sábado, 24 de dezembro de 2016

NATAL OU PÁSCOA?

Crónica de Frei Bento Domingues 



1. O dia 25 de Dezembro não celebra o aniversário histórico do nascimento de Jesus de Nazaré. A Igreja de Roma fixou esta data como réplica pastoral à festa solar pagã do Natalis Invicti, festa de inverno no hemisfério norte. Foi uma bela astúcia. Procurava destronar a heliolatria, o culto do sol, pela celebração do nascimento de Jesus Cristo, o verdadeiro Sol Invencível, a luz da justiça e da graça. Se o Natal é decisão romana, a Epifania, a 6 de Janeiro, é de origem oriental: celebram ambas a mesma realidade, a manifestação do Deus humanado.
A linguagem das Escrituras e da Liturgia não caiu do Céu. Para fazer entender a novidade cristã foram transpostas, muitas vezes, imagens e festas pagãs para o universo católico. Onde hoje alguns podem julgar que houve uma paganização do Cristianismo, outros vêem, nesse esforço, a sua cristianização. A este propósito, as descrições que Epifânio de Salamina[i] fez da festa pagã, de tipo solar, ajudam-nos a perceber os discernimentos que foram necessários para entender a nossa festa de 6 de Janeiro.

ALEGRAI-VOS. HOJE NASCEU O SALVADOR

Reflexão de Georgino Rocha



O convite à alegria ecoa no descampado de Belém onde pastores vivem e guardam os rebanhos. (Lc 2, 1-14). É noite que envolve também o seu coração. O povoado fica a uns três km, agravando o desconforto emocional. Apenas o apoio mútuo lhes serve de amparo e consolação. São marginais `que sobrevivem em precárias condições. São trabalhadores por conta de outrem sem qualquer protecção legal. São “nómadas” considerados violentos e ladrões, socialmente perigosos e ameaçadores. Gente a evitar e a manter à-distância.

No céu de Belém, faz-se ouvir uma voz estranha que se vai aproximando. Sentem muito medo. Ficam pasmados com o convite que lhes é dirigido: “Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor”. E para os demover, o Anjo indica-lhes um sinal de reconhecimento: o Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura. O grande medo cede lugar a uma enorme paz, o pasmo é vencido pela vontade curiosa de ir verificar a verdade do anúncio, a solidão da noite é desfeita pela agradável companhia de vozes celestes que louvam a Deus pela sua glória e felicitam os homens pela paz, fruto divino do amor incondicional e do esforçado trabalho humano.

Natal. Traduções da Bíblia

Crónica de Anselmo Borges 



«Estou convencido 
de que o desconhecimento da Bíblia 
e a proibição da sua leitura 
foram uma das causas 
do atraso cultural de Portugal.»

1 "A Bíblia é o poema colectivo mais longo criado até agora pela humanidade. Nele se espelham as várias batalhas que os homens engendram na sua demanda pelo amor absoluto. Não admira que a literatura ocidental nele tenha encontrado os seus modelos de narração amorosa mais fortes e que os seus mitos continuem a servir de moldura para o pensamento em torno da liberdade e da paz" (Lídia Jorge).

Ernst Bloch, marxista heterodoxo e ateu religioso, ainda na antiga República Democrática Alemã, dizia nas suas aulas, para escândalo do governo comunista, que os nazis, ao recusarem a Bíblia, já "não puderam compreender a cultura alemã". De facto, sem a Bíblia, não podemos compreender os cânticos de Natal, da Páscoa, costumes populares..., não conseguimos entender o gótico, a Idade Média, Dante, Rembrandt, Händel, Bach... "Sim, sem a Bíblia, o que é que ainda podemos compreender?" Sem a Bíblia, não entendemos a Missa Solemnis de Beethoven, um requiem, "garnichts" (nada mesmo).
Como entender os ideais da Revolução Francesa? Karl Marx, exilado, levou consigo a Bíblia. Bertolt Brecht encontrava inspiração na Bíblia. No século XIX, não havia analfabetos na Noruega e a razão é que as mães liam a Bíblia e uma mãe que sabe ler não permite que os filhos fiquem analfabetos...
Entretanto, a gente pasma, quando lê que, em 1713, o papa Clemente XI, na Constituição "Unigenitus Dei Filius", declarou serem falsas afirmações como: "A leitura da Sagrada Escritura é para todos", "é útil e necessário" todos terem acesso ao estudo e conhecimento da Bíblia.

