sábado, 30 de abril de 2022

Contra a guerra. A coragem de construir a paz

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Pela enésima vez estamos perante a barbárie, porque perdemos a memória: esquecemos a História, esquecemos o que nos disseram os nossos avós, os nossos pais.

A quem é que, perante as imagens de horror desta guerra na Ucrânia ditada por um megalómano humilhado e insensato - mortes incontáveis, a tragédia de valas comuns, milhões de deslocados e refugiados, mulheres, crianças, idosos em total desamparo, na falta de tudo, quando nada é poupado à destruição: maternidades, escolas, hospitais -, não vieram já as lágrimas aos olhos?
O Papa Francisco não se cansa de clamar contra a guerra e apelar à paz: "Em nome de Deus peço-vos : parem este massacre!" "Um massacre sem sentido" e de "uma crueldade inumana e blasfema". Por ocasião da celebração da Páscoa ortodoxa, no fim de semana passado, ele, a ONU, o Conselho Mundial das Igrejas apelaram a um cessar-fogo, também para abrir a possibilidade de corredores humanitários, mas não foram ouvidos. Quero sublinhar que, atendendo às celebrações pascais, o arcebispo de Munique, cardeal Reinhard Marx, foi particularmente duro na saudação pascal. Chamou "perversos" aos líderes religiosos que, como o Patriarca de Moscovo, Kirill, apoiam a guerra na Ucrânia, lamentou que ao longo da História "os cristãos tenham usado a violência sob o sinal da cruz", algo que se repete hoje "na guerra actual, com cristãos baptizados a matar outros cristãos e recebendo o apoio de líderes das suas Igrejas".

Só vejo casas semeadas

Gostaria de ter paciência, força física e gosto pelos serviços do quintal. Para uns, como a Lita, o quintal é um refúgio, um prazer, direi mesmo, uma paixão. Por ali anda, serena, sem pressas, dando sementes às galinhas e ao galo,  repartindo uns petiscos pelos  gatos. Enche uma taça de barro de água fresca, onde a passarada dá uns mergulhos e bebe uma boas pingas. 
No regresso, há sempre couves frescas, laranjas, ovos, limões e um ar de felicidade que só eu sei quanto é autêntico. Mas eu, não. Olho o ambiente, aprecio os pinheiros, contemplo as nuvens sem as habitar, dou uma volta e se não tenho um cadeirão à mão regresso às minhas comodidades caseiras.
Dirão os meus amigos que não sei apreciar a importância do contacto real com a natureza, rejuvenescendo-a com alguns cuidados. Estão enganados. Faço o que posso sem exceder as minhas resistências e competência, mais débeis as primeiras.
Gafanhão que se preza, sabe muito de quintais e lavouras e eu não fujo à regra. Porém, olho à volta pelas ruas por onde passo e quase só vejo casas semeadas. Há poucas décadas, os aidos e demais terrenos brilhavam de viçosos, mas hoje estão cheios de ervas daninhas. Se a fome atacar, voltarão a brilhar.

F. M.

sexta-feira, 29 de abril de 2022

FOLHAS, LETRAS & OUTROS OFÍCIOS 19

 FOLHAS, LETRAS & OUTROS OFÍCIOS 19 é mais uma edição do Grupo Poético de Aveiro com capa de Jeremias Bandarra, recentemente falecido. Trata-se de um trabalho coordenado por Anabela Oliveira, Carla Ribeiro, João Rasteiro e Rita Capucho. 
O Grupo Coordenador diz, a abrir, com o título "Eu vim do chão", que "Hoje, mais do que nunca, é o tempo da memória, e dessa memória a utopia de criar futuro, de criar um chão vivo, pois tal como refere a recente premiada com o Prémio Camões, Paulina Chiziane, ela, e nós, vimos do chão".
Este livro, o 19.º, insere nas suas páginas poetas e escritores multifacetados de Aveiro, base essencial do Grupo Poético desta cidade dos canais, mas vai mais além com "outros nomes maiores da Poesia Portuguesa e Espanhola, da poesia em língua portuguesa e espanhola". São 300 páginas de escritos variados, desde a poesia que eu considero mais normal até à poesia experimental portuguesa, passando por prosa poética, prosa, ensaio e recensão crítica. A ilustração é de Lúcia Seabra, Milú Sardinha, Rosa Galvão e Tânia Sardinha.
Para além da poesia e prosa comuns, importa chamar a atenção dos leitores para a prosa poética, não muito falada mas bastante expressiva, e para a poesia experimental portuguesa, menos conhecida, mas muito desafiante, onde houve a preocupação de homenagear poetas que já não estão entre nós, "alguns dos quais pioneiros, impulsionadores e teorizadores da poesia experimental em Portugal".
Foi com gosto que voltei à leitura de poetas e escritores que já conhecia e de outros a que nunca tive acesso. E reconheço que a prosa poética e a poesia experimental são excelentes desafios à nossa imaginação e sensibilidade. Todo o livro, no fundo, proporciona, garantidamente, bons momentos de prazer a quem se der ao cuidado de o ler e reler.
Os meus parabéns para o Grupo Poético de Aveiro, que nos tem brindado com edições de qualidade, que merecem, por isso, ser divulgadas e apreciadas. 
No meu blogue terei oportunidade de apresentar alguns trabalhos desta seleção do Grupo Poético de Aveiro.

