no Diário de Notícias
Anselmo Borges |
«Cada pessoa, independentemente
da própria orientação sexual,
deve ser respeitada na sua dignidade»
1 A Exortação A Alegria do Amor, do Papa Francisco, é isso: um hino ao amor. Cita, por exemplo, M. Benedetti: "Se te amo, é porque és/o meu amor, o meu cúmplice e tudo/e na rua, lado a lado,/somos muito mais do que dois." Sobre o prazer erótico no amor, cita J. Pieper: por um momento, "sente-se que a existência humana foi um sucesso". Mas Francisco conhece o coração humano, a sua exaltação e as suas misérias e há as pulsões e o amor e as histórias de cada um. Por isso, aponta ideais, mas conhecendo a realidade e falando para pessoas concretas, criticando os que na Igreja "agem como controladores da graça e não como facilitadores".
da própria orientação sexual,
deve ser respeitada na sua dignidade»
1 A Exortação A Alegria do Amor, do Papa Francisco, é isso: um hino ao amor. Cita, por exemplo, M. Benedetti: "Se te amo, é porque és/o meu amor, o meu cúmplice e tudo/e na rua, lado a lado,/somos muito mais do que dois." Sobre o prazer erótico no amor, cita J. Pieper: por um momento, "sente-se que a existência humana foi um sucesso". Mas Francisco conhece o coração humano, a sua exaltação e as suas misérias e há as pulsões e o amor e as histórias de cada um. Por isso, aponta ideais, mas conhecendo a realidade e falando para pessoas concretas, criticando os que na Igreja "agem como controladores da graça e não como facilitadores".
À Exortação é devida uma leitura atenta e meditada. Deixo aí apenas algumas questões que concitam mais a atenção.
2 O documento constitui uma defesa, sem hesitações, da vida humana, rejeitando como "inaceitáveis" "as intervenções coercitivas do Estado a favor da contracepção, da esterilização e até mesmo do aborto". Ao mesmo tempo apela à paternidade responsável, admitindo que "a consciência recta dos esposos os pode orientar para a decisão de limitar o número dos filhos". E supõe-se que os métodos de limitação ficam à responsabilidade da consciência, respeitando a dignidade humana. Critica que não se dê "espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites". Repete que a paternidade responsável "não é procriação ilimitada" e que "o matrimónio não foi instituído apenas para a procriação".
3 Salienta que é necessário avançar mais "no reconhecimento dos direitos da mulher e na sua participação no espaço público". "A história carrega os vestígios dos excessos das culturas patriarcais, onde a mulher era considerada um ser de segunda classe, mas recordemos também o "aluguer de ventres" ou a "instrumentalização" e a comercialização do corpo feminino na cultura mediática contemporânea". Embora previna contra "uma ideologia genericamente chamada gender por prever "uma sociedade sem diferença de sexo" e esvaziar "a base antropológica da família", afirma que "é preciso não esquecer que o sexo biológico (sex) e a função sociocultural do sexo (gender) podem distinguir-se, mas não separar-se". Há quem considere que "muitos problemas actuais ocorreram a partir da emancipação da mulher. Mas este argumento não é válido, é falso, não é verdade! Trata-se de uma forma de machismo". Assim, afirma o feminismo, "quando não pretende a uniformidade nem a negação da maternidade".
4 Afirma que "só a união exclusiva e indissolúvel entre um homem e uma mulher realiza uma função social plena, por ser um compromisso estável e tornar possível a fecundidade", mas, embora não possam "ser simplistamente equiparadas ao matrimónio", "devemos reconhecer a grande variedade de situações familiares que podem fornecer uma certa regra de vida", como "as uniões de facto ou entre pessoas do mesmo sexo". Reafirma que "cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, evitando qualquer sinal de discriminação injusta".
5 Reclama a educação sexual como elemento essencial da educação, dentro de um humanismo integral para o amor e que não pensa só no "sexo seguro". Neste contexto, sublinha que "os ministros sagrados carecem, habitualmente, de formação adequada para tratar dos complexos problemas actuais das famílias", acrescentando que "para isso pode ser útil também a experiência da longa tradição oriental dos sacerdotes casados", podendo ver-se nesta afirmação a possibilidade de pôr fim ao celibato obrigatório.
6 Sobre a separação e o divórcio, lembra as normas recentes para agilizar as declarações de nulidade do matrimónio.
Quanto à possibilidade da comunhão para os divorciados que voltam a casar pelo civil, afirma e reafirma que não estão "excomungados" e que "ninguém pode ser condenado para sempre, porque esta não é a lógica do Evangelho". E impõe-se o devido discernimento, de tal modo que, atendendo aos condicionamentos e circunstâncias atenuantes, "já não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada "irregular" vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante". Assim, "em certos casos poderia haver também a ajuda dos sacramentos. Por isso, aos sacerdotes lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor. E de igual modo assinalo que a Eucaristia não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos". "Compreendo aqueles que preferem uma pastoral mais rígida, que não dê lugar a confusão alguma, mas creio sinceramente que Jesus quer uma Igreja Mãe que, ao mesmo tempo que expressa claramente a sua doutrina objectiva, não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada."