quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 54

Uma lenda de Moçambique


A GAZELA E O CARACOL

Caríssima/o:

Por vezes, os contornos das lendas não estão bem definidos e surge a confusão de que é um bom exemplo esta fábula que como tal nos é apresentada!
Ora vejamos:
«Uma gazela encontrou um caracol e disse-lhe: "Tu, caracol, és incapaz de correr, só te arrastas pelo chão." O caracol respondeu: "Vem cá no Domingo e verás!"
O caracol arranjou cem papéis e em cada folha escreveu: «Quando vier a gazela e disser "caracol", tu respondes com estas palavras: "Eu sou o caracol"». Dividiu os papéis pelos seus amigos caracóis dizendo-lhes: "Leiam estes papéis para que saibam o que fazer quando a gazela vier."
No Domingo a gazela chegou à povoação e encontrou o caracol. Entretanto, este pedira aos seus amigos que se escondessem em todos os caminhos por onde ela passasse, e eles assim fizeram. Quando a gazela chegou, disse: "Vamos correr, tu e eu, e tu vais ficar para trás!". O caracol meteu-se num arbusto, deixando a gazela correr.
Enquanto esta corria ia chamando: "Caracol!". E havia sempre um caracol que respondia: "Eu sou o caracol." Mas nunca era o mesmo por causa das folhas de papel que foram distribuídas.
A gazela, por fim, acabou por se deitar, esgotada, morrendo com falta de ar. O caracol venceu, devido à esperteza de ter escrito cem papéis.
Comentário do narrador : "Como tu sabes escrever e nós não, nós cansamo-nos mas tu não. Nós nada sabemos!".»
A Maria Francisca, que começa a dar os primeiros saltitos na leitura, vai rir às gargalhadas quando perceber que a gazela se deixou ludibriar por um bichito tão pachorrento como é o caracol!
Afinal ele sabia ler!
E que melhor desejo teremos nós, os avós, para os nossos netos: que aprendam a ler bem e depressa para se deliciarem regaladamente com contos, lendas e outras estórias que depois nos contarão.

Manuel

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Na Linha Da Utopia



Migrações, o nosso ADN

1. Sendo a condição humana migrante por natureza, todos nascemos migran-tes, num tempo e espaço concretos. A viagem de cada história de vida e da grande história humana que nos prece-de, inscreve na árvore genealógica de cada pessoa um comum (ancestral) cha-mamento à unidade. 18 de Dezembro é o Dia Mundial do Imigrante. Estima-se que bem mais de 200 milhões de pessoas são esta comunidade migrante hoje, que, porventura, deixarão de o ser amanhã, pois os seus descendentes, se assim as condições forem dessa normalidade, farão a sua casa onde nascem e onde criam as suas raízes. As migrações que têm atravessado os séculos, conduziram-nos até ao presente, num gratificante (embora muitas vezes exigente, ou mesmo chocante) encontro de mentalidades e culturas.
2. Quando, por exemplo, no século passado, o cego orgulho dos nacionalismos trouxe à ribalta a ilusão da “raça pura”, as desumanas e grotescas consequências não se fizeram esperar…facto que também nos demonstra cabalmente que, vão as ideias dos homens onde forem, habita o nosso comum ADN essa condição migrante que se reveste de “uno” desígnio apreciador da diversidade. Vai crescendo esta mesma consciência da pluralidade de expressões de ser e de ver a outra cultura como parte de um todo que nos une. É neste sentido que surge a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (2002) que considera a cultura (a viver em encontro de culturas) como «o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afectivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças».
3. São as viagens dos séculos que herdamos, de que somos fruto em todos os 1001 cruzamentos de encontros e desencontros, migrações de que, afinal, provimos. Nesta razão, consequentemente, também ao Portugal viajante mestiço que fomos e somos, só pode haver um olhar sensibilizado e acolhedor, sendo todas as formas de exploração a diminuição de si próprio na limitação forçada do outro. Diga-se que se há grito contra a nossa própria identidade humana, numa comunidade portuguesa que continua a ter cerca de 5 milhões de concidadãos por esse mundo fora, é quando se verificam situações de exploração. Também aqui, o sentido itinerante, migrante, da própria origem natalícia, propõe-nos o inadiável convite existencial criador de proximidades. Afinal, (re)conhecendo o nosso ADN da condição humana, nascemos à mesma lareira.

