terça-feira, 31 de março de 2020

O COVID-19 E OS MAIS VELHOS


Ser velho é um dom para quem lá chega, sobretudo se mantiver lucidez. É sinal de que viveu, passou por imensas experiências e pode transmitir saberes. Todos percebemos que, por razões diversas, muitos se desinteressam da vida ou são levados a isso por pressões, dificuldades, incapacidades ou descuidos dos que os rodeiam no dia a dia. Os velhos necessitam, tão-só, de se sentir úteis, ativos, interessados pela vida e envolvidos em atividades compatíveis com as suas situações de saúde. 
Vem isto a propósito do que nos tem mostrado a calamidade provocada pelo coronavírus (COVID-19), com destaque para os que vão morrendo. Fragilizados, porventura desmotivados, não tiveram tempo nem forças para sobreviver dignamente. 
Todos sabemos que há lares e famílias que cuidam dos seus idosos com muito amor, proporcionando-lhes razões para se sentirem úteis, dando-lhes tarefas motivadoras e criativas, onde cada um possa sentir-se como agente ativo de uma sociedade integradora. Há idosos com sensibilidades desaproveitadas, com artes nunca exibidas, com conhecimentos camuflados, com saberes por partilhar. 
Não ignoramos que há pessoas que vão perdendo capacidades físicas e mentais com o passar dos anos, mas também sabemos que a vida agitada das sociedades vai descartando os mais velhos, como quem descarta coisas inúteis. E se é verdade que o envelhecimento é fruto dos avanços da medicina e da qualidade de vida que a nossa sociedade tem permitido, também é certo que todos teremos de dar o nosso contributo para a dignificação dos que tanto nos deram. 

Fernando Martins

O QUE OS PRENDE ALI?


Pelo jeito, é um casal de rolas. Macho mais emproado e fêmea mais tímida. O que os prende ali? Hora de descanso em tarde friorenta? Pensativos quanto ao futuro? Filhos que desapareceram? Temerosos pelas tempestades anunciadas? Fome? Sonhos de uma primavera que tarda em chegar? Algum milhafre à vista? 

F. M.

PERMANECER EM CASA...

A cadeira está à minha espera
O Governo, através dos meios de comunicação social, lembra o que foi decretado para evitar a propagação do coronavírus. Os resultados ainda não são conhecidos porque os números teimam em chegar mais alto, estando longe o cume da montanha. Só quando se iniciar a descida é que poderemos respirar de alívio. Para já, persistem todas as dúvidas sobre uma pandemia como nunca se viu na minha geração. 
Permanecer em casa será doloroso para muitos, quer por conviverem mal com o isolamento quer por necessitarem da natureza, da brisa refrescante e do contacto com vizinhos e amigos. 
Eu sou dos que apreciam estar em casa para ler tranquilamente, conversar com quem chega, ouvir a música que me devolve a harmonia e atualizar as notícias sobre o maldito bicho, na esperança de mais dia, menos dia, me congratular com a sua derrota. 
Os estragos estão a ser medonhos, de tão inesperados e mortíferos estarem a ser, mas depois, quando voltarmos à vida normal, se é que poderemos considerar uma vida normal a que se seguir, outras catástrofes se esperam. A economia do país, das empresas, das famílias e dos trabalhadores há de mostrar os rastos da passagem do coronavírus. 

F. M. 

domingo, 29 de março de 2020

NASCER DE NOVO

Crónica de Bento Domingues no PÚBLICO

É o ser humano que, ao desumanizar-se, corrompe a natureza. As dimensões da questão ética são globais.

1. Se, como foi noticiado, o cardeal Burke tiver dito, perante as ameaças da covid-19, “que devemos poder orar nas nossa igrejas e capelas, receber os sacramentos e participar em actos de oração pública”, espero que alguém o convença a despir-se das pompas cardinalícias, a envolver-se em saco e cinza para pedir perdão, através dos meios de comunicação social, a crentes e não crentes por essa pouca vergonha [1].
Passemos ao título desta crónica. É a proposta mais séria para não alimentar ilusões para depois do presente pesadelo colectivo. Antes, porém, importa lembrar algumas evidências esquecidas para nos situarmos, com lucidez, neste tempo de agendas suspensas ou alteradas.
O ser humano surgiu na terra como um dos menos equipados e mais desarmados do reino animal. Os seus instintos são rudimentares e parcas as suas defesas.
Essa situação escondia um tesouro único no seu corpo revelado pela palavra que o singulariza. É o tesouro da inteligência emocional, da razão discursiva, do afecto desinteressado, da liberdade criadora e destruidora, da imaginação, a louca da casa para o bem e para o mal.
São recursos inesgotáveis. A partir de elementos preexistentes, possibilitam o gosto de estabelecer conexões mentais surpreendentes, de inventar, de inovar, de criar e recriar. Como escreveu Einstein, a criatividade é a inteligência a divertir-se [2].

A SABEDORIA DE VIVER

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Num número especial de “Philosophie magazine” passa-se em revista as “sabedorias do mundo” e refere-se concretamente a Índia, a China, o Japão, as Américas e a África. Dele retirei alguns provérbios, contos, estórias..., que levam a pensar. Aliás, grandes pensadores europeus, como Schopenhauer e Heidegger, foram beber a essas sabedorias, sobretudo às sabedorias orientais, inspiração para a sua filosofia. 
Em tempos de imediatismo consumista e alarve, quando a banalidade impera e o prazer e o ter são corrosivamente tudo, é bom parar e ouvir, no silêncio, a voz da sabedoria e do sentido. É esse o propósito simples do que aí fica.

1. A sabedoria

“Um dia, um homem veio ver um sábio e perguntou-lhe: Mestre, que devo fazer para adquirir a sabedoria?” O sábio não respondeu. Tendo repetido várias vezes a pergunta sem resultado, o homem retirou-se. Mas regressou no dia seguinte e fez a mesma pergunta: “Mestre, que devo fazer para adquirir a sabedoria?” Não recebeu resposta. Veio de novo no terceiro dia: “Mestre, que devo fazer para adquirir a sabedoria?” Por fim, o sábio dirigiu-se a um lago e, entrando na água, pediu ao homem que o seguisse. Chegado a uma profundidade suficiente, agarrou-o pelos ombros e manteve-o debaixo da água, apesar dos esforços que ele fazia para se libertar. Ao cabo de uns instantes, o sábio largou-o e, quando o homem voltou, com grande dificuldade, a respirar, o sábio perguntou-lhe: “Diz-me, quando estavas metido dentro da água, qual era o teu maior desejo?” Sem hesitação, o jovem respondeu: “Ar! Ar! Precisava de ar!” – “Não terias preferido a riqueza, os prazeres, o poder, o amor? Não pensaste em nenhuma destas coisas?” – “Não, Mestre, eu precisava era de ar e só pensava nisso.” – “Pois bem, continuou o sábio, para adquirir a sabedoria, é preciso desejá-la tão intensamente como há pouco desejaste ar. É preciso lutar por ela, excluindo toda e qualquer outra ambição na vida. Ela deve ser a única aspiração, noite e dia. Se procurares a sabedoria com esse fervor, encontrá-la-ás um dia.” (Conto filosófico).

sábado, 28 de março de 2020

E A MISSA?

