Embora só ouça na estrada, sigo sempre, com grande interesse, o fórum da TSF, com as muitas intervenções de rádio ouvintes, que pedem a palavra para dar a sua opinião sobre o tema anunciado. A situação social, a crise que se instalou no país, os problemas do desemprego, da escola, da família, as leis mais discutíveis, o divórcio injusto e compulsivo, as falências de bancos e de empresas, o futebol, tudo por ali passa.
Vou acolhendo quer os gritos de dor, que são os dos eternos atingidos por todas as crises e acontecimentos sociais mais preocupantes para as pessoas individuais, as famílias, os trabalhadores e as pequenos empresários, quer as opiniões coloridas dos simpatizantes e dos partidários, políticos e sindicais, que tanto atacam e desprezam, como louvam e defendem. Há ainda a opinião dos cidadãos sabedores e sensatos…
Não há lugar para responder a opiniões contrárias, nem para polémicas. Todas as opiniões valem como expressões livres e desabafos incontidos. O moderador mantém-se sereno, deixa que cada um se exprima com igual direito, apenas controla o tempo.
É verdade que, também ali, as razões se sobrepõem às opiniões, porque exprimem vida e não teorias. Por outro lado e para além do programa, fica, normalmente por cima, o poder de quem manda e decide e raramente tem tempo para ouvir a voz do povo e lhe pesar as razões. Por baixo, e além do programa, permanece o sofrimento de quem mergulha no duro da vida, na insegurança do presente e do futuro e na dor de quem se sente marginalizado nas opiniões que lhe respeitam e excluído das decisões que o afectam.
Há dias, o tema era a actual crise social e suas consequências que ocupava o espaço e as atenções dos ouvintes e dos participantes. O tempo esgotou-se sem que todos se pudessem fazer ouvir. Surgiu, obviamente, o confronto entre o litoral e as grandes cidades, zonas que mais beneficiam, e o interior do país, carente de muitas coisas fundamentais, com aldeias esquecidas de benefícios, que não do pagamento de impostos. Surgiu o confronto entre as grandes empresas sem rosto, que a um pequeno espirro logo lhe acorrem políticos locais e governantes centrais com paninhos quentes, e as pequenas empresas, que produzem, dão trabalho e geram emprego local, asfixiadas, a pouco e pouco, com leis iguais e atenções e oportunidades diferentes. Empresas que, por mais que gritem, raramente se fazem ouvir. E, mais ainda, milhares de lares sem casa de banho, milhares de famílias com ordenados de miséria, idosos com reformas de igual ordem, milhares de pais sem poderem ajudar os filhos ir mais longe, milhares de pessoas desanimadas e sem saída para problemas prementes, um mundo de jovens sem perspectivas de futuro e de gente que não acolhida, nem respeitada e estimulada.
Hoje as pessoas podem falar e desabafar. Mesmo que exagerem - quando o coração se solta isso acontece com todos nós - há sempre um pano de fundo a espelhar que as coisas não estão bem e que a realidade é dura para muitos, todos os dias, dia e noite.
Estranho é ver como se cala e distorce a realidade conforme os interesses e as conveniências, e como se esquece que, mesmo tendo o país, nas últimas décadas, melhorado em muitos aspectos, há problemas que persistem e outros surgiram, não menos graves que os de ontem. A destruição das famílias, a corrupção nos negócio e na vida diária, a insegurança em tantos meios, a ilusão dos supérfluos e a míngua de pão, aí estão, ao lado de tantos outros, a confirmar que problemas não faltam.
A verdade, moeda rara e pouco corrente, é um direito de todos. Pode abalar prestígios, mas não custa dinheiro. Apenas exige coragem, dignidade e respeito, para que todos, a seu modo, saibam o porquê das crises e se tocam a todos ou apenas e sempre aos mesmos. A verdade é dever de todos mesmo à mesa do café.
António Marcelino