ou o caos que se aproxima?
Em entrevista breve, por motivo do Prémio Pessoa, o bispo do Porto disse que “Os portugueses sobrevivem apesar de Portugal”. Sempre num contexto sócio-económico, diz ainda que “Portugal é um país crítico”. E acrescenta: “Portugal, como estudo de caso, é uma coisa apaixonante, porque é um país que não tinha nenhuma razão para subsistir e subsiste” (Expresso, caderno “Actual” 18-12-2009).
Não vi reacção, positiva ou negativa, a estas palavras de opinião livre de uma pessoa culta e atenta, pessoa que, neste momento, não falta, na comunicação social, quem a traga, frequentemente, à ribalta.
Guardei o jornal e recordei o que fora dito, para poder, com o dedo na mesma tecla, opinar também sobre o palco político que se nos abre e convida, sobremodo, a reflectir outras facetas deste “estudo de caso” e deste “país crítico”, dado que se vão gerando e disseminando preocupações em catadupa.
O panorama partidário é preocupante, como está à vista: os interesses pessoais sobrepõem-se aos problemas comuns e urgentes; na casa desarrumada, à espera de quem aí ponha ordem, surgem novos arruaceiros; as muitas contradições, que ninguém quer assumir, multiplicam-se escandalosamente; o prestígio pessoal e o desdém antecipam e perturbam, sem razões de estado, acontecimentos de cariz público, sem que se atenda às consequências; desfazem-se referências necessárias em troca de palavras vãs, que já ninguém respeita; os debates políticos vão se tornando uma náusea e só favorecem o narcisismo de alguns intervenientes, deliciados por se ouvirem a si próprios; aos problemas vitais responde-se com floreados, em vez de dar razões convincentes e de tomar decisões que levem a soluções esperadas.
Vemos, entretanto, isso sim, multiplicarem-se as vocações de parlamentares, tal o modo de os deputados dos diversos partidos se interpelarem e não se ouvirem, da ardilosa maneira de fugir às questões, do jeito descarado de fazer passar, por dogmas indiscutíveis, intervenções vazias de conteúdo e de sentido, da discussão palavrosa e inconsequente de problemas que requerem respostas urgentes, do aplaudir, frenético e comandado, de banalidades travestidas de retórica barata…
Generaliza-se a sensação de que os políticos sérios aguentam mas não acreditam que o país tenha saída. Nesta babilónica balbúrdia admiramos a paciência atenciosa e delicada do Presidente da Assembleia e dos que ainda por lá andam com inegável amor à Pátria e preocupados em lhe lançar uma bóia que a não deixe afogar.
E o que, no meio disto tudo, se vai lendo e ouvindo? “A Espanha é a nossa solução”, “Salazar, para quem as coisas não eram só projecto, eram concebidas para se fazerem… Ele que não acreditava na capacidade dos portugueses para se auto governarem”, e, ainda, “confiança e bom senso são coisas que não abundam entre alguns políticos”… Tudo isto palavras de gente com nome na praça, porque, se ouvirmos o homem da rua que ainda consegue, neste caos, guardar a lucidez, a sua eloquência é ainda mais cáustica.
A quem interessa ou pode interessar o desprestígio da acção política e da classe política? Só a peixes de águas turvas ou a fautores, que não faltam por aí, do quanto pior, melhor.
O país não está a saldo - por enquanto, dirão alguns - e os órgãos da soberania não são um ornato da nação, como não podem ser um pesadelo A saída tem de se operar com gente normal que ponha os interesses de todos acima dos próprios. Seja realista, não malabarista.
Não estamos num circo de fantoches, nem numa feira de vaidades. Estamos num espaço de vida, onde a vida é ainda possível. Só ela pode exorcizar o caos que espreita.
António Marcelino