terça-feira, 8 de março de 2005

DIA INTERNACIONAL DA MULHER - 3

ANTÓNIO GEDEÃO Calçada de Carriche Luísa sobe, sobe a calçada, sobe e não pode que vai cansada. Sobe, Luísa, Luísa, sobe, sobe que sobe sobe a calçada. Saiu de casa de madrugada; regressa a casa é já noite fechada. Na mão grosseira, de pele queimada, leva a lancheira desengonçada. Anda, Luísa, Luísa, sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Luísa é nova, desenxovalhada, tem perna gorda, bem torneada. Ferve-lhe o sangue de afogueada; saltam-lhe os peitos na caminhada. Anda, Luísa. Luísa, sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Passam magalas, rapaziada, palpam-lhe as coxas não dá por nada. Anda, Luísa, Luísa, sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Chegou a casa não disse nada. Pegou na filha, deu-lhe a mamada; bebeu a sopa numa golada; lavou a loiça, varreu a escada; deu jeito à casa desarranjada; coseu a roupa já remendada; despiu-se à pressa, desinteressada; caiu na cama de uma assentada; chegou o homem, viu-a deitada; serviu-se dela, não deu por nada. Anda, Luísa. Luísa, sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Na manhã débil, sem alvorada, salta da cama, desembestada; puxa da filha, dá-lhe a mamada; veste-se à pressa, desengonçada; anda, ciranda, desaustinada; range o soalho a cada passada, salta para a rua, corre açodada, galga o passeio, desce o passeio, desce a calçada, chega à oficina à hora marcada, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga; toca a sineta na hora aprazada, corre à cantina, volta à toada, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga. Regressa a casa é já noite fechada. Luísa arqueja pela calçada. Anda, Luísa, Luísa, sobe, sobe que sobe, sobe a calçada, sobe que sobe, sobe a calçada, sobe que sobe, sobe a calçada. Anda, Luísa, Luísa, sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Poesias Completas (1956-1967)

LEITURAS

1 – Sobre o Dia Internacional da Mulher, leia: No PÚBLICO, “MULHERES EM PORTUGAL, NA EUROPA E NO MUNDO...”; Na ECCLESIA, “Marcha das mulheres, caminho de esperança!” ; Na ECCLESIA, novamente, uma denúncia do Vaticano, "Santa Sé denuncia escândalo da pobreza que atinge as mulheres";
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DIA INTERNACIONAL DA MULHER - 2

As mulheres da Gafanha As mulheres da Gafanha merecem um estudo profundo sobre o seu papel na construção das povoações e das comunidades desta região banhada pela Ria de Aveiro. É certo, porém, que alguns estudiosos e escritores de renome já se debruçaram sobre elas, cantando loas à sua tenacidade e coragem, mas elas merecem mais. Há décadas, e é sobre essas mulheres que nos debruçamos hoje, elas eram as mães solícitas e amorosas dos filhos, mas também os "pais" que garantiam o sustento da casa, enquanto os maridos se aventuravam nas ondas do mar na busca de mais algum dinheiro que escasseava em terra. Em jeito de desafio a quantos podem e devem, pelos seus estudos e graus académicos, retratar as nossas avós, com rigor histórico, já que, hoje e aqui, não há lugar nem tempo para isso, apenas indicamos algumas pistas, que há mais de 50 anos nos foram oferecidas por Maria Lamas, na célebre obra "As mulheres do meu país" que viu há tempos a luz do dia em 2ª edição, numa iniciativa da "CAMINHO", e que tão esquecida tem andado. Diz a escritora que "A seca do bacalhau na Gafanha emprega muitas centenas de mulheres, durante parte do ano, havendo secas onde o trabalho é permanente, porque abrange duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões", acrescentando que, "Pelos costumes e ambiente em que vivem e ainda porque tanto se entregam à lavoura como à faina da seca ou qualquer outra que se lhes proporcione, elas conservam, sob certos aspectos, a mentalidade da mulher do campo; mas a disciplina das tarefas realizadas em comum ou distribuídas numa coordenação de actividades, o sentido das responsabilidade, os horários fixos e ainda o contacto com outras realidades directamente ligadas ao seu próprio esforço vão-lhes dando uma noção diferente da vida e criando consciência da importância do seu labor". Mais adiante, tece algumas considerações sobre as raparigas da Gafanha, sublinhando: "Estas jovens do povo parece que se vão distanciando, no trajar e nos gostos, das suas mães. Trabalham na terra, quando a faina da seca termina, mas quando vão à cidade apresentam-se vestidas como se lá vivessem. Gostam de ir ao cinema, se têm ocasião para isso; discutem o 'que se usa'; são raras, porém, as que mostram interesse pela leitura. Casam, quase sempre, com operários dos estaleiros ou pescadores de bacalhau. Depois de casadas perdem muito da sua vivacidade e até o gosto na sua pessoa - a não ser uma ou outra de personalidade mais definida. A pouco e pouco vão seguindo o caminho das outras mulheres que, antes delas, foram novas, engraçadas e um tanto rebeldes contra o pensar das mães. Insensivelmente, adaptam-se à vida sacrificada, em que tudo é trabalho, sobressaltos e luta pelo pão. Mesmo quando conseguem certo desafogo económico, o espírito mantém-se-lhes embotado e alheio ao progresso do Mundo, fora dos seus interesses pessoais e imediatos". Ao recordar este estudo de Maria Lamas, quisemos tão-só homenagear as mulheres trabalhadoras e corajosas que ajudaram, e de que maneira, a construir a Gafanha que hoje conhecemos. Fotos de gafanhoas ilustram "As mulheres do meu país". E aqui ficam, algumas, como desafio a todos os gafanhões, para que sejam identificadas pelas actuais gerações. Fernando Martins

