Declaração de interesses: Nós somos velhos. Estamos na casa dos 80. Declaro isto por querer alinhavar umas notas sobre os velhos que, resistindo ao tempo, nos dão o prazer de existirem, mesmo que encostados a um canto de um qualquer lar, por mais estrelas que tiver, ou da sua própria residência, cujos cantos e recantos exibem filmes de vidas decerto muito felizes. Mas os velhos precisam que olhem para eles, forma muito especial de se sentirem pessoas, com direitos e obrigações. Olhar, neste caso, significa falar, ouvindo e perguntando mais do que ditando conselhos e decretando sentenças. Sem pressas e com paciência.
É indiscutível que os velhos já foram jovens e pessoas de meia idade, ativos e atuantes na sociedade. Foram pessoas responsáveis, interventivas na comunidade, capazes de pensar o seu presente e o futuro dos seus familiares e amigos. Trabalhadores incansáveis em prol da suas famílias e da sociedade em geral. O peso dos anos talvez explique um certo cansaço, um real afastamento do dia a dia das comunidades que serviram com denodo e das famílias que construíram ao lado de vizinhos que se saudavam diariamente e com quem cavaqueavam quando se cruzavam.
Se é certo que os anos vividos serviram de suporte a novas famílias, os velhos não perderam o seu lugar no mundo ao qual pertencem por direito e por justiça. Muitos, contudo, vão ficando sozinhos e entregues às suas memórias e aos seus futuros, sem futuro agradável e partilhado com familiares e amigos.
Vem estas considerações a propósito dos velhos internados nos lares e nos hospitais, isolados nas suas casas, dias e dias sem terem com quem desabafar, com quem conversar com gente capaz de escutar. Haverá, contudo, lugar para os que ainda podem deslocar-se por seu pé, falar mesmo que não convidados para isso, apreciando o ambiente que tanto ajudaram a erguer.
O Natal, que muitos apregoam que é quando o homem quiser, e não apenas na quadra tradicional, 25 de Dezembro, não passa de miragem para muitos velhos. Todavia, ainda poderá ser uma das raras possibilidades que alguns velhos terão de sentir afeto, atenção e carinho sem lamechices, deles ouvindo histórias imensas vezes repetidas que são estímulos para se manterem vivos.
Felizmente, a nossa velhice (minha e da Lita) ainda está ativa e com capacidade para acolher, para ouvir projetos lindos dos mais novos, para trocar ideias, para discutir princípios de vida e de futuro, para concordar e discordar do que fazem, dizem e projetam, para aplaudir o bom e belo que fazem. Também nos sentimos felizes quando apreciamos o sol regenerador e a lua sonhadora, as pessoas que passam e nos saúdam, a beleza da natureza florida, o cair das folhas outonais e até a chuva benfazeja quando vem com regra.
Os velhos, afinal, contentam-se com pouco, mas não toleram a indiferença dos que, por serem mais novos ou mais envolvidos nas canseiras da vida, não descobrem uns minutos para olhar ou conversar com os que carregam o peso dos anos e de trabalhos desgastantes.
Bom Natal para todos
Fernando Martins