F. M.

Dia Mundial da Dança — É importante que dance



O Dia Mundial da Dança celebra-se todos os anos a 29 de abril. A data foi criada em 1982 pelo Comité Internacional da Dança da UNESCO. Neste dia nasceu Jean-Georges Noverre, que foi um dos grandes nomes mundiais da dança. Tenho para mim que todos, velhos e novos, podemos celebrá-lo com toda a facilidade. Se não tiver companhia, dance sozinho. O importante é que dance.

Refazer a esperança. Jesus orienta os discípulos na missão

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo III da Páscoa



Jesus, o Senhor ressuscitado, aparece aos discípulos na margem do mar de Tiberíades. Era o romper da manhã de um novo dia. E diz-lhes: “Rapazes, tendes alguma coisa de comer?” É neste cenário que surge a novidade que quer transmitir-lhes, a eles e a nós. Jo 21, 1-19.
O «Homem de Nazaré» não se deixa confinar: nem pelos laços familiares, nem pelo seu grupo de discípulos, nem pela Lei, nem pelas representações feitas dele, nem pela morte, afirma Jacques Gaillot. Ele não ficou prisioneiro do túmulo. Ressuscitado dos mortos, Jesus está vivo para sempre. A vida de Deus resplendece nele. Unissinos. Ele o Vivente é definitivamente livre.
O mar de Tiberíades é cenário aberto e expressivo da acção de Jesus ressuscitado. Acção que nos chega em forma de narrativa com fundo histórico e carácter simbólico. Comporta uma mensagem qualificada fazendo o relato da aparição/manifestação de Jesus aos discípulos pescadores.

quinta-feira, 28 de abril de 2022

A verdade liberta


Querubim Silva 
"Com a guerra perdem todos: os vencidos e os vencedores". E toda a humanidade. Com a Paz, todos ganhamos

A verdade liberta - é um princípio evangélico, válido para todos os tempos e lugares, para todas as situações e manifestações de vida, mesmo as expressões religiosas.
A vida dupla pode mascarar rostos de cera, sorrisos venenosos, comportamentos de aparente transparência... Mas a paz e serenidade dos corações só respira na limpidez do céu azul que a verdade gera e alimenta.
É neste contexto que se compreende a palavra dura do Papa Francisco: "Antes ser ateu do que católico hipócrita". Se há muito ateísmo de conveniência, para justificar um feroz individualismo de consciência que não admite qualquer referência objetiva crítica, também é certo que há muita "crença", católica ou outra, para camuflar túneis perversos de intenções, planos e procedimentos arbitrários.

Bom dia!

 

Bom dia com flores apaixonadas pelo mar.

Conferências de Santa Joana

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Farol tristemente só



Um dia destes encontrei o nosso farol tristemente só. A seus pés, nem vivalma. Areal sem gente é um deserto. Mas esta tristeza acabará brevemente.

terça-feira, 26 de abril de 2022

Nunca me canso de admirar o mar

 

O fogo, o ar, a terra e o mar são elementos que nunca me canso de admirar. Dos quatro, não sei qual mais me seduz. Talvez me incline para o mar, porventura pela sensação que  me provoca  quando dele me aproximo. Entra-me pelos olhos e pelos ouvidos, chega ao cérebro e embala-me completamente. Dá-me a sensação de um infinito em permanente mutação e em cada minuto, quando batido pelo sol e pelo vento, ora violento, ora bonançoso, mostra uma personalidade forte e desafiante. Tão desafiante que não dispenso as visitas frequentes que lhe faço, sem nunca ousar enfrentá-lo.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

A Páscoa das mulheres

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

O que nos falta ver, escutar e anunciar, para que os desejos e atitudes do Papa Francisco se tornem desejos e atitudes de toda a Igreja?

1. Já publiquei, nesta coluna, várias crónicas sobre a controvérsia do papel das mulheres na Igreja [1]. Sentem-se discriminadas, pois há ministérios que lhes estão vedados, apesar da posição categórica de S. Paulo: Todos vós sois filhos de Deus em Cristo Jesus, mediante a fé; pois todos os que fostes baptizados em Cristo, revestistes-vos de Cristo mediante a fé. Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus [2]​. Esta afirmação diz que não há dois baptismos diferentes: um para homens e outro para mulheres.

Seremos dignos do 25 de Abril ? (2)

Diz o PÚBLICO 
na sua edição de hoje


"Famílias em carência habitacional podem chegar às 100 mil. Nem metade poderá ter solução até ao 50.º aniversário do 25 de Abril"

"IHRU tinha identificado cerca de 26 mil famílias em situação de carência habitacional, em 2018, mas contas dos especialistas, com dados mais recentes, já apontam para mais de 60 mil e há quem defenda que possam chegar aos 100 mil."

O regresso a terra


Veio hoje do mar por onde andou. O meu registo indica o seu regresso às nossas terras com ares da ria.

Seremos dignos de Abril?

Escrevi este texto há 15 anos.
Terá razão a interrogação no título?