Alexandre Cruz

DIA INTERNCIONAL DO MIGRANTE


UM SORRISO PODE SER
A NOSSA MELHOR AJUDA

Não há, creio eu, quem não esteja relacionado, directa ou indirectamente, com a migração. Familiares que tiveram de sair do nosso canto pátrio, para dentro do país ou para o estrangeiro, outros povos que chegaram aqui e aqui se fixaram. Causas dessas migrações, através dos tempos, são variadíssimas. Razões económicas, fome e sede, secas, perseguições políticas, gosto pela aventura, guerras, catástrofes naturais, amor e tantas outras, impossíveis de enumerar.
Admiro os migrantes. São, normalmente, pessoas inconformadas com o statu quo, teimando em desafiar o destino que as circunstâncias lhes ditaram. Querem mais e melhor, para si e para os seus, e saem com coragem para outras paragens, sabendo que têm de travar lutas para se adaptarem a novos ares, a novos hábitos, a novas formas de ser e de estar na vida, a novas línguas e diferentes modos de conviver. Normalmente, pelo que sei, adaptam-se com facilidade. Outros regressam vencidos. Nem todos convencidos.
Neste Dia Internacional do Migrante, cumpramos a obrigação de olhar para os que chegam até nós com sonhos legítimos, com simpatia e espírito de cooperação. Um sorriso nosso pode ser a nossa melhor ajuda.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

IMIGRANTES CLANDESTINOS




As televisões mostraram hoje imagens tristes da prisão de 23 imigrantes clandestinos, oriundos de Marrocos. Algemados como perigosos cadastrados, recolheram às instalações do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), sendo amanhã ouvidos em tribunal. Podendo ficar em Portugal 70 dias, depois desse período terão, certamente, de ser repatriados. Segundo disseram, o seu destino era Espanha.
Quando vejo cenas destas, recordo de imediato os muitos milhares de portugueses que na década de sessenta do século passado procederam precisamente como estes marroquinos. A salto, como então se dizia, esses nossos compatriotas tiveram de vencer inúmeros obstáculos para poderem viver e trabalhar em França. Um dos maiores bairros de lata, nos arredores de Paris, estava cheio de portugueses.
Tal como estes imigrantes que hoje tentaram ficar por Portugal, provavelmente para mais tarde rumarem a Espanha, os nossos compatriotas foram forçados a fugir da pobreza, da miséria, do desemprego, de vidas sem futuro. Muitos, talvez a maioria, conseguiram construir uma vida melhor e oferecer aos seus filhos, a nível social e profissional, o que Portugal não podia dar-lhes.
Estas reportagens sobre imigrantes que lutam por uma vida melhor comovem-me sempre. Fundamentalmente porque sei quanto familiares e amigos meus sofreram para singrar na vida, porque o nosso País não podia garantir-lhes nada. Era, então, um país fechado ao mundo, “orgulhosamente só”, pouco industrializado, com uma agricultura quase da Idade Média, com gente de pé descalço, muito pobre, em suma.
Estes imigrantes clandestinos, que hoje foram algemados, estão, afinal, na mesma situação dos portugueses que no século passado foram a salto para França, por montes e vales, ao frio e à chuva, levados por passadores que os exploravam até ao último escudo. Depois, em França, até conseguirem trabalho, a fome ainda os apoquentou uns tempos mais. Muitos conseguiram vencer. Outros saíram derrotados. As suas histórias, de sacrifícios sem conta, estão por conhecer em muitas comunidades portuguesas. Deles se registam, como símbolos das suas vidas, as habitações com traços franceses.

