segunda-feira, 21 de abril de 2008

APONTAMENTOS SOBRE RELAÇÕES IGREJA(S)-ESTADO (2)


1. O cristianismo constituiu, na História da Humanidade, uma revolução. “Deus é amor” e “adora-se em espírito e verdade”. Todos os seres humanos são iguais em dignidade. Não há impurezas rituais nem tabus alimentares. “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. E o que é mais: segundo o capítulo 25 do Evangelho de S. Mateus, em ordem à salvação, nada é exigido de confessional cristão, pois o determinante é profano – um critério de humanitariedade: “Destes-me de comer, de beber, vestistes-me, fostes ver-me ao hospital e à cadeia.”
2. Depois, de facto, historicamente, é o que se sabe: uma história de grandeza e de miséria. Exemplos de miséria: intolerância religiosa, guerras, civilizações arrasadas, mesquinhez dogmática, menosprezo pelos direitos humanos.
3. Quando se pensa na maldição de guerras religiosas e de discriminação por motivos de religião, a separação da religião e da política, da(s) Igreja(s) e do Estado tem de ser saudada como conquista irrenunciável da modernidade.
Sem ela, torna-se inevitável a cidadania diminuída de quem não segue a religião oficial. Por outro lado, é a própria religião que, ao confundir-se com a política, se degrada.
Evidentemente, salvaguardada a liberdade religiosa, as religiões têm o direito de tentar influenciar segundo a sua fé e valores a sociedade e as leis. O que não é aceitável é que o Estado se reja por leis religiosas: por exemplo, um Estado em que a maioria da população é católica não pode reger-se pelo Código de Direito Canónico, o mesmo devendo ser aceite, por princípio, em relação à Sharia num Estado em que a maioria da população é muçulmana.
4. O ridículo, mas sobretudo o religioso, é sempre ridículo. Como foi possível discutir, por exemplo, se Moisés era o autor do Pentateuco, quando nele se narra a morte do próprio Moisés? Como é possível pensar no Alcorão enquanto ditado por Deus, se há nele contradições? Como é possível atribuir a Deus guerras e violências e apelos ao ódio? Sem a leitura histórico-crítica dos textos sagrados, as religiões não distinguirão entre Deus e o Diabo.
Também por isso, para fugir à ignorância mútua, à irracionalidade e ao fundamentalismo, deveria trazer-se para as escolas públicas o estudo das diferentes religiões.
5. Hoje, tornou-se claro que, em ordem à paz e para evitar o choque das civilizações, se impõe o diálogo entre as culturas e as religiões.
O diálogo, porém, não pode ser unidireccional. A liberdade religiosa implica a possibilidade real de praticar a fé, abandonar uma religião, adoptar outra ou nenhuma, problemas que ainda não encontraram solução em muitos países islâmicos e não só -- pense-se no jornalista italiano Magdi Allam, muçulmano convertido ao catolicismo e obrigado a viver com escolta policial.
A injusta invasão do Iraque agravou ainda mais a situação dos cristãos no Próximo e Médio Oriente, e praticamente só o filósofo agnóstico Régis Debray tem chamado a atenção para os pedidos de socorro desses cristãos. Pergunta ele: “Quando se vai compreender que a Europa não pode fazer orelhas moucas aos SOS lançados pelas comunidades cristãs do Oriente? Esses apelos por socorro perdem-se a maior parte das vezes no vazio. Não é apenas uma questão de compaixão humanitária, mas de interesse estratégico: um mundo árabo-muçulmano desembaraçado da sua componente cristã autóctone não se condenaria apenas ao estiolamento e à esterilidade, uniformizando-se. Será tanto mais dado à guerra das civilizações quanto mais se quiser e puder proclamar religiosamente puro. A questão não é passadista nem folclórica. Trata-se do nosso futuro e não apenas europeu. A questão das minorias vai impor-se a nós como a grande questão do século, na exacta medida em que a unificação tecno-económica do mundo suscitará sempre mais a sua balcanização político-cultural.”
Embora se não possa esquecer as responsabilidades dos cristãos no Médio Oriente, são de saudar conversações em curso para finalmente se abrir um templo católico na Arábia Saudita.
Anselmo Borges
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NOTA: Há, de facto, leitores simpáticos. Desde sábado que fiz todos os esforços para colocar o artigo de Anselmo Borges no meu blogue, como é meu hábito todas as semanas. Sei que há inúmeros leitores deste docente da Universidade de Coimbra. Contudo, nada consegui, porque o DN não estava on-line. Hoje de manhã ainda desejava voltar ao DN. Antes disso, porém, recebo um e.mail com a crónica de Anselmo Borges, que me foi enviada, simpatica e oportunamente, por FCS, pelos vistos uma leitora do meu blogue. Aqui lhe agradeço o gesto bonito. Obrigado.
FM

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