Salgueiro Maia no 25 de Abril de 1974
O 25 de Abril, que hoje é celebrado por muitos, enquanto outros tantos, ou mais, dele se alhearão, deve ser um momento de reflexão para todos,
para que saibamos descobrir razões e caminhos que coloquem os portugueses, todos os portugueses, na senda do progresso, sempre no respeito pela democracia, pela liberdade e pela dignidade humana.

Somos uns eternos insatisfeitos. Está-nos na massa do sangue. E até será bom, se isso for um ponto de partida para ir mais longe, no campo da valorização pessoal e colectiva, seguindo caminhos de respeito pelos outros, pela democracia, pela liberdade, pelo progresso sustentável e pelos valores que enformam a nossa cultura.
Nesse pressuposto, o 25 de Abril, que veio abrir caminhos à democracia, à descolonização e ao desenvolvimento, foi uma ocasião única para acertarmos o passo com a Europa e com o mundo, connosco próprios e com as diversas culturas, a quem tínhamos fechado as portas, ao abrigo da máxima de Salazar que defendia o “orgulhosamente sós”.

domingo, 24 de abril de 2022

Deus faz o nosso vizinho


"Nós fazemos os nossos amigos, fazemos os nossos inimigos, 
mas Deus faz o nosso vizinho"

Gilbert Keith Cherterton 
(1874-1936), 
escritos


sábado, 23 de abril de 2022

Dia Mundial do Livro - Os livros são paixão de longa data

Celebra-se hoje, 23 de Abril, o Dia Mundial do Livro, razão mais do que merecida e justa para assinalar o facto. Lembrei-me ontem e adiei para hoje a obrigação de referir a efeméride. Quase deixava cair no saco das coisas esquecidas um tema que me é tão caro. A minha memória, gasta pelo tempo, quase me traía. Mas ainda vim a tempo.
Os livros são paixão de longa data. Houve professores e professoras que me ensinaram a gostar de ler e a apreciar os autores, homens e mulheres que ao longo dos séculos escreveram prosa e poesia, relatos históricos e estórias de vidas de sonho e de dramas, de factos reais e imaginados, de pessoas e de animais. E dos livros que li, e li muitos, guardo momentos inesquecíveis que me ensinaram a ver o mundo e me alimentaram sonhos e projetos de vida.

Primavera — Tempo de contrastes

 

A Primavera está a ser uma estação de contrastes: ora temos frio e vento com chuva à mistura, ora nos calha na rifa da sorte um dia como o de hoje, esplendoroso e  capaz de nos fazer sonhar com a beleza da vida ao ar livre. Aqui fica uma flor para nos acompanhar nesse sonho.

Esperar o inesperado

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Edgar Morin, o pensador da complexidade, que fez 100 anos em Julho de 2021, continua a ser um dos filósofos e sociólogos mais atentos e merecedores de atenção. Acabou de publicar um novo livro, reflectindo sobre o mundo actual - Réveillons-nous (Despertemos). Sobre ele deu uma entrevista a Jules de Kiss, publicada em Março deste ano em "Franceinfo". As reflexões que se seguem acompanham a entrevista.
A primeira é um apelo à urgência de pensar séria e profundamente sobre o que está a acontecer. Com Réveillons-nous, Edgar Morin não quer simplesmente fazer eco, doze anos depois, ao livro de Stéphane Hessel, Indignez-vous (Indignai-vos): "Hessel dizia: Indignai-vos. Ele dirigia-se a pessoas já despertas. Eu, eu tenho a impressão de que vivenciamos os acontecimentos um pouco como sonâmbulos. Aliás, o que eu vivi, na minha juventude, nos dez anos que precederam a Guerra. Eu peço que se tente ver e compreender o que se passa. Caso contrário, sofreremos os acontecimentos como, infelizmente, sofremos a última Guerra mundial." (Pessoalmente, chamo permanentemente a atenção para a necessidade de pensar. Pensar vem do latim, pensare, que significa pesar razões; daí vem também o penso sanitário, pois pensar cura.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Dia Mundial da Terra - Um poema de Miguel Torga


Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
A abrir leques de sonho e de centeio
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois…
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.

Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!

A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos…
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.

Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!

Miguel Torga

In POESIA COMPLETA

Alegrai-vos. O Senhor ressuscitou e vive connosco

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo II da Páscoa

Aspirar a ver o Senhor, como Tomé, faz parte do melhor do ser humano. A contemplação mística aponta-nos esse caminho

O Vivente Ressuscitado transmite agora a sua novidade em aparições e mensagens que a Igreja acolhe e celebra com solicitude e sentido de missão. Ele é. Aquele que esteve morto e sepultado no túmulo de José de Arimateia. Ele é o Vivente anunciado pelo Anjo às mulheres que, levadas pela saudade e gratidão, pretendem prestar-lhe as honras fúnebres, típicas dos judeus. Ele o Peregrino diligente que caminha connosco e alenta os nossos passos e nos transmite a sua alegria jubilosa, sobretudo nas reuniões feitas em seu Nome, Jo 20, 19-31.
A Palavra de Deus, no II domingo da Páscoa, ilumina com grande intensidade o nosso peregrinar, suas sombras e percalços, esforços de entreajuda e atitudes de egoísmo. E realça a Misericórdia como o rosto de Jesus ressuscitado.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Álvaro Garrido — "As pescas em Portugal"

