Reflexão semanal de Georgino Rocha
As autoridades andam preocupadas e dão sinais visíveis de animosidade. E não era para menos. No templo, coração da religião e centro principal da economia, o Nazareno desafiava tudo e todos: expulsa os comerciantes, derruba as mesas dos cambistas e parte as cadeiras dos vendedores de pombas; acaba com o negócio explorador, denuncia a atitude dos que fazem do templo um covil de ladrões e realiza gestos de cura a cegos e a aleijados, gente marginalizada pela classe dirigente. Cita, em jeito de justificação, a Escritura: “A Minha casa será chamada casa de oração”.
Perante tal atitude, os responsáveis do templo aproximam-se de Jesus e pedem explicações, fazem-lhe a pergunta chave: Para procederes desse modo, que autoridade tens e donde te vem? A questão é séria. Está em causa a legitimidade, a honra e a honestidade, que são a base da sociedade de então. A autoridade consiste na capacidade de influir nos comportamentos dos outros e pode provir do nascimento e da posição social alcançada. O seu exercício era credível se o falar e o agir em público estivessem proporcionados ao estatuto social. Se não, era necessária outra forma de legitimação válida. De contrário, surgia a acusação de a pessoa estar inspirada pelo demónio.
Jesus de Nazaré tinha de se justificar. Recorre a um modo de proceder peculiar e sagaz. Responde com uma pergunta, lançando assim um desafio a quem o interrogava. O recurso à pergunta-desafio resulta plenamente. “O baptismo de João provém de Deus ou dos homens”? Depois de uma discussão clarificadora e calculista, respondem: “Não sabemos”. É que fosse qual fosse a resposta, o comportamento adoptado por estes não era coerente e responsável. De facto, se dissessem: “De Deus”, vinha a réplica: por que não o aceitastes? Ou “dos homens”, temiam a reacção do povo que reconhecia João como profeta. A pergunta hábil do Mestre surtira o efeito desejado. E para o ilustrar Jesus vai mais longe e conta a parábola do pai que diz aos dois filhos para irem trabalhar para a vinha familiar. E surge, de novo, em foco a questão de saber quem procede com coerência e responsabilidade. O Mestre Nazareno “força” a resposta, introduzindo a parábola com a interrogação:
“Que vos parece”? (Mt 31, 28-32). E acertaram em cheio no parecer dado.
De facto, está em maior sintonia com o Pai quem, apesar de dizer não inicialmente, muda de opinião e vai para a vinha; ao contrário, o outro que acaba por não ir, embora tendo-se mostrado a princípio disponível. A capacidade de mudança é uma das grandezas da liberdade humana. Em qualquer fase da vida pode surgir a oportunidade. É preciso estar atento, deixar-se interpelar e não perder o desafio.
Há sempre a possibilidade de um recomeço, de um reencontro, de uma viragem em busca da sintonia com o Pai, de um reafirmar o ser filho em comunhão, de um voltar a redescobrir o bem da família e a querer assumir oportunamente a sua responsabilidade.
Jesus, no desejo intenso de abrir os corações dos interlocutores, aduz o exemplo dos publicanos e das prostitutas. São como o 2º. filho da parábola: do “não” inicial passam ao “sim” generoso e entram no reino dos céus antes de quaisquer outros; os “herdeiros” por excelência deste reino assemelham-se ao 1º. filho e, por isso, são preteridos. Os chefes entenderam bem o ensinamento e, em vez de aceitarem a mensagem e se converterem, aumentaram a vontade de, logo que possível, eliminar Jesus.
Com qual dos filhos nos identificamos? Sinceramente, confesso que me esforço por me assemelhar mais ao terceiro, o narrador da parábola, a Jesus de Nazaré, apesar de tantas limitações. Ele é o Filho muito amado pelo Pai, o sim de Deus a cada um de nós e a todos. Ele é o sim da humanidade a Deus, dado de forma plena e definitiva, coerente e responsável.