no Diário de Notícias
Como vimos, segundo Dignitas infinita (Dignidade infinita), Declaração aprovada pelo Papa Francisco, a dignidade humana é "ontológica", inalienável.
Infelizmente, essa dignidade nem sempre é respeitada. E o documento dá exemplos de "violações graves": "Tudo o que atenta contra a própria vida, como todo o tipo de homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o próprio suicídio deliberado", tudo o que atenta contra a integridade da pessoa, como as mutilações, as torturas infligidas ao corpo e ao espírito, as coações psicológicas, as condições de vida infra-humana, as detenções arbitrárias, a deportação, a escravatura, a prostituição, "as condições laborais ignominiosas, nas quais os trabalhadores são tratados como meros instrumentos de lucro, e não como pessoas livres e responsáveis.", a pena de morte aqui, não posso deixar de lamentar que até muito recentemente o Catecismo da Igreja Católica a defendeu.
O documento, embora reconhecendo que há uma aspiração crescente para erradicar o racismo, a marginalização das mulheres, a xenofobia..., quer concretizaras violações. Assim, em síntese e com algumas observações pessoais:
O drama da pobreza. É preciso reconhecer que se trata de "um dos fenómenos que mais contribuem para negar a dignidade de tantos seres humanos", "constituindo mesmo uma das maiores injustiças do mundo contemporâneo".
A guerra. Com a sua loucura de destruição e dor, a guerra "atenta contra a dignidade a curto e a longo prazo". Ela é sempre uma "derrota da humanidade". E cada vez mais nos apercebemos de que está em curso "a terceira guerra mundial em etapas" e que podemos pôr fim à sobrevivência da humanidade e da casa comum.
A emigração. Os emigrantes "estão entre as primeiras vítimas das múltiplas formas de pobreza".
O tráfico de pessoas. "Uma vergonha para as nossas sociedades que se consideram civilizadas", "um crime contra a Humanidade", que desumaniza quem o leva a cabo.
Os abusos sexuais. É imperioso compreender que "todo o abuso sexual deixa profundas cicatrizes no coração de quem o sofre", causa "sofrimentos que podem ficar para a vida inteira e aos quais nenhum arrependimento pode pôr remédio".
Aqui, faço notar que só posso sintonizar com a medida de compensação financeira tomada pela Conferência Episcopal em relação a casos de pedofilia na Igreja.
A violência contra as mulheres. Desgraçadamente, trata-se de "um escândalo global". Impõe-se acabar com a discriminação: "É urgente alcançar em todas as partes a efectiva igualdade dos direitos da pessoa", incluindo a igualdade de salário para trabalho igual. Evidentemente, "nunca se condenará de forma suficiente o fenómeno do feminicídio".
Aqui, tenho de perguntar: quando começará a Igreja a respeitar a igualdade de direitos da mulher no seu seio?
O aborto. Para a Igreja, "a dignidade de todo o ser humano tem um carácter intrínseco e vale desde o momento da sua concepção até à sua morte natural". Lamenta a difusão de uma terminologia ambígua para aborto, "interrupção da gravidez", que "tende a esconder a sua verdadeira natureza e a atenuar a sua gravidade na opinião pública".
Aqui, sublinho que há simações-limite e dramas brutais a não ignorar (em Portugal, o aborto é legal até às dez semanas), mas quero manifestar a minha oposição à inclusão do aborto como um direito na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
A maternidade de substituição. "Ofende gravemente a dignidade da mulher e da criança, e baseia-se na exploração da situação de necessidade material da mãe. Um filho é sempre um dom e nunca objecto de um contrato."
Pessoalmente, pergunto: que dizer na situação de uma mulher que quer muito ter um filho, não tem útero e uma familiar lhe empresta generosamente o seu?
Eutanásia e suicídio assistido. O documento sublinha a importância dos "cuidados paliativos apropriados e evitando qualquer encarniçamento terapêutico ou intervenção desproporcionada", mas é claro: "Não há condições na ausência das quais a vida humana deixa de ser digna e possa, portanto, suprimir-se" e acrescenta: "Ajudar o suicida a tirar a vida é uma of ensa objectiva contra a dignidade da pessoa que o pede."
Neste contexto, denuncia "o descarte das pessoas com deficiência".
A violência digital. Sublinha os benefícios das tecnologias digitais, ao mesmo tempo que chama a atenção para os seus
imensos perigos: risco de dependência, notícias falsas, atentados à boa reputação, o cyberbullying, difusão da pornografia, exploração para fins sexuais ou jogos de azar. O ambiente digital pode tornar-se "um território de solidão, manipulação, exploração e violência, chegando até ao caso extremo de dark web".
Mudança de sexo. A Declaração pronuncia-se claramente contra a criminalização dos homossexuais: "Deve-se denunciar como contrário à dignidade humana o facto de, em certos lugares, muitas pessoas serem encarceradas, torturadas e mesmo privadas do bem da vida unicamente por causa da sua orientação sexual", como acontece em África, por vezes com apoio dos bispos.
Quanto à mudança de sexo, é necessário estar atento ao texto. De facto, vê nela uma ameaça à dignidade humana, mas não sem sublinhar: "como regra geral", deixando, portanto, espaço para casos particulares, o que, como nota o jornal La Croix, constitui "uma marca do Papa, que recebe regularmente grupos de pessoas transgénero.
Que dizer na situação de uma mulher que quer muito ter um filho, não tem útero e uma familiar lhe empresta generosamente o seu?"
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia.
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