Estou convencido de que o desconhecimento da Bíblia e a proibição da sua leitura foram uma das causas do atraso cultural de Portugal.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Quem ouve, hoje, a voz dos anjos no silêncio da noite?

Mensagem do Bispo do Porto:
Com Maria e José sonhar a alegria do Natal


1. Como sonhar a alegria do Natal nas ruas manchadas pelo sangue derramado em Paris, Nice, Ancara ou Berlim? Como construir presépios nas ruínas de Alepo, donde fugiram os cristãos? Que presente de Natal oferecer ao menino que chora convulsivamente porque o seu pai está preso, ao ouvir cantar os parabéns, no dia do seu aniversário, pelos companheiros e educadoras daquele Centro Social de um bairro pobre da cidade?
Vinte séculos depois, o mundo continua a fechar as portas das albergarias da cidade diante da vida que nasce e incomoda e frente a famílias de refugiados, sem teto, sem terra e sem trabalho.
Os poderosos do mundo parecem continuar distraídos de tudo isto, ocupados com outras coisas, enredados nos seus negócios ou absorvidos pela ambição desmedida do seu domínio.
Quem ouve, hoje, a voz dos anjos no silêncio da noite? Quem se apressa a acorrer à gruta de Belém? Quem se deixa iluminar pela estrela que nos conduz a Deus, nascido de Maria e velado por José, seu pai adoptivo. Que mistérios divinos contemplamos? Que sonhos de paz e de misericórdia embalamos? Que caminhos de luz e de sabedoria percorremos?

Nascerás esta noite em Alepo

Um poema de Senos da Fonseca 
para este tempo




Nascerás
Esta noite em Alepo.
Não terás Reis, nem Magos.
E de mirra terás o odor dos
Mortos.
Verás homens ferozes
Matando outros homens
Sem perceberes porquê.
Verás meninos empunhando armas
Matando outros meninos.
Apesar de Ti
O mundo está pior.
Nesta noite chorarei…
Chorarei sobre as consciências
Adormecidas.
Chorarei sobre os que ainda
Acreditam
Na inocência.
Esta noite não quero mais natal
Nesta noite morreu meu sonho
O de acreditar que o Homem
Se queria igual.


Senos da Fonseca

Natal 2016

NATAL, ÉS TU


NATAL, ÉS TU

"O Natal és tu, quando decides nascer de novo em cada dia e deixar Deus entrar na tua alma.
A árvore de Natal és tu, quando resistes vigoroso aos ventos e dificuldades da vida.
Os enfeites de Natal és tu, quando as tuas virtudes são cores que enfeitam a tua vida.
O sino de Natal és tu, quando chamas, congregas e procuras unir.
És também luz de Natal, quando com a tua vida iluminas o caminho dos outros
com a bondade, a paciência, a alegria e a generosidade.
Os anjos de Natal és tu, quando cantas ao mundo uma mensagem de paz, justiça e amor...
Os cânticos de Natal és tu, quando conquistas a harmonia dentro de ti.
Os presentes de Natal és tu, quando és um verdadeiro amigo e irmão de todos os seres humanos.
Os desejos do Natal és tu, quando perdoas e restabeleces a paz, mesmo sofrendo.
A consoada és tu, quando sacias com pão e esperança o pobre que te é próximo.
Tu és a noite de Natal, quando, humilde e consciente, recebes no silêncio da noite o Salvador do mundo, sem ruído nem grandes celebrações; 
tu és sorriso de confiança e ternura na paz interior de um natal constante estabelecendo o reino dentro de ti."

Papa Francisco

Nota: Texto gentilmente enviado por Georgino Rocha com votos de Feliz Natal

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

José Tolentino Mendonça em entrevista ao PÚBLICO

"Muitas pessoas estão a dar 
uma segunda oportunidade à Igreja"

Padre Tolentino (foto do meu arquivo)



É um dos grandes pensadores do Portugal contemporâneo e do lugar do catolicismo no mundo. Em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, José Tolentino Mendonça fala do Natal, do amor, da poesia e do papel do Papa Francisco na reinvenção do papel da Igreja.



