Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo II da Páscoa
Aspirar a ver o Senhor, como Tomé, faz parte do melhor do ser humano. A contemplação mística aponta-nos esse caminho
O Vivente Ressuscitado transmite agora a sua novidade em aparições e mensagens que a Igreja acolhe e celebra com solicitude e sentido de missão. Ele é. Aquele que esteve morto e sepultado no túmulo de José de Arimateia. Ele é o Vivente anunciado pelo Anjo às mulheres que, levadas pela saudade e gratidão, pretendem prestar-lhe as honras fúnebres, típicas dos judeus. Ele o Peregrino diligente que caminha connosco e alenta os nossos passos e nos transmite a sua alegria jubilosa, sobretudo nas reuniões feitas em seu Nome, Jo 20, 19-31.
A Palavra de Deus, no II domingo da Páscoa, ilumina com grande intensidade o nosso peregrinar, suas sombras e percalços, esforços de entreajuda e atitudes de egoísmo. E realça a Misericórdia como o rosto de Jesus ressuscitado.
Ao verem o Senhor, a alegria surge espontânea no coração dos discípulos e mostra-se exuberante. E João - o narrador desta cena de aparição de Jesus – anota outros sentimentos e atitudes: o medo cede lugar à confiança, o limite das portas fechadas na memória do passado e sem perspectiva no presente é superado pela novidade de horizontes que se entreabrem, a dúvida tormentosa e asfixiante da situação vivida dissipa-se com a certeza alegre e contagiante provinda da visão do Ressuscitado, a agitação interior serena com a oferta da paz, a sensação de abandono e orfandade é vencida pela doação do Espírito Santo, a consciência do pecado da negação e deserção é regenerada pelo perdão sanador e recuperante.
O rosto dos discípulos era o espelho da sua transformação emocional, anímica e espiritual, da sua atitude de vida, da sua decisão face aos acontecimentos. Uma nova etapa começa e com que determinação e vigor! Etapa marcada pela alegria e confiança no Senhor, pela certeza de que é o Espírito quem guia a missão de que ficam incumbidos, pela ousadia nas iniciativas de serviço em prol dos “feridos da vida”, pela sementeira da paz em todos os corações, pelo dinamismo do futuro que irrompe no presente de forma germinal.
Ver o Senhor em comunidade e não isoladamente, na celebração dominical e não apenas na devoção privada, na assembleia reunida em seu nome e não somente na intimidade pietista e evasiva. Ver o Senhor que faz ressaltar os esforços e êxitos humanos como sinais dos valores do Reino (e tantos são, felizmente!). Faz também identificar aquelas zonas do coração e da convivência social em que predominam as sombras da injustiça, da desonestidade, do individualismo desumanizante, da miopia face à sorte de tantos irmãos nossos em humanidade e, quem sabe!, nas convicções religiosas e na fé cristã.
Aspirar a ver o Senhor, como Tomé, faz parte do melhor do ser humano. A contemplação mística aponta-nos esse caminho. No entanto, a visão directa só acontecerá quando o tempo ceder lugar à eternidade e o nosso corpo mortal ao corpo glorioso, na comunhão com Deus e no seio da sua família santa. Entretanto, o Senhor deixa-se ver em sinais colocados ao nosso alcance: as feridas de quem sofre o peso da cruz diária e as chagas do mundo, a construção da paz na justiça, o amor que perdoa sem reservas, o encontro amigável e fraterno, a assembleia dominical, a escuta agradecida da Palavra, a celebração da eucaristia, o recurso aos sacramentos, o envolvimento missionário para que todos possam acreditar e ter “a vida em seu nome”. Este é o caminho para a autêntica alegria cristã.
Pe. Georgino Rocha