sábado, 26 de agosto de 2023

Francisco: Peço-vos em nome de Deus (2)

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias



Continuamos com os pedidos em nome de Deus feitos pelo Papa Francisco.

4. Em nome de Deus peço uma política que trabalhe para o bem comum.

Penso que a Política, com maiúscula, como diz Francisco, constitui um dos serviços mais prestimosos e também mais exigentes, que quase requer a santidade. Por isso, quando vejo tantos, tantos, tantos... na corrida para um lugar na política, prestando-se até a comportamentos por vezes ridículos, se me perguntam se eu acredito que a maior parte o faz para prestar esse serviço ao bem comum, respondo sinceramente: não. Há outros motivos; disse-o quem sabe, Henry Kissinger: "O poder é o maior afrodisíaco".
Francisco escreve que acredita numa política que "nunca perde de vista o bem comum, o seu verdadeiro e primordial objectivo", mas que também sabe que para alguns "a política se escreve com minúscula e se transformou numa má palavra": "Pensa-se nas vantagens", no "quanto me dá", e aí está "um dos males que mais a danificam - a corrupção". "Não é ilegal que um ser humano se sinta atraído pelo dinheiro, as viagens em primeira classe, as mansões, mas convoco a que na Política se envolvam só os que podem viver com sobriedade e austeridade no seu dia a dia."

5. Em nome de Deus peço que se acabe com a loucura da guerra.

Cita Virgílio que há mais de dois mil anos escreveu que "na guerra não há salvação", para acrescentar: "A guerra é o sinal mais claro da inumanidade", "um flagelo, que nunca pode resolver os problemas entre as nações, uma matança inútil, com a qual tudo se pode perder e que, em última análise, é sempre uma derrota da humanidade." Pensa que "a sua persistência entre nós é o verdadeiro fracasso da política." A guerra na Ucrânia mostra-nos "a crueldade do horror bélico." A guerra "nunca será uma solução; é também uma resposta ineficaz, nunca resolve os problemas que pretende superar. Vemos que o Iémen, a Líbia ou a Síria, só para citar alguns exemplos contemporâneos, estão melhor do que antes dos conflitos?"
E o escândalo dos gastos mundiais com o armamento, "um dos maiores escândalos morais da actualidade"? "Com a guerra há milhões que perdem tudo, mas há muitos que ganham milhões." Não podemos continuar "condenados ao medo da destruição atómica; ter armas nucleares e atómicas é imoral." É "necessário repensar a ONU e especialmente o Conselho de Segurança para que estas instituições dêem resposta à nova realidade existente e sejam fruto de um consenso o mais amplo possível."

6. Em nome de Deus peço que se abram as portas aos migrantes e refugiados.

Francisco lembra que a sua primeira saída de Roma, como Papa, foi a Lampedusa e diz aos migrantes e refugiados: "Nunca vos esqueci". O pedido que faz está nestes quatro verbos: "Acolher, proteger, promover e integrar" - abrir a porta "dentro das possibilidades de cada país". É realista e previne contra "as redes de traficantes" e a quem é acolhido pede-se "a aceitação indispensável das normas do país que recebe, bem como o respeito pelos princípios de identidade deste".

7. Em nome de Deus peço que se promova e anime a participação das mulheres na sociedade.

Essencial: "As mulheres têm a mesma dignidade que os homens. Em cada um dos cinco continentes. Em cada um dos países. A comunidade internacional não pode continuar a olhar com passividade para as consequências dramáticas de modelos de relação baseados na discriminação e na submissão, que estão na base de que milhares de mulheres e meninas sejam todos os anos submetidas a casamentos forçados, escravidão doméstica e outros ataques à sua dignidade. Outro drama extenso é a mutilação genital feminina. São cerca de três milhões as jovens que a cada ano sofrem esta intervenção", acrescentando que "é importante que nos impliquemos todos na abertura de espaços às mulheres, se quisermos um futuro fecundo e criativo."
Aqui, Francisco que me desculpe, mas é preciso perguntar: para quando o fim da discriminação das mulheres católicas na Igreja?

8. Em nome de Deus peço que se permita e fomente o crescimento dos países pobres.

Clama contra o escândalo: "As dez pessoas mais ricas do mundo duplicaram as suas fortunas durante a pandemia. O 1% mais rico da população mundial concentra 32% da riqueza do planeta... enquanto a metade mais pobre do mundo, no seu conjunto, não chega aos 2% da riqueza, segundo os dados da Oxfam e do World Inequality Report 2022. Os ricos são cada vez mais ricos; os pobres cada vez mais pobres. Este sistema mata, exclui e concentra." Este é um sistema doente: "Calcula-se que um terço dos alimentos produzidos é desperdiçado", "quase seis milhões de crianças morrem anualmente devido à extrema pobreza."

9. Em nome de Deus peço que se universalize o acesso à saúde.

Cita G. K. Chesterton: "A coisa mais poética, mais poética que as flores, mais poética que as estrelas, a coisa mais poética do mundo é não estar doente." Infelizmente, conclui com Romano Guardini: "O homem moderno não está preparado para usar o poder com acerto", pois "o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano em responsabilidade, valores, consciência".

10. Em nome de Deus peço que o seu Nome não seja utilizado para fomentar guerras.

Eu, em relação a um Deus que leve à guerra digo: em relação a esse Deus é obrigatório ser ateu.

N.B. Com os melhores desejos para todos, esta crónica despede-se até 7 de Outubro.


Anselmo Borges no DN

Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia

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