Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo XXVII
Finalmente, nossa! – declaram, alegres e triunfantes, os vinhateiros homicidas na parábola narrada por Jesus. Mt 21, 33-43. A herança, que tanto ansiámos e tanto trabalho nos deu, é nossa. Valeu a pena. Tudo ultrapassámos. Estão neutralizados ou liquidados os enviados do dono para receberem a colheita. Acabámos de dar a morte ao próprio filho. Conseguimos a vinha, apesar de ficarmos com as mãos cheias de sangue. Afirmámos a nossa determinação e rasgámos o contrato. Ouvimos palavras duras, mas escutámos a razão emotiva que clamava pela posse da terra e dos seus produtos. Finalmente livres de quem se aproveita do nosso trabalho!
“Esta parábola, afirma Castillo, teólogo espanhol, é seguramente a mais dura e directa que ficou recolhida nos evangelhos, como denúncia contra os dirigentes religiosos do judaísmo”.
O dono da vinha, cheio de paciência, dá-lhes tempo para serem razoáveis. Aumenta, não apenas o número de enviados, mas a sua representatividade. O filho, herdeiro por natureza e por lei, entra em acção. Tudo em vão. Resolve, então, enfrentar os arrendatários usurpadores. E aplica-lhes uma sentença “sem piedade”, cruel.
O narrador da parábola é Jesus que vê crescer a hostilidade dos responsáveis do Templo de Jerusalém. Os interlocutores são os sumo-sacerdotes e os chefes do povo. O recurso usado, a vinha e os seus cachos de uvas, é meio adequado por ser muito conhecido e pedagógico. O relato da acção envolve os ouvintes e faz prever um desfecho desastroso. O envolvimento progressivo torna-se claro na resposta que dão à pergunta interpelante de Jesus. Quando regressar o dono da vinha, que fará àqueles trabalhadores? Respondem sem hesitação: confiará a vinha a quem a trate bem e entregue a tempo a colheita, e eliminará sem piedade os usurpadores malvados e assassinos. Resposta justa, segundo as leis da época. Resposta que oferece o “trampolim” para a aplicação directa da mensagem contida na parábola alegórica.
Jesus de Nazaré sabe que “o cerco” se aperta. Os dias finais aproximam-se. O embate definitivo está em marcha. A linguagem torna-se mais assertiva e interpelante. Os interlocutores dão-se conta, mas reagem negativamente. Mesmo com a evocação de citações bíblicas por eles conhecidas. “Nunca lestes na Escritura…?” E apresenta dois contrastes “a quente”. A pedra de construção rejeitada pelos construtores torna-se pedra angular. De forma velada referia-se a ele, a pedra, e a eles, os construtores/guias do edifício/templo onde se reúne o povo/vinha de Deus.
O segundo contraste é ainda mais provocante: “Ser-vos-á arrancado o reino de Deus e dado a um povo que produza os seus frutos.” A sentença está lavrada, segundo a versão de Mateus. A vinha do Senhor continua a ser carinhosamente tratada pelo seu dono, mas o encargo de velar por ela muda “de mãos”. Alegre notícia que implica uma tremenda responsabilidade. Outrora e agora. E os frutos estão exemplarmente apresentados na carta aos cristãos de Filipos que se proclama nas celebrações de hoje.
“A urgência de responder com bons frutos ao chamamento do Senhor, anota o Papa Francisco, que nos convida a tornarmo-nos sua vinha ajuda-nos a compreender o que há de novo e de original na fé cristã. Ela não é tanto a soma de preceitos e normas morais, mas, antes de tudo, uma proposta de amor que Deus através de Jesus fez e continua a fazer à humanidade…”
A vinha tem um sentido peculiar e uma singular riqueza: a intimidade da consciência pessoal, a família e outras formas humanas associativas, as comunidades cristãs, a sociedade civil, a Igreja, o mundo. Por todas, vela o Deus da vida, por meio dos seus encarregados: a pessoa, os pais, os responsáveis, os líderes, os pastores, os chefes das nações e dos povos. Cada um, a seu nível; mas todos agentes destacados em missão de cuidar da vinha do Senhor; todos irmãos encarregados de transmitir fielmente o legado recebido e solicitamente cuidado.
Pe. Georgino Rocha