no Diário de Notícias
Continuamos com os pedidos em nome de Deus feitos pelo Papa Francisco.
4. Em nome de Deus peço uma política que trabalhe para o bem comum.
Penso que a Política, com maiúscula, como diz Francisco, constitui um dos serviços mais prestimosos e também mais exigentes, que quase requer a santidade. Por isso, quando vejo tantos, tantos, tantos... na corrida para um lugar na política, prestando-se até a comportamentos por vezes ridículos, se me perguntam se eu acredito que a maior parte o faz para prestar esse serviço ao bem comum, respondo sinceramente: não. Há outros motivos; disse-o quem sabe, Henry Kissinger: "O poder é o maior afrodisíaco".
Francisco escreve que acredita numa política que "nunca perde de vista o bem comum, o seu verdadeiro e primordial objectivo", mas que também sabe que para alguns "a política se escreve com minúscula e se transformou numa má palavra": "Pensa-se nas vantagens", no "quanto me dá", e aí está "um dos males que mais a danificam - a corrupção". "Não é ilegal que um ser humano se sinta atraído pelo dinheiro, as viagens em primeira classe, as mansões, mas convoco a que na Política se envolvam só os que podem viver com sobriedade e austeridade no seu dia a dia."
5. Em nome de Deus peço que se acabe com a loucura da guerra.
Cita Virgílio que há mais de dois mil anos escreveu que "na guerra não há salvação", para acrescentar: "A guerra é o sinal mais claro da inumanidade", "um flagelo, que nunca pode resolver os problemas entre as nações, uma matança inútil, com a qual tudo se pode perder e que, em última análise, é sempre uma derrota da humanidade." Pensa que "a sua persistência entre nós é o verdadeiro fracasso da política." A guerra na Ucrânia mostra-nos "a crueldade do horror bélico." A guerra "nunca será uma solução; é também uma resposta ineficaz, nunca resolve os problemas que pretende superar. Vemos que o Iémen, a Líbia ou a Síria, só para citar alguns exemplos contemporâneos, estão melhor do que antes dos conflitos?"
E o escândalo dos gastos mundiais com o armamento, "um dos maiores escândalos morais da actualidade"? "Com a guerra há milhões que perdem tudo, mas há muitos que ganham milhões." Não podemos continuar "condenados ao medo da destruição atómica; ter armas nucleares e atómicas é imoral." É "necessário repensar a ONU e especialmente o Conselho de Segurança para que estas instituições dêem resposta à nova realidade existente e sejam fruto de um consenso o mais amplo possível."
6. Em nome de Deus peço que se abram as portas aos migrantes e refugiados.
Francisco lembra que a sua primeira saída de Roma, como Papa, foi a Lampedusa e diz aos migrantes e refugiados: "Nunca vos esqueci". O pedido que faz está nestes quatro verbos: "Acolher, proteger, promover e integrar" - abrir a porta "dentro das possibilidades de cada país". É realista e previne contra "as redes de traficantes" e a quem é acolhido pede-se "a aceitação indispensável das normas do país que recebe, bem como o respeito pelos princípios de identidade deste".
7. Em nome de Deus peço que se promova e anime a participação das mulheres na sociedade.
Essencial: "As mulheres têm a mesma dignidade que os homens. Em cada um dos cinco continentes. Em cada um dos países. A comunidade internacional não pode continuar a olhar com passividade para as consequências dramáticas de modelos de relação baseados na discriminação e na submissão, que estão na base de que milhares de mulheres e meninas sejam todos os anos submetidas a casamentos forçados, escravidão doméstica e outros ataques à sua dignidade. Outro drama extenso é a mutilação genital feminina. São cerca de três milhões as jovens que a cada ano sofrem esta intervenção", acrescentando que "é importante que nos impliquemos todos na abertura de espaços às mulheres, se quisermos um futuro fecundo e criativo."
Aqui, Francisco que me desculpe, mas é preciso perguntar: para quando o fim da discriminação das mulheres católicas na Igreja?
8. Em nome de Deus peço que se permita e fomente o crescimento dos países pobres.
Clama contra o escândalo: "As dez pessoas mais ricas do mundo duplicaram as suas fortunas durante a pandemia. O 1% mais rico da população mundial concentra 32% da riqueza do planeta... enquanto a metade mais pobre do mundo, no seu conjunto, não chega aos 2% da riqueza, segundo os dados da Oxfam e do World Inequality Report 2022. Os ricos são cada vez mais ricos; os pobres cada vez mais pobres. Este sistema mata, exclui e concentra." Este é um sistema doente: "Calcula-se que um terço dos alimentos produzidos é desperdiçado", "quase seis milhões de crianças morrem anualmente devido à extrema pobreza."
9. Em nome de Deus peço que se universalize o acesso à saúde.
Cita G. K. Chesterton: "A coisa mais poética, mais poética que as flores, mais poética que as estrelas, a coisa mais poética do mundo é não estar doente." Infelizmente, conclui com Romano Guardini: "O homem moderno não está preparado para usar o poder com acerto", pois "o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano em responsabilidade, valores, consciência".
10. Em nome de Deus peço que o seu Nome não seja utilizado para fomentar guerras.
Eu, em relação a um Deus que leve à guerra digo: em relação a esse Deus é obrigatório ser ateu.
N.B. Com os melhores desejos para todos, esta crónica despede-se até 7 de Outubro.
Anselmo Borges no DN
Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia