Escândalo de alguns
"católicos atentos na fé"
"católicos atentos na fé"
António Marcelino
A caixa de correio electrónico enche-se, repetidamente, de um manifesto anónimo de alguns católicos que se dizem ”atentos na fé”, falam de um laicismo entranhado na Igreja e atacam o clero pela sua infidelidade a Deus ao admitirem que alguns dias santificados, que também são feriados nacionais, possam agora deixar de o ser.
E dizem, reportando-se à Mãe de Deus, que Jesus revelou, não sabemos a quem, nem quando, estas palavras: “Quem Me adora, terá de adorar a minha excelsa Mãe e quem adora a minha excelsa Mãe, a Mim adora”… Falam ainda de “promoção de Deus e despromoção de Deus” e “denunciam o comportamento laico do clero, manifestado no desvelo e instruções banalizadas com que defendem as causas de Deus, as únicas que eles devem defender”. Tudo por causa do feriado de Nossa Senhora da Assunção, que o do Corpo de Deus parece merecer menos atenção.
Tudo isto, parte, como se diz, de um grupo organizado que se escandalizou e, por isso, quer desagravar, porque o Presidente da Conferência Episcopal disse que a Igreja, neste caso a Santa Sé, por se tratar de matéria que consta na Concordata, aceitaria, dadas as circunstâncias, que os feriados do Corpo de Deus e da Assunção de Nossa Senhora passassem a celebrar-se, liturgicamente, no domingo seguinte. Não assim o de 8 de Dezembro, dada a sua história e significado para Portugal.
O problema da supressão de alguns feriados não é novo, pois já se vem pondo desde há anos. E até já aconteceu com as festas da Epifania ou dos Reis, e com a Ascensão do Senhor, cuja celebração passou a fazer-se no domingo seguinte.
O facto de se tratar de um protesto anónimo, não tão anónimo como parece, dos termos em que é redigido e das justificações doutrinárias apresentadas, não levará, por certo, à obrigação de qualquer resposta dos mais responsáveis. Porém, o contexto em que o grupo se manifesta a pretexto de zelo, e o mundo de confusões que comporta merecem uma reflexão. Não se trata de uma resposta, que esta gente não quer respostas, mas, unicamente, a satisfação, sem mais, dos seus desejos, quando não apenas, o seu direito de desabafar e protestar.
Desabafos e protestos até os entendemos e respeitamos. O problema dos dias santificados, como feriados nacionais, é matéria concordatária. Manter ou suprimir não é um direito da Igreja, nem depende de uma decisão arbitrária do Governo. Como todos os tratados é matéria negociável. Havendo razões plausíveis, a Igreja, pela entidade máxima respectiva, não se deve negar a negociar. Os bispos não podem decidir, mas a sua opinião colectiva é importante para a Santa Sé, para o Governo e para opinião pública. Foi o que fizeram, como era seu dever.
Porém este “escândalo” de “católicos” que se dizem “atentos na fé” é, no mínimo, preocupante pela modo como vivem fora de um tempo plural, do respeito pela autonomias do Estado e da Igreja e dos limites das mesmas, pela incultura religiosa manifestada através de revelações e afirmações doutrinárias que roçam o disparate, pelo modo como o grupo age, pelo anonimato agressivo e irrespeitoso, atrás do qual se esconde.
Tal interesse e processo não é de gente com uma fé esclarecida e situada. Isto, sim, põe aos responsáveis da Igreja o dever de reflexão sobre o dever de proporcionar formação cristã e o sentido evangélico de alguns grupos que, pelas suas intervenções públicas, comprometem a verdade e a sua compreensão.