que não tem nada de teimosia nem de fuga a qualquer tipo de evolução no campo da Língua Portuguesa, por nela acreditarmos, quando tal é de aceitar, com a introdução de novas palavras e termos, quando necessário. Assim: usamos o gentílico gafanhão por estar consagrado há dezenas de anos, talvez centenas, no linguajar do povo e em todos os dicionários que conhecemos; por ser esse o que vem em qualquer livro que fala da Gafanha da Nazaré ou de outra Gafanha; por estar consignado no Guia Ortográfico da Língua Portuguesa; por sentirmos que é necessário impô-lo, sobretudo depois de ter sido considerado depreciativo por alguns povos vizinhos; por gostarmos dele (não soa ele tão bem?); por ser, principalmente em Portugal e no Mundo, a palavra que melhor nos identifica, aos olhos dos outros, segundo cremos; e por não vermos qualquer vantagem em criar outro termo que a substitua. As palavras novas só são de aceitar, a nosso ver, quando não há outras para definirem a mesma coisa, ou quando o povo, com toda a sua autoridade, resolve “criá-las” ou adoptá-las. Não foi o povo que criou o “gafanhão”? Ou terá sido, como poucos pensam, algum letrado a fazê-lo? Foi o povo, não há dúvidas, que começou a chamar “gafanhões” aos que por aqui começaram a aparecer para amanhar as terras até aí improdutivas. Sendo assim, deixemos ao povo da Gafanha da Nazaré, sem quaisquer pressões, o direito de seguir o que melhor lhe convier, talvez por gostar mais. Nós não nos oporemos. Só não concordamos é com influências excessivas, como que a querer impor uma qualquer teoria, venha ela de onde vier.
Também não concordamos que se diga ser urgente dignificar o povo com a alteração do gentílico. Aos que dizem que é preciso substituir gafanhão por gafanhonazareno (gramaticalmente correcto, não duvidamos) por o primeiro ter tido uma carga negativa, lembramos que o povo só se dignifica e sai dignificado, não com mudanças de gentílicos, mas com atitudes educadas de todos nós. Assim, se soubermos, como gafanhões, honrar e dignificar o nosso povo, tendo posturas certas na sociedade e em qualquer sítio em que nos encontremos, estamos a elevá-lo e a impô-lo à consideração do mundo que nos rodeia. E isso não passa, necessariamente, por ser gafanhonazareno ou gafanhão, mas por ser gente que se respeita e respeita os outros.
Porém — acrescentámos ao nosso interlocutor —, aceitamos perfeitamente a opção de outras pessoas por outro gentílico, sem vermos nisso razões minimamente aceitáveis para nos ofendermos ou guerrearmos. Cada um é livre de seguir a opção que muito bem entender, sem ser preciso dividir os filhos desta terra em bons (ou que são pelo gafanhonazareno) e maus (ou que defendem gafanhão).
E também lhe dissemos que, já agora, gostaríamos de saber que nomes haveríamos de dar aos filhos das Gafanhas da Boavista, de Aquém, da Encarnação, do Carmo, da Boa Hora e da Vagueira. Talvez gafanhoboavistenses, gafanhodaquemnenses (será assim que se escreve?), gafanhoencarnacenses, gafanhocarmoenses, gafanhoboaorenses e gafanhovagueirenses. O que dirão os entendidos nestas coisas da linguagem, e os próprios interessados, já que a lei deve aplicar-se a casos semelhantes? Aqui deixamos a questão para que outros, sem agressividade, lhe respondam. Nós demos a nossa opinião, como nos solicitaram. E ponto final, por agora, porque a Gafanha da Nazaré tem muito mais em que pensar, para inovar e evoluir, em tantos campos, se é que quer ocupar o lugar a que tem direito na sociedade em que se insere. E não será por causa desta questiúncula que nos vamos dividir, ao ponto de sairmos dos trilhos da sã convivência e da boa educação.
Fernando Martins