O tamanquinho
No 3º quartel do século XX, ainda existia um ambiente marcadamente rural, nestas terras da Gafanha.
A vida fluía… ao ritmo da carroça puxada por uma vaca pachorrenta, gemendo nos gonzos a falta de lubrificação; de uma mulher que carregava um taleigo de milho à cabeça, até à moagem próxima, para o trocar por farinha de milho; de uma lavadeira que transportava para a “fonte”, cavada nas dunas da mata nacional, a bacia de roupa encaixada na banca, mais a enxada e o cabaço com que tirava a água do lençol freático; duma porca ou de uma vaca que percorriam o caminho do prazer, até ao posto de cobrições da freguesia; de um albitar que vinha em socorro de alguma vaca ou porca parideiras que não conseguiam expulsar, para luz do dia, as suas preguiçosas crias; etc, etc.
As mulheres e algum homem que escapara, à vida dura, da pesca do bacalhau, ocupavam-se numa agricultura de subsistência, para contribuir em casa, no magro orçamento doméstico.
Por essas alturas a vida material resumia-se ao essencial e os bens de consumo não existiam com a abundância quase atentatória das bolsas mais humildes, como hoje são exibidos nas grandes superfícies comerciais.
Foi neste contexto que se passou esta cena ternurenta.
A Menina, na sua tenra idade e alheada da vida dos adultos, nem se apercebera da chegada do Natal. Este insinuava-se no espírito dos mais velhos que o transmitiam, subliminarmente, aos seus descendentes. Sem árvore de Natal, sem luzinhas multicores e ornamentações apelativas ao consumismo desenfreado, a Menina esquecera completamente esta efeméride do calendário religioso.
O pai que lhe declamava, à lareira, os Lusíadas de Camões, que revelava uma erudição invulgar para a época, chama-a, ao dealbar do dia de Natal:
- Menina, vem cá à cozinha, depressa! Vê o que está aqui no borralho!
Todo o espanto do mundo inundou o olhar da garotinha, pois não compreendeu como o Menino Jesus lhe pusera lembranças no tamanquinho, sem ela o ter lá colocado.
E com o ar mais cândido do mundo, rondava os 5, 6 aninhos, pergunta!
- Meu pai! Como é que o Menino Jesus sabia onde eu tinha arrumado os meus tamanquinhos?
Se o Menino Jesus já possuísse um GPS, no século passado, ... aquele espanto teria sido descabido!!!
Mª Donzília Almeida