Fernando Martins

Na Linha Da Utopia



Semear (Natal) para colher

1. Cada vez mais será importante o pensar e repensar sobre o que semeamos. A sementeira dos valores fundamentais à vida e à convivência vai sendo “plantada” todos os dias, todas as horas. O tempo pré-natal ajuda-nos a valorizar e apreciar as coisas simples, lendo aí o melhor futuro que procuramos. Também nos interpela sobre “o que” e “como” semeamos, sobre o lugar do essencial num crescimento de quem quer sempre o melhor para os outros e para o mundo inteiro. Só semeando com qualidade se podem esperar frutos em conformidade. Essa qualidade, mais que nunca, também passará pela simplicidade da exigência diária, numa abertura acolhedora capaz de compreender as múltiplas situações… Uma tarefa sempre tão difícil e exigente quanto necessária à vida colectiva.
2. Semear para colher. O exemplo pode vir mesmo da faina agrícola. Um “semear” que depois precisa do tempo necessário. Tal como até a própria natureza nos demonstra, as plantam não nascem “à pressa”, o processo da vida não é “de repente”, os valores para uma sociedade fraterna não são um “clic” instantâneo. Tudo precisa de tempo, pois só no tempo tudo frutifica. Os antigos consideravam que tempo é sabedoria… Os lemas contemporâneos vão pouco por aqui. Tudo tem de ser rápido (demais), a ponto de desintegrar o tempo para a “sabedoria”. Estamos todos quase a ser transformados em “fazedores”, novos “robots”, em vez de “sabedores”. Só damos por “algo” que está errado quando nos confrontamos com a ausência de fruto, quando vamos à árvore procurar os frutos que não cuidámos devidamente…
3. Este tempo antes do Natal é uma época cheia de possibilidades no abrir das janelas do ser a novas perspectivas de viver. É altura (mais que o saturante comércio) de olhar e (re)parar um pouco na colheita que vamos conseguindo… Tudo porque o Natal será um valor profundo do coração e não uma coisa exterior que, passados uns dias, perde a validade. O (verdadeiro) Natal que quer chegar, na dignidade absoluta que O reveste, interpela grandemente todos os modelos sociais do nosso tempo, pois que nos abre ao sentido dos valores (infinitos) que nunca passam. Talvez, mais que nunca, no apelo à qualidade de viver, seja necessário ir à fonte do Natal e aí recompreender o que acontece(u). Haverá mais luz interior…e todos os dinamismos exteriores apuram a sua própria sensibilidade como serviço a toda a pessoa humana. Venha este Natal!


Alexandre Cruz

NATAL



NATAL À VISTA


Nos largos horizontes
em que me vejo e revejo
sinto e pressinto um Natal de paz
com pão para todos
e sem frio nos corações
Um Natal à medida da falta de amor
com sinos e sininhos a darem sinais
da possível
confraternização universal
Um Natal de sorrisos francos
como os sorrisos das crianças que brincam
descontraidamente
com o mundo que rebola a seus pés
nos jardins dos nossos sonhos
Um Natal branco
como a brancura dos que amam
a verdade e a justiça
Um Natal de ternura sem fim

Fernando Martins

POBREZA NO MUNDO

Conferência Europeia das Comissões Justiça e Paz denuncia falhanço no primeiro Objectivo de Desenvolvimento do Milénio



"A Conferência Europeia das Comissões Justiça e Paz vai levar a efeito uma acção conjunta que pretende chamar a atenção para o facto da economia mundial não estar a conseguir realizar o primeiro Objectivo de Desenvolvimento do Milénio, relacionado com a redução para metade da pobreza extrema até ao ano de 2015."
:
O grande dilema das nossas sociedades está aqui: A economia mundial não consegue conceber um plano que contribua para erradicar a pobreza que grassa por toda a parte, de forma escandalosa.
Muito se tem pregado que é urgente acabar com os pobres, mas no fundo não se passa da boa intenção de alguns. Há cada vez mais pobres, mesmo em Portugal, onde muito se fala de progressos. Não sei qual será a solução. Sei, sabemos todos, que todos os anos, por esta altura, se multiplicam as ceias para os sem-abrigo, que se multiplicam os cabazes de Natal para os mais carenciados, que não faltam iniciativas para acudir aos pobres mais envergonhados. Dez por cento dos portugueses estão no limiar da pobreza, não havendo para estes a alegria que muitos de nós concebemos para este Natal. E temos uma certeza: depois do Natal, depois do muito que fizemos pelos mais feridos da vida, voltaremos ao ramerrão dos nossos quotidianos. Até ao próximo Natal.