"As pescas em Portugal" é um livro de Álvaro Garrido, que foi diretor do Museu Marítimo de Ílhavo e é, presentemente, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e seu atual diretor. Investigador, tem obra valiosa na área da história das pescas e economia marítima. 
Hoje, neste espaço, aconselho mais um livro da Fundação Francisco Manuel dos Santos, na esperança de que nossos leitores o leiam, ou não fosse o tema aliciante para quantos se interessam pelo mar e pelas pescas.
Diz Álvaro Garrido que o tema "carece de um debate público", sublinhando que "as pescas e os pescadores ora são objecto de invocações lendárias, ora se inscrevem numa atividade económica considerada decadente, condenada ao declínio".
Em 145 páginas, Álvaro Garrido, para além da introdução, aborda Ideias feitas e tendências longas, A política de pescas do Estado Novo, Da Revolução de Abril à Comunidade Económica Europeia, Impactos da política comum das pescas e Dilemas para o futuro: um declínio inevitável? e Fontes.
Na contracapa, na última das três notas, lê-se: "Com contributos de pescadores, armadores, cientistas e decisores políticos, esta é uma história das pescas portuguesas e um retrato do actual estado do sector, num ensaio que lança as bases para um debate urgente e sério sobre as pescas em Portugal."

F. M.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

AVEIRO: Um grafite oportuno


Os grafites têm a vantagem de chamar a nossa atenção para algo importante. Cenas do quotidiano, crítica social e política, evocações do passado, o que se discute no presente. Os artistas de rua,  chamados grafitis, que abordavam estes e outros temas,  ora denunciando, ora sublinhando realidades do presente e do passado, deixaram de ser ostracizados e malquistos, passando a ser considerados e respeitados, com toda a dignidade. 



Há muito que eu passava por este recanto de Aveiro, a caminho do Hospital, e sempre no meu íntimo criticava  o estado de abandono daquela parede, provavelmente  à espera de um arranjo condigno. Burocracias ou direitos estariam a atrasar obras necessárias. 
Há tempos, porém, verifiquei que, afinal, a parede a cair de velhice estava pichada, homenageando uma profissão a cair em desuso entre nós. 



As marinhas de sal ou salinas da nossa ria. em maré de extinção, deram lugar a alguns espaços para turista ver. E nesta velha parede a figura típica do marnoto de outrora mostra a sua arte de rer/raer o sal que seria depois transportado, em canastras, pelos moços contratados, no olho da cidade, na época da Feira de Março,  para a safra salineira. Os típicos montes de sal, cónicos e branquíssimos, emprestavam, realmente, uma beleza rara à nossa região. Tempos depois, porém, eram cobertos por bajunça seca, aplicada com saber e arte, para enfrentarem o Inverno.

Fernando Martins

NOTA: Com a pressa, não vi o nome do artista. Quando lá passar, tentarei saber.

SOPHIA: MAR SONORO




MAR SONORO

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.


In CEM POEMAS DE SOPHIA

terça-feira, 19 de abril de 2022

Por vezes, mais vale estar calado

Por vezes, mais vale estar calado. Ontem, quando acordei, senti que o dia estava primaveril. Nem necessitei de roupa quente, porque quente estava o tempo. Disse que estava a chegar o rosto aberto da Primavera e fiquei feliz, porque o Inverno não me agrada nada. 
O Inverno torna-me melancólico, temeroso, alheio ao que me cerca e sem capacidade de concentração. Penso até que me torno agreste e sem ouvidos para nada nem para ninguém. No Inverno, sinto-me infeliz. E hoje, enraivecido com o rosto que a Primavera nos havia ofertado, o Inverno voltou. Mas a Primavera, mais dia, menos dia, triunfará.

Gafanha da Nazaré é cidade há 21 anos

A Gafanha da Nazaré celebra hoje, 19 de Abril, o 21.º aniversário da sua elevação a cidade. Criada freguesia em 23 de Junho de 1910 e paróquia em 31 de Agosto do mesmo ano, a Gafanha da Nazaré é elevada a vila em 1969. A cidade veio em 2001 por mérito próprio. O seu desenvolvimento demográfico, económico, cultural e social bem justifica as promoções que recebeu do poder constituído no século XX, a seu tempo reclamadas pelo povo.
A Gafanha da Nazaré é obra assinalável de todos os gafanhões, sejam eles filhos da terra ou adotados. De todos os pontos do País, das grandes cidades e dos mais pequenos recantos, muitos chegaram e se fixaram, porque não lhes faltaram boas condições de vida.
A Gafanha da Nazaré é uma mescla de muitas e variadas gentes que, com os seus usos e costumes e muito trabalho, enriqueceram, sobremaneira, este rincão que a ria e o mar abraçam e beijam com ternura.
O Decreto-lei n.º 32/2001, publicado no Diário da República de 12 de Julho do mesmo ano, foi aprovado pela Assembleia da República em 19 de Abril de 2001, registando em 7 de Junho desse ano a assinatura do Presidente da República, Jorge Sampaio.

