Reflexão de Georgino Rocha
que move o mundo»
Jesus está a viver os momentos imediatos à saída de Judas, após a ceia de despedida. Tinha-lhe dado o pedaço de pão da fraternidade que havia repartido pelos outros apóstolos. Vê-o abandonar o grupo para ir denunciá-lo e fazer a sua entrega: consumar a traição que, há tempos, amadurecia no coração. Pressente que se aproxima a parte final do seu processo persecutório. E cheio de emoção confiante, confidencia os segredos mais íntimos aos seus apóstolos, agora carinhosamente tratados como “meus filhos”.
Perante o fracasso iminente, Jesus declara ter chegado a hora da sua glorificação. A traição e o assassinato fazem brilhar a paixão de amor criativo que sempre o move na vida. O abandono e a cobardia não cortam os laços de amizade radical como evidencia quando Judas o identifica com o beijo no Jardim das Oliveiras. O seu amor é para sempre, incondicional, para todos. A desolação e o desabafo abrem espaço à manifestação da profunda comunhão com Deus Pai, à confiança filial que dá alento ao seu último suspiro, à exaltação que emerge da cruz ignominiosa.
“Há fracassos que justamente são todo o contrário do que parecem” ( J.M. Castillo, La religión de Jesús). Fazem brilhar a bondade sobre a maldade, o amor sobre o ódio, a vibração solidária sobre a indiferença, a confiança consistente sobre a angústia e o desespero, a novidade germinal sobre a morte desagregadora.
A brevidade do tempo que resta comporta novas urgências. O desejo de ficar intensifica-se. E o amor criativo encontra uma nova matriz para a sua identificação. “Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”. O eu de Jesus é o de Deus humanizado, encarnado, feito história e cultura, cadenciado ao ritmo de cada pessoa e família, à diversidade de todos os povos. Que grandeza bela, que simplicidade rica e discreta, que dignidade nobre a do amor humano! Que responsabilidade encorajante fica nas nossas mãos!? Não deixemos que seja banalizado ou reduzido apenas à atracção corporal, à satisfação do impulso erótico, ao desgaste provocado por rótulos publicitários “cor-de-rosa”, ao gozo descartável, ao idealismo romântico, à narrativa romanceada ou ao sonho de poetas e cantores.
O amor é força criativa que move o mundo. Comporta uma energia contagiante e vitalizadora, fecunda e persistente. Energia que mobiliza o ser humano inteiro e faz desabrochar progressivamente as suas capacidades e aceitar as suas limitações. Energia que amplia a liberdade e a audácia, a convicção na busca e a esperança no encontro. Energia que mostra a genialidade de Jesus e, nele, a de todos os que o seguem como discípulos missionários.
E os exemplos provindos de todos os quadrantes surgem com grande espontaneidade: Paulo e Bernabé, Gandy, Mandela, L. King, Teresa de Calcutá, Francisco de Assis, Américo de Aguiae… e outros sem registo histórico mas de grande eficácia como pais e mães de família, servidores do bem comum, voluntários de toda a espécie de bem.
O amor, vem lembrar o Papa Francisco na recente Exortação “A alegria do Amor” é paciente e serviçal; cura a inveja e sabe apreciar o bem dos outros; não é arrogante, nem orgulhoso; mas desprendido e amável. O amor faz-se perdão e pacificação, alegria e confiança, espera e entrega, compromisso e aliança. O amor humano cresce com a pessoa, configura-se no ser masculino e no ser feminino, chamados à reciprocidade complementar, amadurece em opções definitivas, alicerça e vitaliza o casamento, sobretudo o matrimónio sacramental, reveste todas as dimensões do ser humano.
“Assim como Meu Pai me amou, Eu também vos amei: permanecei no Meu amor” (Jo 15, 10). Esta é a realidade original da vida cristã, a força da cidadanis responsável (agora que o cartão do cidadão está a ser questionado!), o garante da fecundidade dos aparentes fracassos, a alavanca da esperança empreendedora de novas ousadias.