Igreja mais aberta a novos horizontes


Há um velho ditado que ouvia em pequeno e que levava a sério: “Não há sábado sem sol, domingo sem missa e segunda-feira sem preguiça.” Era recordado com frequência pela minha mãe… E eu acreditava piamente. 
Com o tempo, fui dando conta de que não era bem assim. Só batia certo o que dizia respeito ao domingo. Quando experimentei um sábado sem sol, com chuva torrencial e vento ciclópico, lembrei o caso à minha mãe que logo adiantou tratar-se de um sábado muito raro, mas mesmo muito raro. Deu-se o mesmo com uma segunda-feira em que eu acordei com vontade de a ajudar na lida da casa. Mas ela voltou à carga: Mas conheces algum domingo sem missa? — questionou-me a minha saudosa mãe. Realmente, o que dizia respeito ao domingo era verdade indiscutível. 
Com o coronavírus (COVID-19), aconteceu, pela primeira vez na minha vida, com mais de oito décadas, a suspensão das Eucaristias e outras cerimónias comunitárias, mantendo-se as privadas, isto é, sem participação das pessoas. 
A Missa é a celebração fundamental da igreja católica, tornando presente o mistério da fé dos crentes assente na paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. E «Todos participavam fielmente no ensino dos apóstolos, na união fraterna, no partir do pão e nas orações», lê-se nos Atos dos Apóstolos». 
Ao longo do tempo, a celebração das missas estendeu-se aos doentes e outros via televisão e rádio, mas com o maldito vírus que está a causar estragos por todo o mundo, não se vislumbrando a sua morte nem cura para muitos dos que são atacados por ele, a Igreja alargou-as aos católicos, em geral, por diversas formas de comunicação oferecidas pelas novas tecnologias. Não é o mesmo, mas sempre é uma boa forma de manter viva a fé dos crentes. E talvez esta abertura mais alargada da Igreja aos meios de comunicação social seja um ponto de partida para novos horizontes. 

Fernando Martins 

NOTA: Reeditado em 1 de abril de 2020

A DANÇA DAS HORAS



Logo mais, pela madrugada do dia 29 de março, a dança das horas vai repetir-se. Depois da meia-noite, já pode adiantar uma hora, mudando para a hora de verão. Aconselho logo depois porque pode esquecer-se e baralha os seus compromissos para o domingo. Depois, talvez com alguma dificuldade, habituamo-nos e até gostamos. Há quem defenda que a chamada hora do verão é melhor. Eu também acho... mas quem manda é que sabe.

PAINEL CERÂMICO DE ZÉ AUGUSTO

Para recordar e apreciar 


Na rotunda da cintura interna, na Cale da Vila, foi inaugurado um painel cerâmico do artista aveirense Zé Augusto, para assinalar a ligação ferroviária ao Porto de Aveiro e as novas estruturas rodoviárias que lhe estão ligadas.
Sempre gostei de arte nas ruas da cidade. De qualquer cidade e mesmo das vilas e aldeias. É uma forma positiva de educar a sensibilidade artística do povo local e de quem por elas passa. Congratulo-me, por isso.
Acresce o facto de o painel ser da autoria de um dos mais expressivos artistas aveirenses desta área, já representado, também numa obra da responsabilidade da APA (Administração do Porto de Aveiro), no paredão da Meia-Laranja, na Praia da Barra. Aqui fica o convite aos meus amigos para que passem por lá para apreciar mais este trabalho de Zé Augusto.

F. M.

NOTA: Publicado no meu blogue há 10 anos 

sexta-feira, 27 de março de 2020

A SITUAÇÃO DE ESTARMOS EM CASA...


A situação de estarmos limitados às paredes da nossa casa, por mais cómoda que ela seja, cria em nós, por vezes, alguma angústia. Não é uma angústia capaz de nos atirar para a marquesa de um qualquer psiquiatra ou psicólogo, mas será uma espécie de fuga à obrigatoriedade imposta pelos nossos governantes e demais governantes dos Estados afetados pelo COVID-19. No meu caso, que até sou muito caseiro, aconteceu-me sonhar com uma saída para dar por aí umas voltas. Não fui pelo que isso poderia acarretar para a minha saúde e porque espero que esta situação, que atinge muitos milhares de portugueses e muitos milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, se resolva a tempo de aproveitarmos os dias agradáveis com sol luminoso e noites tranquilas que devem estar a chegar. E depois, sim, poderemos sair para espairecer. 
Com estas cogitações e estados de alma, lembrei-me da ilha de São Miguel, Açores. E como gostaria de lá voltar. 

F. M.

UM POEMA DE SOPHIA PARA ESTE TEMPO


Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

(Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Livro Sexto')[1]

Li aqui 

JESUS FAZ REVIVER LÁZARO MORTO

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo V da Quaresma

“Lázaro, sai para fora”, ordena Jesus com voz forte e determinada. E ele levanta-se e sai amortalhado, como havia sido colocado na sepultura. Jesus continua, dirigindo-se aos circunstantes: “Desligai-o e deixai-o ir”. E João, o narrador do sucedido, conclui: “Ao verem o que Jesus fez, acreditaram n’Ele”. Jo 11,1-45
A revivificação de Lázaro constitui um sinal, na sequência de outros, que visam manifestar quem é Jesus e provocar a adesão à sua pessoa e mensagem: a água transformada em vinho nas bodas de Caná; o pão abençoado e repartido pela multidão; a cura do paralítico junto à piscina e a do cego de nascença; a doação da própria vida como belo e bom pastor; a vitória sobre a morte, simbolizada em Lázaro, e realizada aquando da ressurreição. Estes e outros sinais credenciam um conjunto de ensinamentos sobre a acção inovadora do Messias e induzem as testemunhas a tomar posição, aceitando ou rejeitando o que presenciam e ouvem.
Qual a nossa atitude perante tantos sinais de novidade que a vida nos traz? Deixamo-nos interpelar e somos consequentes? Aproveitemos a oportunidade que a quaresma nos oferece e as interpelações que o coronavírus suscita.
Lázaro adoece. As irmãs, Marta e Maria, mandam recado a Jesus que, na sua missão, andava por longe de Betânia, terra desta família. Eram amigos. Querem que Ele saiba e mantêm o secreto desejo de que a amizade abra caminho à visita tão desejada.

quinta-feira, 26 de março de 2020

SEM SAIR DE CASA



Uns telefonemas deram-nos conta de que alguém pensou em nós. 
E não poderemos  fazer o mesmo? 

Sem me sentir doente, estou obrigado por leis ditadas pelo coronavírus a ficar em casa. À partida é coisa simples: levantar, preparar para o dia, tomar as refeições, ouvir ou ver as notícias, escutar uma ou outra análise, umas catastróficas e outras animadas pela pedagogia da esperança, arejar a cabeça, estimular os sentidos e pensar no dia em que poderei sair, livremente, sem medo de contágios. 
Perante o incerto, dou comigo a pensar nos dias que se adivinham muito difíceis para os sem trabalho e sem emprego, com cortes salariais, sem recursos para uma vida digna. Empresas que suspendem a laboração, negócios de portas trancadas, escolas e instituições encerradas, famílias sem dinheiro para as compras do dia a dia. 
Os números de infetados com o COVID-19 continuam a crescer e as mortes enlutam famílias pobres e ricas, com predominância dos mais idosos, os mais fragilizados, perante a nossa incapacidade. 
Uns telefonemas deram-nos conta de que alguém pensou em nós. E não poderemos  fazer o mesmo, contactando familiares, amigos e conhecidos…? 

F. M.

quarta-feira, 25 de março de 2020

QUANDO A ALMA DÓI...

Em momentos difíceis, é fácil cair no desânimo. Não vale a pena pregar que andamos sempre otimistas, quando a alma dói. Estamos todos a viver horas complicadas e incertas. Ninguém ignora que o COVID-19 tem sido uma caixa gigante de problemas ainda longe da compreensão da ciência. E muitos de nós, contudo, pregamos ânimo para quem nos ouve ou lê, na esperança de que, mais dia menos dia, se descubra a forma de enfrentar o vírus mais contagioso das últimas décadas. Não sei se outros o terão imitado. 
Todos assistimos à luta para o travar. Em quarentena, uns, e outros na frente da batalha, nomeadamente, médicos, enfermeiros, paramédicos, técnicos, auxiliares, pessoal que opera no silêncio nos vários setores dos hospitais e clínicas, recebem apenas, à distância, os nossos aplausos e sentidos agradecimentos. Que mais poderíamos fazer? 
E depois deste desabafo, cá vai uma palavra de amizade solidária para os que mais sofrem, os que foram infetados e estão em tratamento, os que aguardam os resultados das análises, os familiares dos que não resistiram. Que todos saibamos olhar para o lado, na esperança de que uma palavra, um sorriso ou um gesto tornem mais leve a dor dos sofredores.

F. M. 

terça-feira, 24 de março de 2020

SILÊNCIO ...



Em tempo de silêncio... O  silêncio do meu quintal com os pinheiros a quererem  chegar ao céu.

QUARESMA EM TEMPO DE COVID-19

Sem dificuldades, associo a Quaresma aos dramas provocados pelo COVID-19 nos tempos em curso. Tempos de medos e angústias, de silêncios e reflexões, mas também de esperanças, que depois da tempestade vem a bonança. 
O nosso mundo foi surpreendido por uma guerra ainda sem fim à vista, não com armas sofisticadas criadas pelo homem, mas por uma arma invisível capaz de aniquilar vidas sem conta, resistindo aos apelos dos sofredores, às orações dos crentes e à inteligência dos cientistas. Sucedem-se os medos, multiplicam-se as receitas e os conselhos médicos,  aceitam-se as decisões dos governantes e isolam-se as pessoas entre paredes das suas habitações, mas as tréguas teimam em surgir. 
Em casa, como milhões de pessoas de todo o universo, haverá razões para todos refletirmos sobre a Quaresma que temos em curso. Sobre a oportunidade que nos é dada para a partir dela reestruturarmos novos estilos de vida, em família e na sociedade, no sentido da construção de uma paz mais duradoira, mais solidária, mais voltada para a natureza e para Deus, que está em tudo e em todos, como cremos. 

F. M.

segunda-feira, 23 de março de 2020

A PANDEMIA: INCERTEZAS E O ESSENCIAL

Crónica de Anselmo Borges 
publicada no semanário SOL

1. Julgávamo-nos omnipotentes e navegávamos na arrogância. De repente, os nossos planos ruíram e percebemos que não dominamos tudo e que precisamos de humildade. E somos empurrados para o mais urgente: pensar, porque demos conta da nossa fragilidade e somos confrontados com o medo, também por causa da ameaça da morte, que se tinha tornado distante e até um tabu. 
Qual é o fundamento último e o sentido último da minha existência, da Humanidade, do universo? O que é que verdadeiramente vale? Estamos entregues à fatalidade, ao acaso, ou tudo assenta no Mistério último de bondade e de misericórdia, a que chamamos Deus, o Criador e Salvador? 

2. É perante calamidades como a que estamos a viver que as pessoas revelam quem realmente são, no seu melhor e no seu pior. 
Pude constatar em directo, num hospital, por causa de um irmão meu, doente oncológico, a entrega competente e carinhosa de médicos e enfermeiros. E sabe-se da oferta solidária para ir às compras para idosos ou pessoas frágeis. E um telefonema a oferecer ajuda e a avançar para ela, mesmo correndo riscos iminentes e graves. É o dever e a caridade verdadeira... 
Mas também há quem se aproveite da fraqueza e da miséria. Os burlões. Até apareceram falsos padres que se ofereceram para ir a casa dar a comunhão ou ouvir em confissão pessoas idosas. E o presidente dos Estados Unidos queria ficar com o monopólio de uma futura vacina. E estúpidos perversos espalham, através dos média e das redes sociais, fake news e as suas alarvidades. 

A MINHA QUARENTENA

Por razões conhecidas, estou de quarentena em minha casa. Não tenho programas predefinidos, vivo ao sabor da maré, sem horários limitadores das minhas liberdades e estou em paz, tanto quanto é possível, nesta hora de imensos sofrimentos para tantos. Apenas colaboro numa ou noutra tarefa, ouço as notícias sobre a evolução do COVID-19, escolho as músicas que me acompanham, escrevo e leio o que me apetece. Também converso sobre a situação por que estamos a passar, tentando compreender os efeitos do coronavírus num futuro próximo, que prevejo devastadores para a economia já frágil em muitos países do mundo, a começar pelo nosso, para além das mortes que provoca. E tenho dificuldades em perceber como é que, com tantos e tão estrondosos sucessos científicos e tecnológicos, não é possível enfrentar e vencer um vírus, capaz de paralisar o universo, qual guerra de armas demoníacas que tudo destrói, sem dó nem piedade. 