F. M. 

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Curiosidades da natureza

 

A natureza está cheia de originalidades. Tenho pena de ser um tanto ou quanto analfabeto sobre muita coisa e em especial sobre as variedades e respetivos nomes da flora portuguesa. Hoje apresento uma planta no mínimo curiosa. Existe cá em casa e vive do ar. Não precisa de terra para existir, nem de adubo para crescer. Normalmente, esta planta é colocada num muro, como esta está, e ali fica. Floresce e embeleza. Não tem vaso com terra e bebe a água da chuva. Capta, penso eu, do ar que inspira os  nutrientes que lhe estão associados. E aqui está há anos. Qual é o  seu  nome? não sei.

O rosto aberto da Primavera

Acordei hoje com a sensação física e mental de que, finalmente, chegou o rosto aberto da Primavera. Não necessitei de agasalhos especiais e um sol acalentador inebriou-me. Até que enfim! É certo que estava um ventinho desagradável, mas nem protestei por isso. Vento é realidade quase permanente nas Gafanhas e arredores.
Fui ao quintal olhar as árvores, arbustos e demais plantas, respirei fundo, sorri para mim próprio e fiquei com a sensação de que já estou a caminho da minha normalidade que me dá ânimo para sentir o palpitar da vida.
Segunda-feira de Páscoa, feriado municipal em Ílhavo, cerimónias habituais a nível autárquico, descanso para muitos. E, diga-se de passagem, dia de visita à Feira de Março em Aveiro, com história de séculos. Terei coragem de passar por lá para apreciar o que há de novo? Ou será melhor num dia de semana sem grande movimento? Logo verei!
Votos de Primavera com vida para todos.

Incomodar os partidos


"A consequência de não pertencer a nenhum partido será a de que os incomodo a todos"

Lord Byron
   (1788-1824), 
Poeta

Em Escrito na Pedra do PÚBLICO

Páscoa de Cristo, nossa Páscoa

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

A perspicácia do Papa Francisco já tinha repetido várias vezes que estávamos à beira de uma guerra mundial aos bocados. Como acontece frequentemente, as vozes mais lúcidas são as mais esquecidas

1. Porque será que os católicos e, de forma muito mais ampla, os cristãos celebram a Páscoa todos os anos da mesma maneira, com a repetição dos mesmos textos e dos mesmos gestos? No geral, os liturgistas não se revelam muito criativos. Tenho saudades das celebrações do Frei José Augusto Mourão (1947-2011), que sabia combinar as tradições litúrgicas com ousadas inovações.
No Cristianismo não contam, sobretudo, as mudanças rituais. Estas devem estar ao serviço da mudança de vida. Só esta pode provocar expressões sempre novas.
No ano passado, lembrei alguns contributos teológicos acessíveis e desafiantes [1]. O tempo não pára nem as suas surpresas. Quem poderia adivinhar que estaríamos, depois de uma época terrível de pandemia, numa guerra absurda e abençoada por algumas lideranças designadas como cristãs, embora não possamos desconhecer todos os movimentos, cristãos ou não, que não podem pactuar com o abandono das vítimas da estupidez [2]! De facto, a perspicácia do Papa Francisco já tinha repetido várias vezes que estávamos à beira de uma guerra mundial aos bocados. Como acontece frequentemente, as vozes mais lúcidas são as mais esquecidas.

domingo, 17 de abril de 2022

Boas Festas da Páscoa

Foto de Carlos Duarte
 

Boas Festas da Páscoa com a mensagem de Cristo, Sol e Luz da nossa civilização.

"É em Sábado que vivemos"

Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias

"Jesus estará em agonia até ao fim do mundo. Importa não dormir durante esse tempo."
Pascal

Celebrávamos anualmente a Paixão de Cristo, mas com o perigo de não irmos além de ritos muito certinhos, tantas vezes secos e insignificantes. Esquecêramos Pascal nos Pensamentos: "Jesus estará em agonia até ao fim do mundo. Importa não dormir durante esse tempo." Agora, com uma guerra tenebrosa em curso, sabemos que a Paixão continua e as personagens da tragédia são exactamente as mesmas.
Como acontece quase sempre, o poder religioso e o poder político, ao mesmo tempo que se guerreiam, juntam-se na defesa dos seus próprios interesses, que são os da manutenção e aumento incessante do poder. Assim, lá estão o sumo sacerdote Caifás - não se tinha Jesus erguido, na continuação dos profetas, contra o poder sacerdotal, que se servia de Deus contra o povo? - e a razão de Estado: era preferível matar Jesus a pôr em perigo as relações com Roma. Pilatos, o representante do Império, convenceu-se da inocência de Jesus, mas a Realpolitik não podia permitir o incêndio da sublevação do povo contra o Império. Por isso, lavou as mãos - a proclamação da inocência hipócrita! - e condenou-o à morte dos escravos: a cruz, com a morte mais horrenda. Nesse dia, Pilatos e Herodes, que eram inimigos, reconciliaram-se. O nome de Pilatos é dos nomes mais vezes pronunciados ao longo da História, pois está inscrito na confissão da fé dos cristãos. Mas é tal o desconforto que há aquele dito aplicado a quem se encontra fora do lugar, melhor, num lugar indevido: Estás aí como Pilatos no Credo.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

A caneta Parker 51

A minha Parker 51
«George Parker, jovem professor de telegrafia de Wisconsin, EUA, criou um novo modelo de caneta em 1888. A revolucionária Parker 51, com pena embutida, que fazia a tinta secar no instante em que tocava o papel.
Durante 1940, a Parker americana decidiu testá-la no mercado brasileiro antes de soltá-la para o resto do mundo.
Cinco anos depois, seria com uma delas que o general Eisenhower assinaria a aceitação da rendição alemã na Segunda Guerra Mundial.»

