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Os cristão devem ser mais fraternos
com os seus padres
Foi em 1957. Já lá vão muitos anos. Um tempo de trabalho pastoral, em França, durante o mês de Agosto, para que o pároco de uma pequena cidade pudesse ter uns dias de férias, deu-me ocasião para ir em peregrinação a Ars. Uma aldeia pequena e pobre, cuja história é de um pároco humilde e santo.
Respirei ali a presença e a acção de um padre, simples e discreto, grande, como são sempre os santos. O seu rasto, que nunca se apagou, cento e cinquenta anos depois, ilumina agora mais. Entrou na história da Igreja como padroeiro dos párocos, título que não é de somenos. Agora, por decisão do Papa, o Ano Sacerdotal tem-no como grande referência a atender.
Templo, casa paroquial, tudo tão pobre, tão pequeno e tão humilde! Dizem-me, e assim leio, que, hoje, Ars já não é a pequena aldeia escondida na montanha. Recebe muita gente que vai no encalço do seu famoso “cura”, e dispõe de meios adequados para a acolher e albergar. Posso testemunhar agora que então não era assim.
Para um padre novo de vinte e sete anos, destinado a formar padres ao regressar a Portugal, foi muito importante palpar em Ars a pobreza de tudo, para perceber melhor a riqueza de uma vida que se gasta a servir os outros, por amor, para perceber que os obstáculos a andar para a frente estão dentro de nós. Não fora nem nos outros.
Tinha lido, com entusiasmo incontido, a biografia de João Maria Baptista Vianney, assim se chamava o Cura de Ars. A visita à que fora a sua paróquia, teve, por isso, um sabor especial. Uma peregrinação discreta, que deixou marcas. Andei pelas mesmas ruas, rezei na igreja paroquial, onde ele rezou, celebrou e foi confessor, horas sem conta, entrei na casa, onde viveu, guardada como no seu tempo e embelezada apenas com a baixela da maior pobreza, ouvi gente que trazia no coração o padre que alimentou a fé de seus avós e trouxera a Ars gente de toda a França à procura de perdão e de paz.
São assim os santos que nem sabem que o são, porque não perdem tempo a olhar para si. Todo o tempo é pouco para contemplar, serenamente, o rosto de Deus e para escutar, com o coração, apelos vindos de todo o lado. E, mais ainda, os apelos de muitos para quem o padre antes era indiferente, mas que, depois, já não dispensável, amigo e sábio conselheiro, com o seu irresistível fascínio e o seu jeito de acolher, compreender e amar.
Volto de novo a ler e a saborear, com calma e tempo, “O Cura de Ars” de Francis Trochu, uma obra premiada pela Academia Francesa. Releio com novo gosto, ao mesmo tempo que recordo os párocos que foram passando na minha vida, ao longo dos anos, e foram deixando, também eles, sinais de zelo generoso e de santidade a toda a prova. Cabouqueiros silenciosos de muitas vidas cristãs, heróicas e consistentes, moldadas pelo Evangelho por eles testemunhado, e capacitadas, assim, para traduzirem a força e a riqueza da sua fé, muitas vezes no meio de dificuldades e incompreensões.
No dia 4 de Agosto celebra-se a festa litúrgica do santo Cura de Ars. Jamais me esqueço nesse dia, e noutros se tal se proporciona, de indagar dos cristãos presentes, se alguma vez se lembraram de agradecer a Deus os padres que passaram e estão passando nas suas vidas e de lhes dar lugar na sua oração. Não faltam surpresas. E, caso mais raro, gestos de gratidão e fé, para recordar sempre, como o daquela velhinha que me dizia que rezava todos os dias pelos padres que, em nome de Deus, lhe absolveram os seus pecados durante a vida.
O padre é, normalmente, mais criticado do que amado. Sobre ele recaem mais exigências que gratidão.
O Ano Sacerdotal deve ajudar os cristãos a serem mais fraternos com os seus padres. O padre não existe para si. Guarda consciência que sempre cairão sobre ele olhos de exigência. Mas olhos que o estimulem. A sua vida e a sua história interfere na vida e na história de muitos jovens e adultos, que no padre amigo encontraram um rumo que os dignifica e os torna úteis aos outros.
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António Marcelino