F. M.

O EXPRESSO

Leio o EXPRESSO desde o número um. Já lá vão muitos anos, é certo, mas foi para mim um jornal de referência, como costuma dizer-se. Era o semanário com fontes mais credíveis, na opinião de muito boa gente. Dizia-se, decerto com alguma razão, que tinha as portas abertas dos ministros e ministérios, sendo apetecido por artistas, empresários e figuras públicas de todos os quadrantes. Não posso garantir, mas intuía isso mesmo pelas informações, entrevistas e reportagens oportunas e variadas, que se traduziam em grandes lições para mim. Também apreciava os colunistas e críticos das artes, ciências e espetáculos. Enfim, era o meu jornal dos fins de semana. 
Com o decorrer do tempo habituei-me a rejeitar ou dar apenas uma vista de olhos a cadernos que pouco o nada me diziam. E assim foram passando os anos. 
Em férias, muitas vezes andei de terra em terra à cata dele. Não o ter à mão era um problema. Sentia-me incomodado, mas acabava por encontrá-lo dias depois. E ficava satisfeito por me sentir bem informado. 
Um dia destes, fui levado a aceitar o digital. Já tinha o PÚBLICO online e o EXPRESSO entrou agora no mesmo caminho. Ainda estou a dar os primeiros passos, porque cada jornal tem os seus formatos e a suas opções tecnológicas, mas já poderei trazer no bolso o meu semanário de há tantos anos para o ler em qualquer canto. Os sacos cheios de cadernos e muita publicidade já não me pesam nem incomodam. 

Fernando Martins

domingo, 22 de março de 2020

Mãos que sustenham a alma do mundo



Uma reflexão de José Tolentino Mendonça,
poeta, pensador e cardeal,
publicada na Revista E do EXPRESSO
deste fim de semana

A necessidade de parábolas

Um dado curioso, no atual contexto, tem sido a necessidade de encontrar parábolas. Sem chaves interpretativas para lidar interiormente com a situação presente, assiste-se a uma corrida a alguns textos clássicos capazes não só, por comparação, de ilustrar aquilo que vivemos, mas também de nos fornecer ferramentas narrativas para podermos contar, a nós próprios e uns aos outros, o que está a acontecer. Que, de uma hora para outra, tenham voltado ao top dos livros mais vendidos, em alguns países, “A peste”, de Albert Camus, ou “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago, não deixa de ser um elemento significativo.
O texto de Saramago, uma poderosa e escuríssima parábola moral, cuja escrita ele próprio descreveu como das mais dolorosas experiências por que passou (“são 300 páginas de constante aflição” ), está repleto de termos que se impuseram recentemente ao jargão dos nossos quotidianos: epidemia, infeção, quarentena, medidas de coerção, debate ético sobre o valor da vida, carência, medo e compaixão. Mas não só as palavras como que ultrapassaram o estrito campo da ficção e se infiltraram no nosso domínio histórico.
Saramago encena ali, com genial agudeza, os fantasmas e os pesadelos que temos de fazer tudo para evitar. Porque, não nos enganemos, tudo pode ser sempre pior. Nesse sentido, o seu romance permite uma leitura preventiva em relação à realidade.

Ler todo o texto aqui

DIA MUNDIAL DA ÁGUA - ASSUNTO PARA REFLETIR

Bica de água em São Pedro do Sul

O Dia Mundial da Água celebra-se neste dia, 22 de março, com um desafio fundamental: preservar e poupar este recurso natural. A celebração desta data nasceu no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Ambiente, que decorreu no Rio de Janeiro, em 1992. Nessa altura, como presentemente, os países foram convidados a implementar medidas, tendo em vista a poupança deste recurso natural, promovendo a sua sustentabilidade. 
Todos sabemos que se têm multiplicado os alertas sobre a importância da água na vida de toda a gente, sendo certo que, em diversas zonas do mundo, a água começa a escassear. Luta-se e sofre-se para conseguir um jarro de água pura em regiões áridas, quando noutras se esbanja este precioso líquido. Ao mesmo tempo,  por todos os cantos, nos rios e fontes, mares e lagos, não falta quem contamine a água com lixos e outras substâncias tóxicas, provenientes de indústrias e comércios dirigidos por pessoas sem escrúpulos. Daí a necessidade de estarmos atentos para denunciar os infratores às autoridades competentes. 
Urge, também, sensibilizar toda a gente, a começar pelos alunos dos diversos graus de ensino, para a premência de nos tornamos vigilantes ativos na defesa da água.

Fernando Martins

Ética samaritana

Crónica de Bento Domingues no PÚBLICO

No âmbito religioso, a imaginação não pode ficar paralisada pela restrição imposta às grandes manifestações.

1. Há quem se aventure a calcular as consequências previsíveis e imprevisíveis da guerra imposta pela covid-19 a curto, a médio e a longo prazo, em vidas humanas e na reinvenção de novos estilos de vida colectiva, a nível local e global. Não disponho nem dessa ciência nem desses poderes de adivinhação. Todos devemos ir aprendendo com quem sabe e a obedecer a quem legitimamente manda. Ninguém está dispensado de procurar aprender a descobrir novos modos de responder à pergunta fundamental da condição humana: em que posso e como posso ajudar?
Na comunicação que o primeiro-ministro fez ao país, além das medidas que tomou, em consonância com todos os partidos, tocou no essencial: “O primeiro dever de cada uma e de cada um de nós é cuidar do próximo. É o de evitar que, por negligência, por desconhecimento, ponhamos em risco a saúde do outro. Cada um de nós julga estar numa situação saudável, mas a verdade é que nenhum de nós sabe se não é portador de um vírus que, involuntariamente, está a passar a outro.”
Na situação presente, em muitos casos, a boa proximidade é a de encontrar modos e meios de proximidade sem o contacto físico. É um desafio à imaginação solidária que já teve e tem manifestações admiráveis. Os caprichos individuais, ou de grupo, que não têm em conta os avisos e as normas das autoridades legítimas são criminosos.

Coronavírus Covid-19: Saúde, Ciência, Religião, um Retiro

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Ao contrário do que normalmente se pensa, não controlamos totalmente a nossa vida. Uma pequena prova disso está neste texto: eu tinha prometido continuar a crónica da semana passada, mas solicitaram-me um texto urgente sobre o coronavírus covid-19, adiando o prometido para mais tarde. E é o que vou tentar, com alguns apontamentos. 