NOTA: Um amigo teve a gentileza de me enviar registos curiosos. Desta feita, veio a história da caneta Parker 51. Fiquei satisfeito quando soube que a minha caneta tinha história que merecia ser divulgada. Ai fica para memória futura. Está na minha posse há mais de 40 anos.

Boas Noites, Afilhados

 


Na minha meninice, que já ficou lá para trás há muito, a Páscoa era, sobretudo, o folar do padrinho e da madrinha. Depois vinha a visita pascal com a campainha a anunciar a aproximação. Mais tarde é que comecei a dar importância às cerimónias litúrgicas. Vem esta nota a propósito da fotografia de Nossa Senhora do Monte, da  capela  ou da casa  de Afonso Lopes Vieira, que o próprio mandou construir em São Pedro do Moel. E a legenda, cá para nós, só podia ter saído da imaginação de um poeta. Boas Noites, Afilhados. O mesmo direi aos meus afilhados.  

GAFANHA DA NAZARÉ celebra aniversário de cidade


 

JESUS MORRE NA CRUZ PARA NOSSA REDENÇÃO

Foto gentilmente cedida por Carlos Duarte

Chegada a hora sexta [12h], sobreveio uma escuridão sobre toda a terra até à hora nona. E à hora nona [15h], Jesus gritou com voz grande: Elôí, Elôí, lemá sabachtáni? O que significa, traduzido: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?»
O centurião que ouviu o brado de Jesus e o viu morrer, disse: “Realmente este homem era o Filho de Deus!”

Jesus Ressuscitou: Alegra-te e vive uma Páscoa feliz

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo de Páscoa


«Alegra-te! Em Jesus ressuscitado, a esperança renasce continuamente. Outro mundo é possível e urgente! Já.»

Maria Madalena, Pedro e João são as pessoas humanas que o evangelho de hoje nos apresenta a movimentarem-se em torno à sepultura de Jesus e a dar conta de que algo anormal aconteceu. Jo 20, 1-9. Ela vai de manhãzinha ao túmulo e encontra removida a pedra de entrada, fica perplexa e decide-se ir a correr dar a notícia a Simão Pedro e ao outro discípulo. Estes vão verificar e confirmam o sucedido. E Jesus ressuscitado surpreende-os no caminho.
“Por que procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Ressuscitou. Não está aqui”, anunciam às mulheres dois homens vestidos de branco irradiante. Lc 24, 5~6.
“A fé na ressurreição tem dois aspectos, comenta a Bíblia Pastoral. O primeiro é negativo: Jesus não está aqui. Ele não é um falecido ilustre, ao qual se deve construir um monumento. O sepulcro vazio mostra que Jesus não ficou prisioneiro da morte. O segundo aspecto da ressurreição é positivo: Jesus está vivo, e o discípulo que o ama intui essa realidade”.

Auto de abertura da barra nova de Aveiro

1808
15 de  Abril

Aveiro: A foto não é da época referida, mas posterior, naturalmente

Lavrou-se neste dia o auto de abertura da barra nova de Aveiro, que se realizou em 3 de Abril, subscrito por Miguel Joaquim Pereira da Silva. Depois de referir os trabalhos preparatórios de abertura e a maneira como se deu o rompimento, acrescenta: - «As águas que cobriam as ruas da praça, desta cidade, e os bairros de Albói e da Praia, abaixaram três palmos de altura dentro de vinte e quatro horas e outro tanto em o seguinte espaço, e em menos de três dias já não havia água pelas ruas e toda a cidade ficou respirando melhor ar por estas providências com que o Céu se dignou socorrê-las e a seus habitantes com esta grande Obra da Barra» (Aveiro e o seu Distrito, n.º 6, pg. 45)

Calendário Histórico de Aveiro

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Em viagem nem sei para onde



Em viagem nem sei para onde. A Lita conduzia e eu apreciava a paisagem sem a poder comentar. A condutora não podia distrair-se.

