sexta-feira, 1 de março de 2013

Casamento marcado pela unidade e pela fidelidade mútua

Casamento dos não crentes 

D. António Marcelino


Em 26 de janeiro de 2013, Bento XVI, falando aos membros do Tribunal da Rota Romana, trouxe ao de cima um problema que se arrasta na Igreja há muitos anos: é válido o matrimónio quando os noivos não têm fé? Não deu uma resposta definitiva, mas abriu caminho que, por certo, levará mais longe. 
No Sínodo dos Bispos de 1980, um bispo francês levantou este problema, que foi longamente discutido na sala sinodal, dando ocasião a uma proposição votada quase por unanimidade. A Comissão Teológica Internacional, já antes, em 1977, se pronunciara de maneira cautelosa, mas já com alguma abertura. Da Comissão fazia parte o teólogo Ratzinger. 




O Vaticano II na Constituição da Liturgia, ao tratar dos sacramentos, diz que estes supõem a fé de quem os recebe, celebram-na e alimentam-na. Sendo assim, parece poder concluir-se que quem não tem fé não poderá receber, de modo válido e frutuoso, os sacramentos da Igreja. 
Os bispos do Sínodo referido propuseram, então, que se aceitasse o casamento natural e se propusesse aos cônjuges uma caminhada que os pudesse levar a aceder, livremente, ao dom da fé. Não foi nesse sentido a Exortação Apostólica de João Paulo II sobre a família (novembro de 1981) ao manter a orientação de que a fé, em relação ao matrimónio, consistia, para os não crentes, na aceitação explícita das suas propriedades fundamentais: unidade, fidelidade e indissolubilidade. 

Bento XVI parte agora desta orientação, mas interroga-se, perante a realidade atual de casamentos feitos na Igreja, depressa desfeitos, se é possível aceitar o propósito de respeitar as propriedades do matrimónio, como o entende e propõe a Igreja, sem a luz e a força da fé. 
Muitos batizados que nunca desenvolveram nem enraizaram a sua fé apresentam-se para um casamento no templo, por tradição, pressão social ou da família ou até do outro cônjuge. Se em tempos passados este casamento podia perdurar, hoje verifica-se a sua debilidade, ao pensarmos no número crescente de divórcios por parte de quem casou na Igreja e pelo ambiente laico que nos envolve. A fé e a vida em comunidade são uma força para as dificuldades emergentes. Não podem ter essa experiência os que não consciencializaram, por falta de fé, que o matrimónio - sacramento comporta, diariamente, a protecção divina, como ajuda e presença numa família. Também não deixa de merecer atenção a quantidade de jovens e adultos batizados, sem qualquer expressão de fé que os denuncie como crentes, que procuram o casamento civil ou a união de facto. Sinal de que Deus não tem lugar num tão importante acontecimento da sua vida. 

Parece ser tempo de prestar atenção à verdade do sacramento, que não se poderá entender sem uma fé explícita. Depois das palavras de Bento XVI, a menos de um mês da sua inesperada resignação ao papado, também neste ponto as coisas vão ser diferentes. As suas palavras são proféticas e os agentes pastorais têm de acordar para um maior esforço evangelizador, e os agentes judiciais para uma mais larga compreensão da incapacidade de receber o sacramento do matrimónio, de o acolher como dom e de responder à graça e ao compromisso que o sacramento comporta para os noivos. 
A Igreja deverá considerar, com total liberdade e com a responsabilidade que lhe cabe como educadora da fé, cada caso que se lhe apresenta. Não falta gente, sem prática de culto religioso, a casar, seja na Igreja ou na Conservatória do Registo Civil, que, por total coerência, quer realizar um casamento indissolúvel, marcado pela unidade e pela fidelidade mútua. Se a fé teologal ajuda a entender as exigências do matrimónio, ela não é caminho exclusivo e pode ser precedida por uma fé natural que clama, dentro de cada um que sabe ouvir este grito, uma exigência de verdade e de compromisso. Por natureza criada já somos “divinos” e capazes de obras onde Deus está e opera. Um olhar novo que importa ter sempre presente.

António Marcelino,
Bispo Emérito de Aveiro


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