1. Para nós, vivendo na normalidade, tudo nos parece claro e evidente. Só quando perdemos algo ou estamos na ameaça de perdê-lo é que damos pela sua importância, que pode ser decisiva, essencial. 
É o que acontece com a saúde. Haverá bem maior, mais importante do que a saúde? Reparo que em todas as línguas que conheço, quando as pessoas se encontram ou, sobretudo, se reencontram, se cumprimentam perguntando pela saúde: “Como estás?, Como vais?, Como tens passado?” E, na despedida: “Passa bem, cuida de ti e dos teus. Passai bem”. E “saudamo-nos” (saudar: vem do latim: salutem dare, dar saúde, desejar saúde) e temos “saudades”, com o mesmo étimo, e escrevemos a alguém, terminando: “Saudades”. 
“Vale!”: esta era a saudação romana, com o sentido de “passa bem”, e, por outra via, reencontramos de novo a saúde. É de “vale” que vem “valor e valores”. E qual é o valor da saúde? Valor essencial, porque com saúde vamos para a vida e com esforço faremos algo, conquistaremos a nossa vida e a nossa realização com outros. Porque a saúde não é só física, implica também uma dimensão psicológica (se não me der bem comigo, sinto-me mal, sem saúde), a relação com o outro, dar-se bem com o outro (se eu só de ver alguém com quem não posso fico doente, é prova de que não estou com boa saúde), uma boa relação com a natureza, uma relação boa com a transcendência... 

sábado, 21 de março de 2020

Universidade Sénior celebra aniversário num espaço humanizado






O envelhecimento é um processo natural no ciclo da vida, com mudanças na estrutura física, psicológica e social da pessoa. 
No sentido de atrasar ou minimizar o declínio das capacidades física e cognitiva, a sociedade civil foi-se organizando, para dar resposta a esses problemas. Nasceram assim as universidades seniores que proliferam um pouco por todo o país. 
No concelho de Ílhavo, temos a Universidade Sénior da Gafanha da Nazaré (USGN) que completa este ano, uma década de existência. Tendo passado por várias vicissitudes, tem-se mantido, apesar das dificuldades no que concerne às instalações. 
No seu 10.º aniversário mudou-se, para um espaço amplo, com condições excelentes para acolher a instituição. A transição para a nova sede foi gradual, mas resultou com valor acrescentado. Para isso foi inestimável o contributo dos utentes, nomeadamente o núcleo das artes. Hoje, é um regalo para a vista, contemplar as árvores vestidas com cachecóis coloridos e ajardinamento original. O toque estético de mãos meticulosas transformaram o Centro de Recursos Mãe do Redentor (CRMR) num espaço humanizado. um lugar aprazível, acolhedor, localizado em plena natureza que dispõe de condições físicas excelentes, para a prática de atividades lúdicas e cognitivas. Respira-se ar puro com cheirinho a pinheiros e quando o sol está de bom humor, é ver os seniores a caminhar, correr ou saltar agradecendo à vida o dom de a saborear em comunidade. Socializar é um dos benefícios da frequência de uma US. Na nossa, não faltam os pretextos para o concretizar. Sinto-me aqui, como peixe na água, tal como os peixinhos que habitam no lago. 
A ponte dos laços que abraça o laguinho é o culminar da celebração da vida! 

MaDonA

Dia Mundial da Poesia




Poesia depois da chuva

Depois da chuva o Sol - a raça.
Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça
- luz a fluir, num fluir imperceptível quase.

Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.
O fundo é branco - cai fresquinha no casario da praça.
Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.

Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!

E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.
Grácil, tão grácil!... Pura imagem da tarde...
Flor levada nas águas, mansamente...

(Fluida a luz, num fluir imperceptível quase...)

Sebastião da Gama


Um livro para este tempo - Uma beleza que nos pertence



Nestes dias de isolamento e recolhimento, não faltarão momentos de silêncios reconfortantes e estimulantes para um dia destes voltarmos à vida normal. José Tolentino Mendonça, poeta e cardeal, abre-nos a porta a novos desafios.

"O silêncio é um caminho. Não basta, por exemplo, estarmos calados para estar em silêncio. Podemos estar calados e o rumor ser ensurdecedor. Há uma qualidade de silêncio que é uma conquista, que é um processo em que nós entramos."

sexta-feira, 20 de março de 2020

A PRIMAVERA ESTÁ DE VOLTA



Por estranho que possa parecer, a primavera chegou. Melhor dizendo, bateu à porta, mas não teve coragem de entrar por causa da chuva. Ou foi o coronavírus que a proibiu de se manifestar ou fomos nós que, a pensar nas consequências do “bicho”, fatais para muitos, nos escondemos em casa. Também admito a hipótese do isolamento a que fomos aconselhados ou obrigados por determinação legal ou por medo de contágio. Ou por tudo o que está a acontecer a nível global com mortes e números aterradores. 
A primavera virá, disso estou certo, mas a alegria não será como dantes, para já. Contudo, ficamos com a certeza de que, mais tarde ou mais cedo, o Covid-19 será vencido.

DEPOIS DA TEMPESTADE VEM A BONANÇA


Depois do descanso imposto pela saúde e pelas circunstâncias, olhei o céu sombrio com chuva miudinha, mas persistente. Se houvesse fogos e secas seria ouro sobre azul, mas chove porque o inverno dita as suas leis. Rua deserta ou quase. Silêncio…Silêncio e as notícias a caírem em catadupa sobre a tristeza de não se vislumbrar o fim à vista do drama que se abateu impiedoso sobre o mundo. 
Os números não enganam ninguém e deixam-me a pensar sobre o que ainda estará para vir. Desde menino que ouço o ditado com a garantia de que “Depois da tempestade vem a bonança”. Por isso, vou/vamos acreditar que assim será.

A CAMINHO DA PÁSCOA - JESUS QUER ABRIR-ME OS OLHOS

Reflexão de Georgino Rocha

O cego de nascença encontra-se nos caminhos da missão de Jesus. Jo 9, 1-41. Constitui um símbolo de todos nós que, de um modo ou de outro, sofremos da falta de visão, não “enxergamos” o sentido humano da vida, não reconhecemos nos outros o próximo semelhante, não consideramos os bens da terra a defender como pertença de toda a humanidade, não apreciamos a nossa relação filial com Deus e, a partir d’Ele, a dignidade própria de cada pessoa.
“No cego de nascença e nas atitudes das várias personagens do evangelho personificam-se as diversas cegueiras da vida”, afirma J. L. Saborido, comentador da revista Homilética. 
Jesus quer libertar-nos da cegueira que fecha todos estes círculos em que nos movemos e agimos, em que crescemos como seres individuais solidários, em que interagimos e humanizamos a convivência em família, sociedade e Igreja. Em que construímos a nossa própria identidade. Que proposta admirável nos faz Jesus. Vale a pena acolhê-la com serena confiança e colaboração responsável. Vale a pena alimentar a fé recebida no nosso baptismo para que mantenha viva e possa crescer e irradiar, já que “o homem vê com os olhos, o Senhor olha com o coração”. Vale a pena viver a situação de alerta que o vírus corona provoca não apenas na saúde, mas na economia e na política, na Igreja e suas instituições, mas nos países mais pobres e nas pessoas mais indefesas. Parece que o mundo está a dar conta de que necessita realmente de uma nova ordem global, em que prevaleça a dignidade humana e bem de todos.

quinta-feira, 19 de março de 2020

UM RAMO DE FLORES SOBRE A NOSSA REGIÃO


VAGA A ORIGEM, FUTURO INCERTO


Ur-Mesopomâmia, talvez a origem...
Talvez a origem dos barcos moliceiros.
Talvez Tartessos dos velhos marinheiros,
Névoas de génese que não me afligem.