Fernando Martins

domingo, 16 de dezembro de 2007

Na Linha Da Utopia



Preparar o ambiente de Natal

1. Uma nova consciência planetária vai emergindo, animadora da urgência da preservação da natureza, dos ambientes, da biodiversidade... Esta visão respeitadora, tantas vezes contra os ventos e as marés dos interesses particulares, provém, também, da consciencialização da finitude dos recursos e do apreciar a beleza da vida e de tudo o que envolve o planeta azul e o universo infinito. Assim, mais conhecer quererá significar “mais proteger”. Na recente Cimeira do Ambiente promovida pela Organização das Nações Unidas em Bali (Indonésia) estes mesmos sentimentos, no sofrido esforço consensual, pela madrugada dentro, acabaram por vir à luz do dia. Representantes de cerca de 200 nações, reunidos na primeira quinzena de Dezembro, até ao último dia discursaram na incerteza, especialmente em relação à posição duvidosa da poluída política dos EUA. Para o seu repensar da estratégia também não terá sido indiferente o duro discurso do Nobel Al Gore, quando a 10 de Dezembro recebe o Prémio da Paz com a Natureza. Quando o pessimismo inconsequente já parecia garantido, o discurso dramático do Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, apela inadiavelmente: “Agarrem este momento para o bem de toda a Humanidade!”
2. Palavras certeiras estas, que muito contribuíram para dar a volta à Cimeira, numa abertura norte-americana do sentido decisivo de uma boa vontade que, tendo de ser política, rapidamente terá de descer aos modelos de vida em sociedade, ainda pouco habituados ao realismo da premente regulação ambiental. Este Dezembro tem tido encontros globais em grande escala, que, sem ilusão mas sem deitar a perder os impulsos positivos, convida à esperança a própria humanidade. Ainda que em muitas circunstâncias pareça ser (ou seja mesmo) tarde.., mas vamos… parar “na lama” seria o pior de tudo. Afinal, é o bem de toda a Humanidade que está em jogo. Será de exaltar a unidade de pressão exercida sobre os EUA, habituados em certas circunstâncias às posições isoladas… A certa altura a sua diplomacia sentiu um isolamento tal que condenaria ao fracasso total as suas políticas externas. Talvez em muitas outras áreas, hoje (mundo global, problemas globais) esta forma de pressão (global) ajude a fazer nascer uma nova consciência. Nem que seja um parto à força!
3. No presépio do Natal a própria natureza viva participa, oferecendo o aconchego do acolhimento caloroso. Seja o mundo esse lugar acolhedor, essa “OIKOS”, casa equilibrada, para o bem da Humanidade. Também a humanidade pessoal de cada um, desta forma e na pressuposta diversidade das visões, se vai preparando para um mais sentido NATAL, no (re)nascimento da melhor consciência!


Alexandre Cruz

JARDINS NA CIDADE








Jardim suspenso do Fórum
:
Um dia destes fui à cidade de Aveiro. Divaguei pelo centro, apenas, porque não estava com coragem para longas caminhadas. Numa passagem pelo Fórum, inevitável, resolvi subir ao último piso. Sossego absoluto. Não havia lojas. Um único par de namorados nem deu pela minha passagem. Então desfrutei, sozinho, da paisagem que dali se pode ver. E fotografei o jardim suspenso, que ostentava um certo ar de asseio. A curiosidade está nisto: ninguém tem tempo para ir ao jardim.



