Ciência e religião:
um desafio, não um conflito
um desafio, não um conflito
Anselmo Borges
Ele sabe do que fala. É o jesuíta George Coyne, director emérito do Observatório do Vaticano, onde desempenhou um papel relevante no quadro das relações entre conhecimento científico e religião, dialogando com alguns dos mais prestigiados cien-tistas contemporâneos: Stephen Hawking e Richard Dawkins, entre outros.
Numa entrevista à US Catholic, defende precisamente que, mesmo que a Igreja nem sempre tenha sido dessa opinião, entre a ciência e a religião não há conflito, mas um desafio, ajudando ambas, desde que se trate da verdadeira fé religiosa e da verdadeira ciência, a compreender um universo dinâmico e criativo.
O universo é "um desafio incrível". Em primeiro lugar, lida-se com números avassaladores: o universo tem 13 700 milhões de anos - mil milhões é um seguido de nove zeros - e o número de estrelas existentes, nos cem mil milhões de galáxias, é um seguido de 22 zeros.
Neste universo gigantesco, não podemos, pois, excluir a existência noutras paragens de vida inteligente. E nós, como aparecemos nós? Isto aconteceu por acaso ou num processo necessário? Tudo foi por acaso ou por necessidade?
A sua resposta: "Segundo a ciência moderna, pelas duas coisas ao mesmo tempo: somos o resultado do acaso e da necessidade num universo fértil." O nosso Sol é uma estrela de terceira geração. Precisamos de três gerações de estrelas para conseguir uma capaz de fornecer os elementos necessários para a vida. É isso que se quer dizer com a fertilidade do universo: mediante processos físicos no universo, construir a química necessária para a vida.
É preciso contar com as leis da natureza. Por exemplo, quando dois átomos de hidrogénio se encontram, pode formar-se uma molécula de hidrogénio, mas também pode acontecer que não, devido às condições de temperatura e pressão. Não deve surpreender-nos que, por acaso, dois átomos se encontrem num momento em que as condições são adequadas, formando uma molécula de hidrogénio. Isso é "acaso", mas também é algo mais. Podemos determinar uma probabilidade de que isso aconteça. Nalgumas galáxias, é mais provável. É uma combinação de acaso e de necessidade, mas, num universo fértil, há muitas possibilidades de que isso ocorra.
Então, "com toda esta química à disposição durante 14 mil milhões de anos, o acaso e a necessidade trabalharam juntos para construir moléculas cada vez mais complexas. Assim, obtemos proteínas, aminoácidos e açúcares, ADN, fígados, corações, e, por fim, o cérebro humano, através da evolução biológica".
Conhecemos, portanto, o processo científico que nos levou a ser o que somos. Foi Deus que fez isto? "Falando como cientista, a minha resposta é: não sei." A ciência não tem possibilidade de responder. Posso ficar e fico surpreendido com a existência deste movimento. Para mim, como cientista, "o ser humano é um organismo biológico complexo" e "não posso falar sobre o seu carácter espiritual"; "como objectos materiais no universo, seria difícil para mim, como cientista, defender que somos especiais". A criação tem carácter evolutivo e há processos aleatórios, e não sabemos completamente para onde se dirige. Enquanto cientista, "também não posso falar de Deus", pois, nessa altura, não estaria a fazer ciência. "Creio que é muito importante na sociedade moderna, sobretudo na América, não confundir o que sabemos pela ciência com o que sabemos pela filosofia, a teologia, a literatura e a música."
Há cientistas que dizem que os crentes estão enganados, mas a maioria respeita profundamente a fé religiosa. Aliás, o próprio ateísmo "já é uma prática da fé", pois "um ateu não pode demonstrar que não há Deus". A experiência humana é mais ampla do que as explicações racionais, e "a fé vai para lá da razão, mas não está em contradição com a razão". G. Coyne acredita no Deus revelado por Jesus.
De novo: o homem é especial? "Ser especial enquanto peça material no universo é uma coisa; ser especial ao conhecer a história religiosa e viver uma vida cheia de fé é outra. Mas continua a ser um desafio."