Os folares da Páscoa

Como todos os cristãos sabem, a quaresma culmina com a Páscoa, a festa da ressurreição de Jesus Cristo. Houve jejuns e abstinências, orações e penitências, mas com a Páscoa volta-se a uma certa normalidade, não faltando as festas profanas. 
Na Páscoa, para além das cerimónias religiosas, havia a visita pascal, chamada compasso noutras bandas, os padrinhos e madrinhas lembravam-se dos seus afilhados, ofertando folares com ovos cobertos com tiras da mesma massa (ver foto). Havia padrinhos e madrinhas que tinham o cuidado de ornamentar os folares com tantos ovos quantos os anos de vida dos afilhados. E no dia de Páscoa os afilhados visitavam os seus padrinhos e madrinhas, retribuindo com algumas lembranças. É certo que em determinada altura não havia espaço para tanto ovo, mas também é verdade que há mais de 70 anos se casava mais cedo. 
Os folares eram feitos com algumas liturgias e orações na hora de entrarem no forno. E depois de feitos, ficavam na gamela onde era feita a massa, cobertos por uma toalha. Comê-los, só no dia de Páscoa. Presentemente, há folares a toda a hora, mesmo sem ovos. 
Ao saírem do forno, lá vinha uma pequena prova de um folarinho feito do resto da massa que não chegou para mais um folar normal. Um bocadinho para cada um.

F. M.

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Valeu a pena ter esquecido o telemóvel

Hoje fui forçado a uma caminhada por falta do telemóvel, esquecido no bolso de um outro casaco. Recusei, delicadamente, o transporte que me ofereceram, alegando que desejava fazer o trajeto a pé para testar a minha resistência. Pés a caminho da Cale da Vila, onde me trataram dos pés,  até à Cambeia, não completei a marcha porque, entretanto, surgiu-me no caminho a Lita. Conhecida a causa da minha caminhada, riu-se, trocista, porque ela é que costuma ser a esquecida.
A caminhada pela Av. José Estêvão teve o condão de me proporcionar olhar as moradias e recordar quem nelas vive ou viveu. Amigos e conhecidos, gente humilde e importante da terra. Tomei conta das lojas, escritórios e consultórios, das moradias e prédios, e na entrada de uma casa encontrei uma boa amiga que não via há muito. Mantém o mesmo sorriso. Tive de libertar um pouco a máscara para mostrar quem era. E vieram as recordações. 
O seu marido, meu amigo dos tempos da escola primária, veio à baila. Homem bom e generoso, faleceu há 38 anos, mas esteve ali connosco, com histórias comuns, sempre em sintonia. Ele foi a mola real da conversa. Os sonhos do casal, o otimismo de ambos, a bondade do meu amigo. Falámos dos filhos e netos, das enxaquecas que nos incomodam e da Páscoa que está a chegar. Valeu a pena ter esquecido o telemóvel.

Fernando Martins

Mastro do Milenário - Eu assisti aos trabalhos

Mensagem reeditada 
para não cair no esquecimento


O presidente da Câmara Municipal, Dr. Alberto Souto, inaugurou, na ponte da Dobadoura, o «Mastro do Milenário», cujo simbolismo esclareceu na mensagem, dirigida aos aveirenses, que então proferiu (Litoral, 19-4-1958) – A.

"Calendário Histórico de Aveiro",
de António Christo e João Gonçalves Gaspar


Eu assisti aos trabalhos de erguer o mastro do Milénio da povoação de Aveiro e Bicentenário da cidade, datas que se celebraram em 1959. Comandou as operações delicadas o Mestre Manuel Maria Bolais Mónica, com muita gente a assistir, porventura receosa, alguma, de o mastro não entrar no buraco para ficar com as bandeiras a assinalar as efemérides, que se esperavam festivas.
Como manobrador do camião do estaleiro do Mestre Mónica estava o então meu amigo Henrique Correia, que veio a ser o primeiro presidente do Grupo Desportivo da Gafanha, sendo eu o secretário.
O camião estava carregado, julgo que com toros, para garantir a estabilidade do veículo quando aplicava a máxima força para erguer o mastro. Cordas grossas postas em lugar estratégico, naturalmente, garantiam a resistência suficiente para o êxito esperado. O Mestre falava alta, gritava mesmo, para que todos ouvissem as suas ordens. E quando veio a ordem para o Henrique Correia acelerar o camião, paulatinamente, o mastro começou a levantar-se e no sítio certo, bem aprumado, lá ficou a lembrar a todo o nosso mundo que Aveiro existia desde 959, como povoação ligada a Mumadona Dias, e como cidade a partir de 1759.
Mestre Manuel Maria Bolais Mónica morreu no ano seguinte, mais concretamente em 16 de julho de 1959.

F. M.

terça-feira, 12 de abril de 2022

Um poema de Miguel Torga para este tempo


HOSSANA

Junquem de flores o chão do velho mundo:
Vem o futuro aí!
Desejado por todos os poetas
E profetas
Da vida,
Deixou a sua ermida
E meteu-se a caminho.
Ninguém o viu ainda, mas é belo.
É o futuro...

Ponham pois rosmaninho
Em cada rua,
Em cada porta,
Em cada muro,
E tenham confiança nos milagres
Desse Messias que renova o tempo.
O passado passou.
O presente agoniza.
Cubram de flores a única verdade
Que se eterniza!