TECENDO A VIDA UMAS COISITAS – 53


A FONTE DOS ENGARANHOS

Caríssima/o:

A lenda que aí fica é das tais que provoca “arrepios na espinha”, apesar de aparecer uma linda moura encantada!...
Vamos à fonte com o meu neto Manuel e, entretanto, ouçamos a narração:

«Para cura de crianças engaranhadas não há nada como a Fonte dos Engaranhos. Fica na aldeia de Couços, freguesia de Múrias, concelho de Mirandela. A fonte tem fama, mas o leitor é capaz de não saber o que é engaranho. Pois é raquitismo. Ali na região, as mães agarram nas crianças com esse problema e levam-nas à fonte. Despem-nas e mergulham-nas. Quando se vêm embora deixam lá ficar a roupa que levam que é para ficar também o mal. Pois esta lenda assenta do desengaranhar próprio dessa fonte.
Pois numa noite de luar, um homem passou pela Fonte dos Engaranhos, vinha do trabalho e ia para casa. Porém, ao passar mesmo diante ouviu um ruído esquisito e assustou-se. A medo, olhou para a fonte e viu uma linda menina a pentear-se. Os cabelos eram negros e o pente de ouro. A jovem, com o maior à-vontade, começou a falar com ele, dizendo-lhe que não receasse nada, que ela era uma moura encantada e a sua condenação era passar ali mil anos! Não assim, mas transformada em cobra, E prometeu-Ihe umas arcas de tesouros se ele quisesse ter a amabilidade de a desenterrar,
- E que tenho eu de fazer? - perguntou o homem.
- Basta que me deixes dar-te um beijo na boca quando eu me tiver transformado em cobra. Mas não podes sequer estremecer.
- Aceito. Coragem é coisa que não me falta.
- Então vou voltar à minha forma habitual.
E mal acabou de dizer isto, a moura transformou-se numa enorme cobra preta que deixou o aldeão boquiaberto. Começou a aproximar-se dele, enroscando-se-Ihe primeiro nas pernas, depois chegou-lhe à cinta e ao peito. Devagar, para o não assustar. O homem estava calmo, nem pestanejava. Mas quando a serpente abriu a boca e tirou para fora aquela língua bifurcada, ele teve um arrepio na espinha que deitou tudo a perder.
Logo que a cobra caiu no chão, ficou com a forma de mulher. E chorou-se:
- Bem, estou condenada a mais dois mil anos. Mas tentaste ajudar-me e tiveste muita coragem. Por isso vou ver o que posso fazer por ti.
Deu-lhe três moedas de ouro e acrescentou:
- Vem cá sempre que precisares de mais...
Bem e a partir daí nunca mais ninguém o viu trabalhar e toda a gente andava admirada com a maneira elegante como ele se vestia. E sempre bem comido e bem bebido. E isto suscitava a inveja à vizinhança.
Um dia, um amigo foi ter com ele e pediu-lhe que esclarecesse o que se passava, porque toda a gente andava a murmurar que ou ele andava a roubar ou tinha pacto com o diabo. E ele contou-lhe.
No dia seguinte, quando foi à fonte buscar as três moedas de ouro que a moura Ihe deixava à tona da água, só lá tinha três carvões. E como não poupara nada do que recebera, teve de voltar a trabalhar para ter com que viver. E se lhe perguntavam alguma coisa, respondia:
-Água o deu, água o levou!
E a fonte, se deixou de dar moedas de oiro, continua a jorrar uma água curativa para curar crianças enfezaditas...»
[V. M., 151]

Pela cópia e arrumação, o avô

Manuel
Foto: Múrias, Mirandela

ARES DO OUTONO



O pão

Hoje
falta-me pão

O pão nosso de cada dia
dizem

Cada dia é um dia
que me traz
tudo menos pão
Hoje recebi mágoas
queixas e lamentos
tudo menos pão

Dizem
o pão nosso de cada dia

Cada dia é um dia
em que os dias
são árvores nuas
e ventos de desgraça

O pão nosso de cada dia
o pão ázimo da poesia

Orlando Jorge Figueiredo

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