Crónica de Maria Donzília Almeida
Abertura dos Pelouros |
Professora Doutora Maria José Azevedo Santos |
Foral Manuelino |
Trabalhos de decifração |
Jean Mabillon, um frade beneditino, é considerado o fundador da Paleografia, em 1681. Esta ciência, que alguns consideram uma arte, tem por finalidade a decifração e a transcrição de documentos antigos, para a morfologia da escrita atual.
Essa prática requer muito treino, pois se trata da escrita de outros tempos, em que poucos sabiam escrever. Até ao século XVI, na Europa, somente uma pequena parcela da população era letrada, pois o monopólio de ensino pertencia à Igreja. Era nos mosteiros cristãos que o conhecimento era preservado, já que na Idade Média, não havia imprensa. O processo da escrita e composição de livros era feito nos mosteiros, pelos monges copistas. Segundo a nossa formadora, era no chamado scriptorium que o monge copiava livros, havendo alguns que não sabiam escrever, embora todos pudessem ler. Para o serviço litúrgico, os monges precisavam unicamente de ler.
A escrita pode ser encontrada em diversos materiais, mas é de ressaltar que a Paleografia estuda a escrita nos suportes perecíveis e de fácil transporte, como o papel, o pergaminho e as tabuinhas enceradas.
Os conhecimentos dados pela Paleografia possibilitam à Filologia estudar as origens e a evolução da escrita portuguesa.
Foi neste ambiente místico, quase conventual, que mergulhámos num Workshop de Paleografia, com a duração de 15 horas, no CIEMAR, orientado pela eminente Professora Doutora Mª José Santos, docente da FLUC (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra). Esta conjuntura teve o condão de me fazer remontar à juventude, em que vivi momentos gloriosos, na pitoresca Lusa Atenas. Se na altura eu ouvia as palavras dos mestres com os devaneios da idade e, às vezes, a cabeça na lua, aqui, eu bebia as palavras da mestra, com os pés bem assentes na terra.
Após uma breve fundamentação histórica, passámos de imediato à tentativa de decifração de documentos do século XVI. Foi um desafio estimulante olhar para um documento antigo, toldado por um nevoeiro cerrado e a pouco e pouco as trevas darem lugar à luz. À primeira vista, só via argolinhas e floreados e de tanto me debruçar no texto, até fiquei de olhos em bico ... mas a concentração no “pergaminho” era total, nada nos desviava da tarefa. Senti-me no papel de copista, com um hábito de frade e a pena na mão...
O momento alto deste primeiro dia, foi termos debaixo d’olho, no sentido literal da palavra, o foral manuelino da Vila de Ílhavo. Todos exultaram de alegria e os poucos formandos que não estavam diretamente ligados à Arquivística e Diplomática, viveram-no com mais intensidade. Senti-me transportada ao século XVI, ao glorioso período manuelino, no apogeu dos Descobrimentos. Quando contemplei de perto o pergaminho original com as belíssimas iluminuras... e no fim, a assinatura do rei a ouro... ah...aí, rejubilei! Estava num admirável estado de conservação, manuseado com luvas de algodão, que nem parecia ter passado por cinco séculos. No meu imaginário infantil, revivi o glamour das cortes europeias, onde as damas rodopiavam, com os seus elegantes vestidos, ao som da valsa vienense. Devaneios de adolescente! Eu, que sempre tive um fraquinho pela nobreza, alimentado por um primo Conde .... senti-me como peixe na água.
No segundo dia de formação, continuámos a decifrar documentos do Arquivo da Câmara Municipal, dos séculos XVII, XVIII e XIX, onde apreendemos particularidades do funcionamento da mesma, cenas da vida real, para além de documentos ligados à venda do pescado.
No final do dia, fomos presenteados com a simulação da entrega dos “pillouros”, numa teatralização divertida que a formadora com a sua assessora, imaginaram para a entrega dos certificados de participação.
Para além do muito que aprendemos, tivemos o grato prazer de degustar a gastronomia local, o famoso pão das padeiras de Vale de Ílhavo, que toda a gente apreciou e os deliciosos petiscos da Dª Mena, que nos estragou com mimos.
No último dia de formação, fizemos uma visita guiada ao CDI (Centro de Documentação de Ílhavo) localizado no CIEMAR (Centro de Investigação e Empreendedorismo do Mar) bem como ao Museu Marítimo de Ílhavo.
Para concluir, devo enaltecer a eloquência, simpatia e empatia da Drª Mª José Santos que nos cativou tal como o Principezinho de St. Exupéry cativou a raposa... Também merece um louvor a sua assessora, a Drª Eliana Fidalgo, pela sua eficiência e profissionalismo na organização e acompanhamento da atividade.