DIA INTERNACIONAL DA MULHER - 1

Que se apresse uma nova consciência universal


 

Qualquer causa que se espelha nos habituais dias internacionais contém em si um misto de "memória" e de projecto. E ao mesmo tempo, à primeira vista, manifestam uma sofrida quase-ineficiência, uma imensa pequenez diante da própria difícil realidade. Lembrar o Dia Internacional da Mulher, em sociedades de raízes patriarcais que nos deram origem, quer ser oportunidade de lançar o olhar a fim de nos aproximarmos sempre mais de uma maturidade humana que parece que a cada momento se nos escapa. E aqui, qualquer posição extremista está sempre a mais: quer a indiferença, o deixar correr (até à constatação dramática da crescente denúncia de violência doméstica), quer a exuberante exaltação feminista que cega o horizonte, podendo paralisar a relação humana pacífica e saudável (até em fragmentada família). (...) 
Falar da mulher (como falar de homem) com integralidade, será também e essencialmente pensar a Família: como está? Que concepções e visões, problemáticas e esperanças, de hoje e para amanhã?... Há quem diga que (com tanta radicalidade em alguns sectores que se observa na chamada vida moderna... e com crianças que já há muito não recebem a educação de Pai e Mãe) estamos em caminhos de retrocesso em relação à própria dignidade de cada um. Homem e Mulher perdem(-se)! 
A valoração dignificante só se encontra pela alteridade, na relação com o outro, e nunca pelo isolado individualismo; aqui preside a ilusão, já que ninguém será autenticamente feliz sozinho. Quase dizemos que, quer queiramos quer não, temos de re-aprender a viver uns com os outros! Porquê 8 de Março - Dia Internacional da Mulher? 
A história não é animadora no contexto de revolução industrial. Neste dia, no ano de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entraram em greve. Ocuparam a fábrica a fim de justamente reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Estas operárias que, nas suas 16 horas recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica onde, entretanto, fora declarado incêndio. Morreram queimadas 130 mulheres. 
Em 1910, numa Conferência Internacional de Mulheres realizada na Dinamarca, foi decidido, em homenagem àquelas mulheres, comemorar o 8 de Março como "Dia Internacional da Mulher". Se da história, na antiguidade clássica (em Roma) a mulher infelizmente não era sujeito de direito ..., foi o horizonte do Cristianismo, com maior vigor a partir do século IX, que ajudou a criar sentido de humanidade rumo à dignificação da mulher. E tudo parte da família: na ideia da instauração do casamento monogâmico como factor decisivo (até para a progressiva intervenção na corte...), a mulher passou a ser o elemento essencial na constituição da família. 
Se o caminho sofrido já vai muito longo, que se apresse uma nova consciência universal, em que será o Ser Humano na sua essência e competência a viver caminhos situados de igualdade, onde nunca se tratará de clonar ideias de um inconsciente igualitarismo, mas um profundo e humilde apreciar a riqueza e beleza das tarefas diferenciadas de cada um na mesma construção da família e, por isso, do mundo mais humano.

Alexandre Cruz, do CUFC