Mais me atormenta o porto da viagem,
O passado recente das Gafanhas, Murtosas,
Os painéis e legendas, ingénuos, escabrosas,
Cisnes, patos bravos, maçaricos, miragens.

O chiste, os pés doridos, a vela, a gaivota,
Moliço, maresia, o lodo e o patacho,
Ancinho na lama mole... Mas eu acho
Que tão vária imagem meus sonhos enxota.

Como a um bando de belos flamingos
Tão leves, esbeltos, talvez comendo crico.
E as viagens-miragens passam e eu fico
A cismar no futuro... desses barcos lindos.

O. L. 

Timoneiro, Janeiro de 1989

NOTA: Reedito este poema de O. L., julgo que iniciais do meu amigo Oliveiros Louro, cujos escritos, nomeadamente poemas, bastante aprecio, mas cuja modéstia o leva a guardar nas gavetas a sua arte. 

RECORDANDO O MEU PAI


O meu pai e a minha mãe estão sempre presentes na minha vida. Nem podia ser de outro modo. Deles recebi tudo o que sou. Hoje, porém, falo apenas do meu pai, neste dia dedicado a São José, o pai adotivo de Jesus. De São José sabemos pouco, mas cultivamos a ideia de que era um homem bom, justo e carinhoso com seu filho e esposa. Trabalhador e atento às necessidades da família. Meu pai também foi assim. 
O meu pai, Armando Lourenço Martins, mais conhecido por Armando Grilo, ficou órfão de pai aos 12 anos. O meu avô Manuel Martins faleceu com 46 anos de diabetes, doença que dele herdei, deixando cinco filhos — quatro rapazes e uma menina. Todos tiveram de se fazer à vida, que os tempos não eram de fartura. A minha avó, Maria de Jesus Lourenço (Briosa, de alcunha), não teria grandes meios para o sustento dos filhos. Contudo, todos constituíram família e viveram bem. Deles retenho na minha memória a bondade, a honestidade e o amor ao trabalho. 
O meu pai passou pelas marinhas de sal, em menino, e cedo foi para a pesca do bacalhau. Teria uns 15 anos. E foi essa dureza de vida que o fez homem honrado, trabalhador e dedicado à família. Nunca o vi revoltado nem violento. Pelo contrário, sempre foi compreensivo e respeitador, mas não descurava a defesa da justiça, enquanto promovia a generosidade e a cultura dos afetos. E quando a minha mãe ralhava comigo e com o meu saudoso irmão, que já está com ele no seio de Deus, o meu pai tinha o dom especial de apaziguador. 
O meu pai faleceu no dia 26 de fevereiro de 1975 com 61 anos. Um enfarte traiu-o. Resistiu cerca de um mês, mas à época a cura era muito difícil. Nunca o tinha visto doente. Confesso que acreditei na sua capacidade de resistência, mas a sua partida para Deus tornou-se inevitável. 
Diariamente, vinha à minha casa. Os quintais eram contíguos. Com chuva ou sol, vinha sempre. Cigarro na boca... o seu vício talvez tenha contribuído para a sua morte.  Era um homem tranquilo. Com os netos brincava e ria-se a bom rir. Falava o essencial e ajudava quando era preciso. Ficava feliz quando tal acontecia. 
No meu dia a dia, espero por ele a caminhar sereno através do meu quintal. Vou à janela e lá vem ele. Sorriso franco e a pergunta: — Onde é que está a malta? 

Fernando Martins

PRESIDENTE MARCELO DECRETA ESTADO DE EMERGÊNCIA

As cinco razões do Presidente da República 



Primeira – Antecipação e reforço da solidariedade entre poderes públicos e deles com o Povo. Outros países, que começaram, mais cedo do que nós, a sofrer a pandemia, ensaiaram os passos graduais e só agora chegaram a decisões mais drásticas, que exigem maior adesão dos povos e maior solidariedade dos órgãos do poder. Nós, que começamos mais tarde, devemos aprender com os outros e poupar etapas, mesmo se parecendo que pecamos por excesso e não por defeito.
O Povo Português tem sido exemplar. Mas este sinal político, dado agora, e dado não apenas pelo Governo, mas por Presidente da República, Assembleia da República e Governo é uma afirmação de solidariedade institucional, de confiança e determinação, para o que tiver de ser feito nos dias, nas semanas, nos meses que estão pela frente.

Segunda – Prevenção. Diz o povo: mais vale prevenir do que remediar. O que foi aprovado não impõe ao Governo decisões concretas, dá-lhe uma mais vasta base de Direito para as tomar. Assim, permite que possam ser tomadas, com rapidez e em patamares ajustados, todas as medidas que venham a ser necessárias no futuro. Nomeadamente, na circulação interna e internacional, no domínio do trabalho, nas concentrações humanas com maior risco, no acesso a bens e serviços impostos pela crise, na garantia da normalidade na satisfação de necessidades básicas, nas tarefas da proteção civil, em que, nos termos da lei, todos já são convocados, civis, forças de segurança e militares. O que seria, mais tarde, se fosse necessário agir, num ou noutro caso, neste quadro preventivo e ele não existisse?

Terceira – Certeza. Esta base de Direito dá um quadro geral de intervenção e garante que, mais tarde, acabada a crise, não venha a ser questionado o fundamento jurídico das medidas já tomadas e a tomar.

Quarta – Contenção. Este é um estado de emergência confinado, que não atinge o essencial dos direitos fundamentais, porque obedece a um fim preciso de combate à crise da saúde pública e de criação de condições de normalidade na produção e distribuição de bens essenciais a esse combate.

Quinta – Flexibilidade. O estado de emergência dura quinze dias, no fim dos quais pode ser renovado, com avaliação, no terreno, do estado da pandemia e sua previsível evolução.

