Confia e trabalha, apesar do que vês
Esta é a atitude do cuidador da vinha onde se encontra uma figueira que não dá frutos há três anos. Jesus recorre a este facto/parábola para visualizar a mensagem que pretende transmitir aos discípulos e, por eles, a toda a humanidade. Que faz lá a figueira? Nada de útil, apenas ocupa e suga o terreno, dá sombra que impede o sol de aquecer a zona envolvente, larga folhas que cobrem o campo e abafam a germinação das sementes. “Corta-a” – ordena o dono. “ Senhor, deixa-a ficar mais um ano, eu vou cuidar dela, cavar em seu redor, deitar adubo, regar à sua volta e as suas raízes – responde o encarregado. E, confiante, acrescenta: “Talvez venha a dar frutos”.
A narrativa deixa a parábola em aberto. O dono consentiu? A figueira produziu frutos? O esforço do vinhateiro foi compensado? O ano pedido foi alongado? Estas interrogações não estão no centro da mensagem de Jesus e, agora, não interessam ao ensinamento que pretendia dar aos discípulos. A abertura surge da atitude surpreendente do encarregado da vinha: em vez de obedecer, intercede pela figueira; em vez de partilhar a decepção do dono, ousa confiar em alguma possibilidade de mudança; em vez de considerar esgotado o tempo da tolerância, recorre à paciência esperançada.
Esta nobre atitude é a que Jesus propõe aos discípulos de todos os tempos. Como ele, nunca os prazos estão esgotados durante a vida. Como ele, a confiança no futuro justifica o empenho no presente. Como ele, a energia da paciência acompanha todas as urgências. Como ele, acredita na força do amor que transforma e fecunda o que parece estéril.
A imagem da figueira é um símbolo habitual no Antigo Testamento para indicar Israel e o seu comportamento. O proprietário anónimo – o ouvinte/leitor bíblico não tinha dificuldade em identifica-lo – é Deus que oferece muitas oportunidades ao povo para dar frutos dignos da sua condição de povo escolhido. O vinhateiro/cuidador do campo onde está a figueira é Jesus que, paciente e laboriosamente, confia e trabalha, apesar do que vê e está plasmado na improdutividade, na esterilidade, na letargia da natureza, na alergia e falta de correspondência dos conterrâneos.
Agora é tempo de dar frutos. Há que vencer resistências, “cavar” as consciências e ir ao seu recanto mais profundo. Há que abandonar securas superficiais e “regar” a vida com o suor do amor confiante. Há que “cortar” as ervas daninhas, os vícios desviantes, e “alinhar” afectos e comportamentos. Há que descentrar o ego do seu olhar míope e focalizá-lo no círculo aberto ao bem de todos os outros, ao bem comum. Há que fazer como o vinhateiro, apesar de tudo o que se vê e parece aconselhar outras atitudes. É possível dar frutos novos e saborosos.
Georgino Rocha