Georgino Rocha |
"Sabes qual é a maior mentira do mundo?” – pergunta uma jovem, em tom jocoso, ao falar das redes sociais e de algumas páginas da web, e continua: “marcar no quadradinho «aceito as condições e os termos de uso» que normalmente aparecem como requisito para quem queira inscrever-se nas referidas redes e foros de opinião. Coloca a marca sem haver lido essas condições por estarem em letra muito pequena e serem extensas. Mas as pessoas dão-lhes pouca importância porque o que lhes interessa é entrar na rede e formar parte da grande família de cibernautas”.
Esta historieta pode ajudar-nos a captar o centro da mensagem deste domingo. Jesus, após um tempo de missão e em clima de oração, faz um levantamento do que se pensa a seu respeito: primeiro, os comentários que chegam aos discípulos e, depois, a atitude pessoal de cada um deles. Pedro acerta em cheio, identificando-o como o Messias de Deus. Segue-se uma lista de recomendações e de condições que correspondem ao desejo de seguir Jesus. Esta série termina: “quem quiser ser meu discípulo, tome sua cruz e siga-me”. Lc 9, 18-24.
Tomar a cruz implica perseverança e fidelidade. A imagem faz lembrar o condenado no caminho a percorrer no dia da execução. Mas o relato de Lucas alarga o sentido a todos os dias, apontando para a sua dimensão simbólica. “Tomar a cruz todos os dias significa também que a escolha de seguir Cristo, selada de uma vez por todas pelo Batismo, é existencialmente refeita cada dia… É preciso renovar os motivos da escolha à medida que se cresce e se evolui como pessoa, evitando o mito desresponsabilizador da escolha «justa» como escolha que dispensa do esforço de discernir, refletir e arriscar”. Manicardi, 116.
Seguir Jesus é fruto de uma decisão livre e de uma opção coerente. A princípio, de forma germinal; depois, ao longo do caminhar juntos, de outros envolvimentos da pessoa, que pretende acompanhá-lo até à cruz florida da Páscoa. Por isso, o seguimento não é um passatempo divertido, nem uma devoção clubista. Não é entusiasmo momentâneo, nem festa sazonal. Não é teoria abstrata nem prática rotineira. Não é presente sem futuro, nem memória sem profecia.
Seguir Jesus é dar tempo à oração para estar em sintonia com Deus, contemplar o seu rosto de Pai de todos os humanos, seus filhos, de captar o palpitar do seu coração misericordioso, de saborear, na medida do possível, e desde já, a experiência de estar nos seus braços. Seguir Jesus é ter capacidade de escutar o que se diz e pensa a respeito da missão realizada, acolher as respostas diferenciadas, reencaminhar as imagens desfocadas para o autêntico sentido da mensagem transmitida.
As condições e os termos apresentados por Jesus contrastam radicalmente com as expectativas dos discípulos, de outrora e de agora. O silêncio imposto desvenda esta realidade: Aceitar que a verdadeira grandeza está no serviço humilde, que a afirmação pessoal dá sentido à verdade que liberta, que a capacidade de aguentar o sofrimento define a medida do amor, que ser grande é fazer-se servo de todos, que gastar a vida é a única forma de a conservar com futuro garantido, que agradar a Deus Pai é praticar a misericórdia que perdoa e repõe a dignidade perdida.
Tudo isto está simbolizado na cruz e no apelo/convite de Jesus. A cruz do amor que se faz confiança e solidariedade, preocupação e empenho pelos martirizados da vida e famintos de esperança, compaixão solícita e generosa com todas as pessoas que desejam, mas ainda não encontraram o sentido pleno da existência. Cruz que, na hora decisiva, se faz entrega filial nas mãos do Pai.
O Papa Francisco, na exortação pós-sinodal sobre os Jovens, lembra cheio de ternura e entusiasmo que “Cristo, que nos salvou dos nossos pecados na Cruz, com o mesmo poder da sua entrega total, continua a salvar-nos e resgatar-nos hoje. (E faz-nos este convite caloroso): Olha para a sua Cruz, agarra-te a Ele, deixa-te salvar, porque, «quantos se deixam salvar por Ele, são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento». E, se pecares e te afastares, Ele volta a levantar-te com o poder da sua Cruz. Nunca esqueças que «Ele perdoa setenta vezes sete. Volta uma vez e outra a carregar-nos aos seus ombros. Ninguém nos pode tirar a dignidade que este amor infinito e inabalável nos confere. Ele permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda e sempre nos pode restituir a alegria”.
Georgino Rocha