Ler mais aqui 


NOTA: Permitam-me que considere excelente e oportuna a mensagem do Presidente da República proferida hoje com elevado sentido de Estado. Se dúvidas houvesse sobre a capacidade de intervenção responsável de Marcelo Rebelo de Sousa, com a palavra certa para o momento dramático que estamos a viver, não podemos deixar de reconhecer que temos um Chefe de Estado à altura das circunstâncias. 

quarta-feira, 18 de março de 2020

COVID-19 — UMA GUERRA SEM FIM À VISTA?


Com o coronavírus (COVID-19), estamos a viver uma guerra de efeitos imprevisíveis e sem fim à vista. Depois de tantos desastres naturais, convulsões sociais, calamidades, pestes e outros males, um vírus danado ainda não controlado veio incomodar, e de que maneira!, o mundo em que vivemos. Com 80 anos de vida, passei por épocas difíceis, perturbadoras, inquietantes, com doenças devastadoras que fizeram estragos no país e no planeta. Tudo, ou quase tudo, foi atingido e depois ultrapassado, deixando rastos de violência e mortes sem conta. Quem olhar apenas para a história do século passado, sabe que foi assim. Mas também sabe que de todas as guerras brotaram ressurreições! 
O COVID-19 continua  a resistir à luta possível que lhe é dada, mas o medo perdura por não se ver o fim dos dramas no horizonte. O dia a dia das pessoas está a ser bastante perturbado e alterado, a economia em todos os quadrantes vai sofrer abalos inimagináveis e o pessimismo tenta cortar as asas à esperança em dias de futuros risonhos, de sonhos desejados, da tranquilidade para todos há tanto esperada. 
O que vai ser o dia de amanhã para a humanidade? Sem ousar cair em desânimos, que não conduzem a nada, defendo que é preciso acreditar que os homens e mulheres do nosso tempo são tão corajosos, determinados e audazes quanto foram os homens e mulheres que nos antecederam. A guerra provocada pelo coronavírus será, se quisermos, a raiz de uma nova era. 

Fernando Martins

RECORDAR É VIVER - FIGUEIRA DA FOZ

O que publiquei há 10 anos


Por enquanto tenho a sorte e o prazer de poder sair, um dia que seja, para respirar diferente. Vou andar por aqui a ver o mesmo mar e a olhar sonhos de férias que me ocupam a imaginação e a ânsia de viver em plenitude, ao gosto da minha idade. Depois, claro, direi um pouco do que vi, estimulando outros a olhar, que isto ainda não custa dinheiro. O belo pode estar em qualquer esquina.

NOTAS:

1. Recordar é viver.
2. Há dez anos, estava longe o COVID-19. Teríamos outros problemas? 


terça-feira, 17 de março de 2020

UM LIVRO DE RAUL BRANDÃO PARA ESTES DIAS



Para os dias de isolamento, sugiro a ocupação de parte do tempo com leituras agradáveis. As notícias do coronavírus (COVID-19) e os conselhos que de todos os lados surgem, por vezes contraditórios, não podem ocupar a nossa mente com caráter obrigatório durante todas as horas do dia. Penso que os noticiários normais das televisões, rádios e jornais são mais do que suficientes. Para além disso, ler, ver e ouvir tudo é brutalizar a nossa liberdade de viver. Venho, então, com uma proposta de leitura, até porque, no dia a dia de cada um de nós, com a azáfama de trabalhos e outras obrigações, não temos muitos momentos para apreciar bons livros. Comigo também acontece isso. Na minha modesta biblioteca, há obras à espera de vez. Hoje, porém, recomendo “A Vida e o Sonho” de Raul Brandão, um dos escritores que mais aprecio. 
“A Vida e o Sonho” é uma antologia com inéditos e guia de leitura organizada por Vasco Rosa comemorativa dos 150 anos do nascimento de Raul Brandão (1867-1930), um escritor que cantou como poucos a nossa Ria da Aveiro, na minha modesta opinião, que não passo de um simples e apaixonado leitor. Como apreciei “Os pescadores”, “As ilhas desconhecidas”, “Húmus”, “Memórias” e outros!

segunda-feira, 16 de março de 2020

COVID-19: O SOL BENFAZEJO VEM A CAMINHO


Mais um dia de isolamento por razões óbvias. A minha idade permite-me este luxo. Não há compromissos profissionais ou outros. Há o compromisso apenas de evitar contactos que possam ser perigosos. O coronavírus (COVID-19), como outros vírus, não se vê. Atua escondido e pode ser fatal. Em outubro, época da vacina contra a gripe, já poderemos respirar mais fundo, sem descuidar a vigilância, que outros vírus hão de nascer, ninguém sabe como nem quando. O que sabemos é que ao longo da história do homem e da mulher neste planeta sempre houve vírus malignos, pestes, doenças incuráveis e calamidades. E o ser humano foi vencendo, século após século, tudo isso com determinação, imenso trabalho, muito saber e coragem sem limites. 
Vamos esperar mais um tempinho. O sol benfazejo vem a caminho. Os vírus têm medo dele. 

F. M.

PELA POSITIVA - 15 ANOS COM 15 MIL MENSAGENS



Ultrapassei a barreira das 15 mil mensagens no meu blogue Pela Positiva. Mensagens minhas e de alguns colaboradores que me têm acompanhado ao longo de 15 anos. Quase todas com ilustrações a condizer. E o mais curioso é que não me sinto cansado. A enxada não é assim tão pesada e com o treino os músculos e os neurónios até a tornam mais levezinha. 
Ao longo destes anos, convidei amigos para uma colaboração regular, mas a moda não pegou. Houve alguns, contudo, que me acompanharam, gentileza que agradeço. 
A vida, pelo meu lado, vai continuar enquanto Deus quiser e eu tiver forças e apetite para partilhar sentimentos, emoções, sugestões e informações úteis. 
Defendo, há muito, que o futuro passa, hoje mais do que nunca, pela comunicação e partilha de ideias e valores por todos os suportes existentes e pelos que hão de vir, porventura inimagináveis. Quem fugir deles, pessoas e instituições, estará condenado a perder a carruagem do progresso a todos os níveis. 

Fernando Martins

domingo, 15 de março de 2020

EM TEMPO DE QUARENTENA



Em tempo do quarentena imposta pelo Coronavírus (COVID-19), que ele anda por todo o mundo a fazer estragos, fui à procura de recordações de décadas para espairecer. É o melhor que é possível fazer, se elas forem sinais evidentes de felicidade. Desta feita, fui até Castelo Branco com a Lita, onde contemplámos e registámos para a nossa história o monumento dedicado ao Dr. João Rodrigues, mais conhecido por Amato Lusitano (1511-1568). E junto ao tribunal, ficou a Lita, num recanto aprazível. 
Sobre Amato Lusitano, vale a pena ler o que diz o Google. Segundo um seu biógrafo, era um poliglota, pois dominava o Português, o Latim, o Grego, o Hebraico, o Árabe, o Castelhano, o Francês, o Italiano e o Alemão. 

