Hoje, no Evangelho, Jesus apresenta aos discípulos uma história surpreendente, escandalosa, desconcertante, provocadora. Um homem rico é gravemente lesado pelo administrador a quem confiou a gestão dos bens. Descoberta e denunciada a fraude, é despedido, mas ele inventa uma saída engenhosa que lhe dá garantias de ter quem o contrate no futuro e revela capacidades que merecem o elogio do proprietário.
Os ouvintes hão-de ter pensado: Como é possível felicitar quem rouba, é corrupto, usa as piores “artes” para assegurar o futuro? Seguindo a bela narração de Lucas, vamos aprofundar o alcance da parábola do administrador infiel, assim conhecida. Lc 16, 1-13
Jesus, na maioria das suas parábolas, mais do que ensinar pretendia provocar, abalar as convicções de crentes acomodados, passivos, quase em letargia. Ouvem e percebem a novidade da mensagem anunciada, mas não se dispõem a pô-la em prática, a fazê-la vida. A de hoje é típica, tem este propósito declarado.
O elogio à esperteza é feito por um proprietário rico, a um seu administrador desonesto. E surge na narração de uma parábola de Jesus sobre o uso dos bens materiais. Visa despertar o entusiasmo dos discípulos para procederem de igual maneira. E aponta, claramente, para a urgência de, perante situações de risco e de crise, saber encontrar soluções criativas e sensatas.
Os adversários de Jesus riem-se dos seus ensinamentos sobre o dinheiro, considerado por eles como uma bênção de Deus, um sinal da sua providência, uma garantia de predestinação. Quase absolutizavam a sua posse e ostentação. Sem olharem muito à licitude dos meios para o alcançar. E assim, a gente humilde mais empobrecia, enquanto uma minoria, alavancada numa interpretação deficiente da Escritura Sagrada, enriquecia cada vez mais.
Jesus recorre a várias formas didáticas para contestar esta interpretação e restituir aos discípulos e, por eles, a todos nós, a autêntica função dos bens materiais, designadamente do dinheiro. Serve-se de diálogos directos, de ditos sentenciosos, de parábolas-retrato que reproduzem situações de vida conhecidas.
O administrador desonesto é denunciado por fazer uma gestão ruinosa. Chamado a prestar contas e comprovado o desperdício/desfalque é despedido sem qualquer recurso nem indemnização. (A regulamentação do trabalho era mínima e nem sequer estes problemas se punham). De mãos vazias e pressionado pela urgência de encontrar uma saída consistente para a sua situação embaraçosa, chama os devedores do seu patrão e acerta contas com cada um. Recorre a um hábil estratagema: Prescinde da sua comissão salarial e anota apenas o que realmente pertence ao seu senhor. Não se aproveita para lesar mais o direito contratado e agravar a confiança relacional; não reivindica nem retalia. Satisfaz o acordado e salvaguarda o seu futuro imediato. Criativamente!
Os discípulos, chamados a enfrentar situações de crise, podem encontrar uma fonte de inspiração na destreza e sagacidade do administrador, na opção por cumprir o mandato recebido, no reconhecimento das limitações, na capacidade de buscar soluções viáveis, no cuidado em manter relações de confiança, na abertura à surpresa e na ponderação cuidada em dar-lhe resposta, na ousadia de correr riscos.
O desfecho da parábola fica em aberto, sinal de que o seu ensinamento é para todas as pessoas e para todos os tempos. Também para nós, aqui e agora. Os bens materiais têm o seu valor, mas estão ao serviço de valores maiores. O administrador mostra ter compreendido esta escala. E Jesus não deixa lugar a dúvidas, é taxativo: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. Coerentemente é nossa missão servir-nos do dinheiro justo para vivermos dignamente, ajudar os empobrecidos a saírem da miséria injusta e alcançarem o nível de vida a que todos temos direito. Por isso, se elogia a esperteza sábia e prudente, o uso ponderado e a partilha solidária do dinheiro justo.
Façamos nossa a oração do Papa Francisco: “Deixemos que o Senhor venha despertar-nos, dar um safanão na nossa modorra, libertar-nos da inércia... Voltemos a escutar Jesus, com todo o amor e respeito que merece o Mestre. Permitamos-lhe que nos sacuda com as suas palavras, que nos desafie, que nos interpele a uma mudança real de vida. De outra maneira a nossa fé e o nosso seguimento de Senhor ficam estagnados”.
Georgino Rocha