O diabo não está no Credo
Anselmo Borges
Quando me falam do diabo, lembro-me especialmente de dois. Um, na catedral de Friburgo, na Alemanha, a defecar lá do alto. O outro está na catedral de Basileia, tentando uma mulher que sorri, no enlevo da sedução. O diabo, do grego diábolos - que desune -, em contraposição a símbolo (symbolon) - que reúne -, que também dá pelo nome de Demónio, Satanás, Belzebu, Mafarrico, Maligno, Satã, Lúcifer (o que traz luz)..., enriqueceu enormemente a escultura e sobretudo a pintura, nas igrejas, nas catedrais, nos museus.
Esteve recentemente em Lisboa o padre espanhol José António Fortea, exorcista famoso, para apresentar o seu livro Summa Daemoniaca, no qual oferece, como diz o título, uma súmula do mundo demoníaco.
Para ele, os demónios são "seres espirituais de natureza angélica condenados eternamente". São anjos que se transformaram em demónios, porque livremente se fixaram na desobediência à Lei divina. Fortea afirma que há casos de possessões diabólicas, embora poucos, que é preciso distinguir dos casos de influência demoníaca, que são bastantes. Uma vez, numa sessão de exorcismo, apanhou uma dentada no pescoço, que, felizmente, desapareceu horas mais tarde: "Fazer uma conferência com uma dentada no pescoço, por cima do cabeção, teria sido embaraçoso."
Quem não poupou críticas foi o eminente exegeta padre J. Carreira da Neves, apresentador do livro, confessando mesmo a António Marujo: "Se tivesse lido o livro antes de aceitar o convite, não o teria feito." "A fundamentação bíblica é fortuita, muito pobre, até porque o autor não é exegeta."
Já na década de 60 do século passado, um dos maiores exegetas católicos, professor da Universidade de Tubinga, Herbert Haag, escreveu uma obra justamente célebre Abscied vom Teufel (Adeus ao diabo), mostrando que não há qualquer fundamento para a crença no demónio.
O que se passa é que há o mal no mundo e o seu horror: sofrimento, traições, torturas, genocídios, doenças esmagadoras. Donde vem o mal, se Deus é infinitamente bom? O diabo poderia, numa primeira aproximação, ser um explicação. Ele tentou e tenta o ser humano, este cai na tentação e provoca o mal. Mas já Immanuel Kant pôs na boca de um catequizando iroquês a pergunta: Por que é que Deus não acabou com o diabo? E há uma outra pergunta: Quem tentou os anjos, para que eles, de bons, se transformassem em demónios?
Colocar o diabo ao lado de Deus, no quadro de um dualismo maniqueu, é uma contradição. O diabo não explica nada. O mal é inevitável por causa da finitude.
É verdade que nos Evangelhos Jesus aparece a expulsar os demónios. Certamente participou da crença do seu tempo, que atribuía as doenças ao demónio. Hoje sabemos que se tratava de pessoas com ataques epilépticos ou sofrendo de histeria, de doenças do foro psiquiátrico. E não se pode esquecer a linguagem simbólica. Caso paradigmático é o daquele passo no qual Jesus expulsa os espíritos malignos - "o meu nome é Legião" - de um homem apanhado pela desgraça, enviando-os para uma vara de porcos (uns dois mil), que se precipitou no abismo do mar. Tudo se torna claro, quando se sabe que o porco era um animal impuro e o mar, o lugar dos monstros e símbolo do mal.
É essencial perceber que Jesus anunciou Deus e o seu Reino e não Satanás. O diabo não faz parte do Credo cristão. O diabo apenas pode aparecer como símbolo personificado de todo o mal que ainda aflige a humanidade, mas que Deus combate e a que há-de pôr termo, segundo a Boa Nova de Jesus.
O diabo não pode ser apresentado como concorrente de Deus, uma espécie de Anti-Deus, nem faz sentido pensar que ele se mete nas pessoas, para tomar conta delas. Não há possessos demoníacos, mas apenas doenças e doentes de muitas espécies, que é preciso ajudar. E, se Jesus anunciou Deus e não Satanás, o que faz falta é combater tudo o que na vida pessoal e pública é diabólico e impede o Reino de Deus: a injustiça, a corrupção, o orgulho, a ignorância, a falta de solidariedade.