QUERIDA AMAZÓNIA

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Na sequência do Sínodo sobre a Amazónia, que se realizou em Roma de 6 a 27 de Outubro do ano transacto, Francisco publicou, no passado dia 2 de Fevereiro, uma Exortação Apostólica Pós-Sinodal, a que deu o título “Querida Amazónia”. 

Nela, formula quatro grandes sonhos: 1. O sonho de “uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e a sua dignidade promovida.” 2. O sonho de “uma Amazónia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana.” 3. O sonho de “uma Amazónia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas.” 4. O sonho de “comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazónia que dêem à Igreja rostos novos com traços amazónicos.” 

E explicita e concretiza os sonhos: 

1. Um sonho social. Impõe-se a indignação e um grito profético a favor dos mais pobres e explorados, contra os interesses colonizadores, antigos e presentes, que lucram “à custa da pobreza da maioria e da depredação sem escrúpulos das riquezas naturais da região” e dos seus povos. “Os povos nativos viram muitas vezes, impotentes, a destruição do ambiente natural que lhes permitia alimentar-se, curar-se, sobreviver e conservar um estilo de vida e uma cultura que lhes dava identidade e sentido.” Danificar a Amazónia, não respeitar o direito dos povos nativos ao território e à autodeterminação tem um nome: “injustiça e crime”.

A MAIOR REVOLUÇÃO RELIGIOSA

Crónica de Bento Domingues
 no PÚBLICO

A conversa sobre o papel das mulheres na Igreja não avança porque não se liga nada à importância que Jesus lhes atribuiu.


1. É muito complexa a história do povo samaritano. Segundo a investigação de 2019, existiam apenas 820 samaritanos. Parece que num passado remoto ultrapassaram o milhão [1]. Apesar da sua reduzida expressão numérica actual, a liturgia cristã não os pode esquecer. Ao longo do ano litúrgico, são muitas as referências, extremamente simpáticas, dedicadas a esse povo semita que era detestado pelos judeus por ter conservado, da herança comum, apenas o Pentateuco e ter levantado um lugar de culto rival do templo de Jerusalém. Mas porque será que os textos do Novo Testamento construíram, por contraste, figuras samaritanas que apresentam como exemplares para todos os tempos e lugares?
Esses textos não são as actas factuais do comportamento de Jesus de Nazaré. São interpretações contextuais dos seus atrevimentos, mas não há dúvida que este galileu insólito não suportava aquele ódio fratricida nem a justiça do olho por olho, dente por dente [2]. Esses textos de inapagável beleza atribuem a um judeu a apresentação de figuras samaritanas – figuras de um povo rival – como exemplo do que deve ser um discípulo da Lei Nova do Evangelho. O Nazareno não fazia acepção de pessoas. Tanto curava judeus como samaritanos ou gentios. Eram doentes, e só por isso deviam ser socorridos sem mais considerações. Mesmo assim, destaca que entre os dez leprosos curados só um samaritano veio agradecer.

sábado, 14 de março de 2020

CORONAVÍRUS - LAVAR AS MÃOS


AS MÃOS


Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

Manuel Alegre,
In O Canto e as Armas, 1967

sexta-feira, 13 de março de 2020

IGREJA CATÓLICA RESPONDE À CRISE DO COVID-19


O nosso bispo, D. António Moiteiro, vai celebrar a Eucaristia no próximo domingo pelas 10h00 na Sé de Aveiro. A celebração será transmitida em direto no canal de facebook da nossa Diocese.

COVID-19

Notas do meu diário 



O caso é muito sério. Na minha vida passei por situações muito difíceis, mas nunca vi nada parecido com o coronavírus (COVID-19), que está a atingir o universo. Daí a pandemia. 
Não será o fim do mundo porque a inteligência humana saberá dar a volta a esta guerra provocada por um vírus que mata sem armas, sem bombas atómicas, sem estratégias militares. Um simples vírus que quer destruir economias, gerar fomes, aniquilar comércios e indústrias, provocar pânicos e alimentar incertezas. 
Contudo, vamos acreditar que a humanidade sairá reforçada.

Fernando Martins

SACIA-TE NA FONTE DE ÁGUA VIVA

Reflexão de Georgino Rocha: 
A caminho da Páscoa

«A solidariedade nas causas justas humaniza-nos, reforça os laços da família que constituímos e abre o coração a novas dimensões: a ética da convivência social, a cultura do suficiente, o estilo de vida sóbrio e partilhado, a fraternidade sem limites, a dignidade acrescida, fruto do reconhecimento agradecido a Deus Pai por nos constituir seus filhos e irmãos em Jesus Cristo.»

A samaritana acorre ao poço de Jacob, para buscar água fresca. Leva consigo o cântaro vazio, símbolo do seu coração ansioso que procura saciar as sedes que manifestamente o inquietam e perturbam. Habita-a o sonho de felicidade, sempre adiada, apesar das tentativas fugazes de prazeres efémeros. Acolhe o pedido ousado do judeu desconhecido e questiona-o sobre o seu atrevimento. Abre-se ao diálogo num “taco-a-taco” impressionante pelo realismo personalizado e pela caminhada espiritual de abertura e comunicação. Jo 4, 5-42 
Jesus, paciente e confiante, situa-se ao nível da samaritana. Aproveita a oportunidade de estar cansado e de ser pleno dia, para manifestar a necessidade de saciar a sua sede. “Dá-me de beber” – diz-lhe. “Como?” – pergunta ela. “Se conhecesses quem te pede” – acrescenta Jesus, abrindo horizontes novos às sedes humanas que só podem ser satisfeitas por águas vivas oferecidas por quem as possui e está pronto a reparti-las.
“Por muito que nos desconcerte, afirma o cardeal Tolentino de Mendonça, Jesus dirige-nos essas mesmas palavras, na boca do poço que representa este momento das nossas vidas. «Dá-me o que trazes contigo. Abre o teu coração. Dá-me o que és». A quaresma é uma chamada a reactivar o dom da graça”.

quinta-feira, 12 de março de 2020

O DOURO COM TODA A SUA BELEZA


Sem apetência por qualquer tema, que o coronavírus (COVID-19) me tem envolvido demais, aqui fica o Douro com toda a sua beleza para me fazer esquecer, se é que tal é possível, os dramas da pandemia que nos envolve.

ÍLHAVO - Recordações


Com a qualidade possível, já que não sou nenhum especialista em digitalizações, ofereço 12 registos, tipo selo, do que me chegou às mãos.  A data situa-se na década de 1960.