no DN
Como vimos, Einstein afirmava-se como pessoa religiosa, mas acreditando no "Deus de Espinosa que se revela na ordem harmoniosa daquilo que existe e não num Deus que se interesse pelo destino e pelos actos dos seres humanos."
Há o mistério último da realidade, que se impõe. A pergunta é se se opta pela Natureza impessoal ou pelo Deus transcendente, pessoal e criador.
Compreende-se o fascínio da afirmação da Natureza como força geradora divina de tudo. Esta concepção é bem resumida pelo filósofo Marcel Conche, ao escrever que Deus é inútil, pois a Natureza cria seres que podem ter ideias de todas as coisas, inclusive da própria Natureza. Está a referir-se não à natureza "oposta ao espírito ou à história ou à cultura ou à liberdade", mas à "Natureza omnienglobante, a physis grega, que inclui nela o Homem. Essa é a Causa dos seres pensantes no seu efeito."
Esta concepção confronta-se, porém, com objecções de fundo. Ao divinizar a Natureza, põe em causa a secularização e, consequentemente, a liberdade. Depois, tem dificuldades em explicar como é que a Natureza, que é impessoal, dá origem à pessoa, como é que mecanismos da ordem da terceira pessoa acabam por dar origem a alguém que se vive a si mesmo como eu irredutível na primeira pessoa.
Neste domínio, houve recentemente um debate significativo entre o matemático P. Odifreddi e o Papa emérito Bento XVI. Na sua resposta ao livro de Odifreddi, "Caro Papa, ti scrivo", Bento XVI escreveu uma longa carta, em parte publicada no jornal "La Repubblica" de 24 de Setembro de 2013, na qual refere precisamente este debate. Textualmente: "Com o 19.º capítulo do seu livro, voltamos aos aspectos positivos do seu diálogo com o meu pensamento. Mesmo que a sua interpretação de João 1, 1 esteja muito longe do que o evangelista pretendia dizer, existe, no entanto, uma convergência que é importante. Mas se o senhor quer substituir Deus por "A Natureza", fica a questão: quem ou o que é essa natureza. O senhor não a define em lugar nenhum e, portanto, ela parece ser uma divindade irracional que não explica nada. Mas eu quereria sobretudo fazer notar ainda que, na sua religião da matemática, três temas fundamentais da existência humana não são considerados: a liberdade, o amor e o mal. Espanta-me que o senhor, com uma única referência, liquide a liberdade que, contudo, foi e é o valor fundamental da época moderna. O amor, no seu livro, não aparece, e também não há nenhuma informação sobre o mal. Independentemente do que a neurobiologia diga ou não diga sobre a liberdade, no drama real da nossa história ela está presente como realidade determinante e deve ser levada em consideração. Mas a sua religião matemática não conhece nenhuma informação sobre o mal. Uma religião que ignore essas questões fundamentais permanece vazia."
Evidentemente, quem acredita no Deus transcendente, pessoal e criador sabe que Deus não é pessoa à maneira das pessoas humanas, finitas. Deus também não é um Super-homem. O que se quer dizer é que Deus não é um Isso, uma Coisa. Como escreveu o teólogo Hans Küng, "Deus, que possibilita o devir da pessoa, transcende o conceito do impessoal: não é menos do que pessoa". Não esquecendo que Deus é e permanece o Inabarcável e Indefinível - Gregório de Nazianzo (330-390), doutor da Igreja, pergunta: "Ó Tu, o para lá de tudo, não é tudo o que se pode dizer de Ti?" -, pode dizer-se que é "transpessoal".