Miguel Torga

In POESIA COMPLETA



Miguel Torga

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Vivo bem com os meus silêncios

Quem levou uma vida superativa, com família em crescendo, profissão desgastante e atividades sociais e eclesiais envolventes, estranha agora uma relativa tranquilidade, que não leva, contudo à preguiça. Há sempre algo para fazer, com ou sem horário, que me garante ser a vida para viver à medida  do que surge.
Vem isto a propósito das horas do dia que são as mesmas de sempre. Mas se não tenho horas marcadas praticamente para nada, quando me levanto sinto necessidade de me envolver, física e emocionalmente, em tarefas do meu agrado: leio livros que não faltam por aqui, escrevinho umas notas, olho de soslaio para a TV, se ligada, ouço música gravada, estou atento às notícias, leio jornais e revistas e converso com quem está em casa ou nos visita.
Por estranho que pareça, não sinto que o isolamento pandémico ou procurado, neste caso tão do meu agrado, não me incomoda nada. Vivo bem com os meus silêncios, embora aprecie uma boa cavaqueira de vez em quando 

F. M. 

"Esquecer os deveres básicos da solidariedade é uma violência,
uma cobardia escondida em nome do bom senso.”

Mia Couto, escritor

Em Escrito nas Pedra
do jornal PÚBLICO de hoje

Semana Santa ou Semana da Coligação Assassina?

Crónica de Bento Domingues 


Frei Bento Domingues
Os poderes judaicos procuraram encostar Pilatos à parede e Pilatos responsabiliza-os por tudo o que aconteceu. Agora, temos na própria Europa, novas narrativas de destruições e massacres incríveis, mais precisamente na Ucrânia.

1. Com o Domingos de Ramos começa a Semana Santa e é proclamada a Paixão de Cristo, segundo S. Lucas [1]; na Quinta-feira, a leitura da Última Ceia é de S. João [2] ; é do mesmo evangelista a leitura da Paixão na Sexta-Feira [3]. Esta é uma selecção. De facto, existem quatro narrativas, tantas como os Evangelhos. São textos essenciais porque é em torno das razões da condenação de Jesus à morte, da teimosia experiencial em dizer que Ele ressuscitou, que pelo seu Espírito reúne e anima todos os que acolhem o seu projecto de abertura universal, que se afirmaram os movimentos cristãos.
Importa ter presente que a escrita dos textos do Novo Testamento recolhe várias tradições orais. É feita bastante depois dos acontecimentos. Não são escritos de reportagem. São interpretações de comunidades que viviam e celebravam a certeza de que, com Jesus, participavam no advento de um céu novo e uma nova terra [4]. Celebravam, faziam memória e viviam, no seu presente, o que depois foi passado a texto. Os exegetas, de várias gerações e com problemáticas diferentes, têm trabalhado para encontrar os traços do Jesus histórico e o Cristo da fé.

sábado, 9 de abril de 2022

Domingo de Ramos para abrir a Semana Santa

Fora dos meus espaços habituais, com o portátil senti-me em casa. O burburinho era próprio dos ambientes públicos onde uma brusca corrente de ar me levou a espirrar. Olharam para mim como se o espirro fosse próprio do Covid-19. Mas não será. Ainda ontem um teste acusou negativo. Contudo, nunca estaremos livres de perigo.
É sábado com temperatura amena, perspetivando-se um simpático fim de semana. Pressinto esse desejo no rosto das pessoas. E as crianças brincam alegremente alheias às guerras. Deus queira que nunca sofram diretamente os dramas provocados por homens loucos, que os houve em todos os tempos. A felicidade das crianças é bonita de se ver pela espontaneidade das suas brincadeiras e atitudes. Uma recusou-se a subir pelo tapete normal. Conseguiu avançar pelo que era de descer. E ficou feliz pela sua vitória.
Há pessoas assim. Gostam de remar contra a maré, embora essa teimosia lhes exija muito mais esforço.
Amanhã é domingo. Para os cristãos, é Domingo de Ramos. Começa a Semana Santa que culminará com a Páscoa da Ressurreição. Como cristão, vou procurar vivê-la em espírito de serena reflexão.

F. M.

Para os céticos, há sempre um mas...

Todos temos assistido em direto à guerra que a Rússia inventou e dinamizou para dramatizar e aterrorizar o mundo, já de si tão complexo e sofredor em tantos recantos do globo. Desde a época em que nasci, fui dando conta de guerras por perto e por longe que me deixavam espantado e inquieto sobre a incapacidade de os povos se entenderem por palavras e atitudes de bem e de justiça, capazes de gerarem fraternidade. Mas afinal, não tem sido possível nem será viável na minha geração, pelo que posso concluir.
A guerra cruel que a Rússia inventou com a sua megalomania e levou a cabo para tristeza da humanidade gerou  gente desesperada em fuga, deixando para trás familiares e amigos, uns em luta contra o invasor e outros mortos sem dó nem piedade. Tudo isto em pleno século XXI, era de tantos atos civilizacionais e humanistas que enformam e unem povos de etnias várias e culturas diversificadas, a par de imensas descobertas que nos espantam e nos sugerem caminhos de tantas felicidades.
As atrocidades, hora a hora exibidas nos órgãos de comunicação social, graças ao trabalho possível, competente e corajoso de profissionais experientes, não consegue convencer gente de ideias feitas, mas incapazes de abrir os olhos e as mentes à realidade dos factos. Para estes céticos, há sempre um mas...

Fernando Martins