“Mulher de Porto Pim — Uma ode aos Açores”
de Antonio Tabucchi
Quando fui aos Açores, mais concretamente à ilha de S. Miguel, levei no saco da bagagem um livro de Raul Brandão — “As Ilhas Desconhecias” —, escrito em 1926 (há precisamente 90 anos), a partir de uma viagem que o escritor e jornalista havia feito em 1924. Levei também outra literatura avulsa de caráter propagandístico, mas interessante.
Hoje, porém, inicio referências a outros livros que tanto podem ser lidos antes da partida para os Açores como no regresso. Começo com “Mulher de Porto Pim — Uma ode aos Açores” de Antonio Tabucchi, professor e escritor italiano que se radicou em Portugal por tanto gostar do nosso país. Morreu em 25 de março de 2012.
A edição que tenho em mãos e que já li tem a chancela da editora Dom Quixote e foi publicada este ano. Apresenta o Prólogo com data de 23 de setembro de 1982. São apenas 126 páginas, capa dura, tradução de Maria Emília Marques Mano, pois o original foi escrito em italiano, em Vecchiano.
Curiosamente, depois de ler o livro, de formato pequeno, li no Expresso uma referência crítica de Pedro Mexia, que lhe deu a classificação de quatro estrelas, num máximo de cinco. Tanto basta para aquilatarmos da qualidade e do interesse desta obra de Antonio Tabucchi.
No trabalho deste autor há naufrágios, destroços, passagens e lonjuras, mas há baleias e baleeiros, onde cabe a história da Mulher de Porto Pim. Permitam-me que destaque uma biografia, algo ficcionada, de Antero de Quental, a qual nos mostra António Feliciano de Castilho, a quem o pai do poeta açoriano confiou a instrução de seu filho. Mestre de Antero, na infância, e mais tarde adversários e polemistas na chamada Questão Coimbrã.
Um retalho
«Quando o menino chegou à idade de aprender, o pai chamou para sua casa o poeta António Feliciano de Castilho [Residiu algum tempo em S. Miguel] e confiou-lhe a sua instrução. Castilho era considerado então grande poeta, talvez por causa das suas traduções de Ovídeo e de Goethe, e talvez também pela sua infeliz cegueira que, por vezes, dava aos seus versos um tom pomposo muito apreciado pelos românticos. Na realidade era um erudito irascível e austero que privilegiava a retórica e a gramática. Com ele o pequeno Antero aprendeu latim, alemão e métrica. E com estes estudos chegou à adolescência.»
E no Post Scriptum — Uma baleia vê os homens
«Não gostam da água e têm medo dela, e não se percebe por que razão a frequentam. Também se deslocam em bandos, mas não levam fêmeas e adivinha-se que elas se encontram algures, mas sempre invisíveis. Às vezes cantam, mas só para si, e esse canto não é um chamamento, mas uma forma de lamento pungente. Cansam-se depressa, e quando a noite cai estendem-se sobre as pequenas ilhas que os transportam e talvez adormeçam ou olhem para a lua. Passam deslizando em silêncio e percebe-se que são tristes.»
Fernando Martins