Por Anselmo Borges,
no DN de hoje
Hartmut Rosa
O tempo nunca ninguém o viu. Claro, não me refiro ao tempo meteorológico, mas àquele tempo que no faz envelhecer e morrer: um dia já cá não estaremos. O tempo tem que ver com a finitude: é o modo como o ser finito se vai fazendo.
Há múltiplas experiências do tempo. Ele há o tempo circular, cíclico - tudo vai e tudo volta -, e o tempo linear, histórico e ascendente. Há o tempo entrecruzado: no presente, está vivo o passado - ele é o futuro do passado -, como está presente o futuro enquanto conjunto de projectos, de sonhos, esperanças e expectativas.
Claro, há o tempo dos calendários e medido pelos relógios, e há o tempo da duração interior, como reflectiu penetrantemente o filósofo Henri Bergson: há o tempo mecânico, quantitativo, e o tempo da consciência, qualitativo. E lá está o tempo irrequieto e enervante de uma noite de insónia, que nunca mais passa, semelhante ao tempo pastoso de uma conferência inútil e insana, que nos precipita para o relógio vezes sem conta, perguntando quando é que aquilo acaba. Ah!, mas também há o tempo sem tempo, o tempo de uma sinfonia, o tempo do amor, o tempo da criação: aquele tempo a que se referia, por exemplo, o filósofo Sören Kierkegaard, tempo de bênção, tocado pela eternidade.
Durante muito tempo, o tempo parecia estagnado, imóvel: o que é que mudava? Com a modernidade, o tempo acelerou. Mais recentemente, por causa das novas tecnologias, que nos permitem desenvolver várias actividades ao mesmo tempo e estar em contacto com todo o mundo quase simultaneamente, tudo se passa vertiginosamente, deu-se a "aceleração do ritmo de vida", numa mudança não já apenas intergeracional, mas intrageracional: pense-se nos casamentos e divórcios e, no que se refere ao mundo do trabalho, nas mudanças de emprego e actividade: para um americano com estudos superiores, onze vezes. Por isso, como sublinha o sociólogo Hartmut Rosa, professor na Universidade Friedrich-Schiller de Iena, o pai já não diz ao filho: "O meu mundo é o teu", mas: "Presentemente, as coisas são assim, mas prepara-te para a mudança."
Aqui, precisamente, surge um paradoxo. De facto, devido às novas tecnologias, que permitem fazer rapidamente o que antes demorava imenso tempo - por exemplo, uma viagem que durava oito horas faz-se agora em três, o que dá um ganho de cinco horas; antes, uma carta demorava a escrever o tempo que agora basta para escrever vários e-mails - deveríamos nadar em tempo. Ora, o que se passa é que todos nos queixamos de falta de tempo: ninguém tem tempo para nada, é o que se ouve a cada canto.
Explicação de Hart--mut Rosa: a tecnologia, em vez de resolver o problema do tempo, só o agrava. Porquê? "Com os carros ou a Internet é também a vida social que se acelera. A torrente e a velocidade da actividade social aumentam." Sim, é verdade que com o tempo da escrita de uma carta agora escrevemos mais de dez e-mails. Mas cada vez escrevemos mais e-mails e lemos mais ainda. É uma lógica exponencial, que não é devida à tecnologia, mas a "uma lógica de competição que nos é própria". Produzimos cada vez mais bens e consumimos cada vez mais também, numa espiral sem fim. Há cada vez mais opções e possibilidades e cada vez menos tempo para cada coisa, cada interesse, porque "a única coisa que não podeis aumentar é o próprio tempo".
Afinal, que procuramos nesta corrida vertiginosa que nos devora? A aceleração é "o equivalente funcional da promessa religiosa de vida eterna. Já não acreditamos numa vida eterna: mesmo os crentes duvidam do que se passa depois e concentram-se na vida antes da morte. De repente, pomos o nosso desejo de eternidade na multiplicidade das nossas experiências. Sabemos que vamos morrer, mas, antes, há uma infinidade de experiências, de pessoas que queremos conhecer, encontrar. A vida boa é definida pela riqueza das experiências que podemos ter. Multiplicar por dois a velocidade permite multiplicar por dois as experiências. É isso que de modo difuso procuramos no prazer que pomos em multiplicar as nossas actividades". Pergunta-se: e somos mais felizes?