Religiões proféticas
Anselmo Borges
Continuo a reflexão da semana passada sobre as religiões mundiais. Hoje, sobre as religiões proféticas, abraâmicas, monoteístas.
Em primeiro lugar, o judaísmo. Quantos cristãos se lembram de que Jesus era judeu e de que os primeiros discípulos também? Não se pode esquecer o que há de comum entre judaísmo e cristianismo. Também o cristão acredita em um só Deus, o Deus criador e consumador do mundo e da história, em quem o homem pode, com razões, pôr a sua confiança. Também aceita a Bíblia Hebraica ("Antigo Testamento") e reza os Salmos. Também o cristão está vinculado por uma ética da justiça e da promoção da paz, na base do amor de Deus e do próximo. Como disse Thomas Mann, referindo-se aos Dez Mandamentos, eles são "manifestação fundamental e rocha da decência humana", "o ABC da conduta humana".
Há hoje 1300 milhões de muçulmanos, seguindo o Profeta Maomé, que está na base do islão. Como os judeus e os cristãos, os muçulmanos crêem num só Deus, o criador misericordioso, providente e juiz da História. Mas, enquanto para os judeus o centro é constituído por Israel como povo e terra de Deus e para os cristãos central é Jesus Cristo como Messias e Filho de Deus, esse centro para os muçulmanos é o Alcorão como palavra e livro de Deus. Ele é o livro vivo e sagrado para os muçulmanos em todo o mundo. Nele, encontram o seu modelo de vida, de que fazem parte os chamados cinco pilares do islão: acreditar que Alá é o único Deus e Maomé o seu profeta; rezar cinco vezes ao dia; auxiliar os pobres; jejuar durante o mês do Ramadão; ir em peregrinação a Meca uma vez na vida.
E o modelo cristão? O fundamento da espiritualidade cristã não se encontra em dogmas por vezes incompreensíveis ou em sublimes mandamentos morais nem numa grande teoria ou num sistema eclesiástico. O modelo de vida cristão é pura e simplesmente Jesus de Nazaré como o Messias, o Cristo, o Ungido e Enviado de Deus. Na vida e na morte, o fundamento da autêntica espiritualidade cristã é Jesus Cristo, um desafio vivo para a nossa relação com os homens e com o próprio Deus, orientação e critério para mais de 2 mil milhões de seres humanos em todo o mundo. Cristão é aquele ou aquela que na sua vida e também na morte se esforça por orientar-se na prática por este Jesus Cristo e o seu Evangelho do Reino de Deus. A cruz só se entende à luz da sua vida e dos conflitos que criou. Mas os cristãos são transportados pela convicção de fé de que a sua morte não foi o fim: a ressurreição significa que Jesus está em Deus, que morreu não para o nada, mas para a Realidade mais real, isto é, foi recebido na vida eterna de Deus. Ele é, assim, o modelo cristão de vida em pessoa.
Logo a partir desta experiência existencial resulta que nenhuma religião se pode considerar como a única via de salvação. Quem poderia reclamar esse privilégio? Pelo contrário, percebe-se que as religiões, agora do ponto de vista teológico, em vez do confronto precisam de entrar no diálogo, corrigir-se e enriquecer-se mutuamente, colaborar.
Como conclui Hans Küng, podemos aprender uns com os outros, não apenas tolerar-nos, mas cooperar; temos o direito de debater sinceramente sobre a verdade: ninguém tem o monopólio da verdade, embora isso não signifique renunciar à confissão da verdade própria - "diálogo e testemunho não se excluem"; cada um deve seguir o seu caminho comprovado, mas conceder que os outros podem encontrar a salvação através da sua religião; vendo as coisas de fora, há diferentes caminhos de salvação, diversas religiões verdadeiras, mas, a partir de dentro - por exemplo, "para mim como cristão crente", só há uma religião verdadeira: a minha; a atitude ecuménica significa ao mesmo tempo "firmeza e disposição para o diálogo": "para mim pessoalmente, manter-me fiel à causa cristã, mas numa abertura sem limites aos outros."
Não há verdade abstracta. Por um lado, Deus revela-se na história. Por outro, a pessoa religiosa relaciona-se com o Divino pela mediação histórico-concreta de uma tradição religiosa particular.
In DN