José Tolentino Mendonça não tem dúvidas: o Papa Francisco trouxe à Igreja Católica uma vitalidade que se julgava perdida e a prova disso são as muitas pessoas que se reconciliaram com a fé cristã. “Está a acontecer um pouco por todo o lado e como sinal, ao mesmo tempo, de uma cultura que volta a ter disponibilidade para ouvir aquilo quer julgava que já não queria ouvir mais.” A poucos dias do Natal falamos com o padre-poeta que gosta de construir pontes entre crentes e não-crentes, entre fé e pensamento.

Há um Natal de antigamente e um Natal dos dias de hoje? 
As formas como vivemos o Natal não são indiferentes à História, até porque o cristianismo é uma religião vertiginosamente histórica. Há outras tradições religiosas para quem a História é mais ou menos indiferente, porque apostam tudo na superação ou numa espécie de intervalo em relação à História. O cristianismo pega na História de frente. E, por isso, tudo o que é o fluxo histórico tem uma tradução na vivência do cristianismo. O próprio Natal, em si mesmo, é este cruzamento do eterno com a História e é sempre através daquilo que a História pode ser em cada momento que nós conseguimos olhar para o mistério da fé.

Ler mais no PÚBLICO

Notas do meu diário: Hoje volto à liça

22 de dezembro



1. Já não ando por aqui, com textos próprios, desde 14 de dezembro. Alguns incómodos de saúde, felizmente não muito graves, impedem-me de seguir o meu ritmo normal. Hoje, porém, dei uma sapatada nesse incómodo e volto à liça habitual, que parar é morrer.

2. A época natalícia é, porventura, a que mais me toca. Sempre senti isso desde menino, desde quando a minha saudosa mãe me falava do nascimento do Menino Jesus, com o olhar repassado de ternura pelo Deus-Menino que haveria espalhar bondade, alegria, paz e fraternidade. De teologia, a minha mãe nada saberia. Muito menos seria capaz de me explicar por que razão quis Deus fazer-se homem há mais de dois mil anos. Mas sabia que era sua e nossa obrigação acolhê-Lo neste mundo maravilhoso, quiçá um vale de lágrimas para muitíssima gente. E depois, anunciava que no dia 25 de dezembro, começos do inverno, teríamos a grande noite, na qual não faltavam os presentes que o Menino se encarregaria de distribuir por todas as crianças do mundo. E assim era… 

3. Tenho por princípio ouvir música natalícia há muitos anos nesta quadra. É música diferente. Desde a popular que os simples criaram e nos ensinaram a cantarolar até à mais elaborada com fonte garantida nos grandes músicos. Toda ela é bela. E é curioso como por ela nos elevamos às alturas, tentando abafar mágoas das guerras e dos terrorismos, mesmo sabendo que não há milagres para que os homens se entendam se eles não quiserem nem souberem entender-se. 
Bom Natal para todos. 

domingo, 18 de dezembro de 2016

De mãe a discípula

Crónica de Frei Bento Domingues no PÚBLICO


«A igreja não tem nenhuma fórmula 
para salvar o mundo. 
É uma convocatória para o trabalho. 
Não é pouco.»
1. Pertencem a Paulo os primeiros escritos do Novo Testamento. Não são de carácter narrativo. São tentativas de interpretação de uma experiência que mudou completamente a sua vida, que o fez nascer de novo. A iluminação que derrubou as suas certezas não o fez ver apenas que nem Jesus nem os seus discípulos eram traidores da autêntica fé de Israel. Esta tinha sido atraiçoada ao deixar-se prender pela Lei, pelos seus preceitos e regulamentos, tornando-se uma questão nacionalista.
Jesus não cabia em Israel e não era só um judeu fora de série. Era um começo novo da humanidade. S. Lucas imaginou a sua genealogia como filho de Adão, como filho de Deus[1] e S. Mateus dirá, citando Isaías, que ele é Deus connosco[2]. É o evangelho de um filho da humanidade para toda a humanidade.
Quem frequentar as engenhosas narrativas, magníficos romances do nascimento e dos começos da vida de Jesus, não corre o perigo de imaginar que estamos a preparar, com o Advento, o nascimento de Cristo, assunto há muito resolvido. O que nos falta é consentir em nascer de novo. Como já referimos na semana passada, a grande figura do Natal é Nicodemos, um fariseu membro do Sinédrio[3], que andava de noite à procura da luz.

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