domingo, 14 de janeiro de 2018

AS TRAPALHADAS COM AS MULHERES NA IGREJA (I)

Frei Bento Domingues 

1. O Cardeal norte-americano Joseph William Tobin, arcebispo de Newark, nasceu em 1952. É o mais velho de 13 irmãos, entre os quais, oito são mulheres. Numa entrevista, revela a sensação generalizada de frustração e retrocesso produzida pela continuada proibição das mulheres receberem as ordens sagradas na Igreja Católica. Vive num país e numa cultura em que todas as áreas da vida se vão abrindo às mulheres, menos na Igreja. Este género de obstáculos acaba por as afastar. Está, no entanto, optimista. É desejo do Papa Francisco reconhecer-lhes um papel mais activo. Esse desejo não se pode realizar, apenas, com algumas nomeações isoladas para certas funções na Cúria Romana. Lembra, de forma astuta, que para alguém ser nomeado cardeal, isto é, para o próprio governo da Igreja, não é preciso ter o sacramento da Ordem, pois, no século XIX, houve cardeais leigos. Conclusão: não há nenhum obstáculo, de ordem teológica, que impeça a nomeação de mulheres para o cardinalato, para ajudar o Papa no governo da Igreja.
Parece-me uma posição habilidosa. Se as mulheres passarem a ter influência na orientação e no governo da Igreja, poderão ajudar a que os argumentos pseudo-teológicos, que as impedem de receber o sacramento da Ordem, sejam revistos e acabem com a ideia da chamada impossibilidade definitiva [1]. Este arcebispo propõe: já que não as deixam entrar pela porta, sugiro que entrem pelo telhado!

2. Na revista Brotéria apareceram dois artigos interessantes sobre o sacerdócio e a mulher [2].
O texto de Stella Morra é muito estimulante. Recomendo a sua leitura integral. Começa por uma citação do Concílio de Calcedónia (451): “Não se ordene como diácono uma mulher antes dos quarenta anos e não sem um diligente exame. Se, por acaso, depois de ter recebido a imposição das mãos e ter exercido durante algum tempo o ministério, ousasse contrair matrimónio, desprezando dessa forma a graça de Deus, seja excomungada juntamente com aquele que se uniu a ela.”
Apesar do carácter hilariante desta citação, isto significa, no entanto, que a ordenação actual de diaconisas não constitui grande novidade. O importante será, agora, determinar as competências que elas deverão ter na Igreja. Já temos a ordenação de homens casados como diáconos permanentes. Espero que, pelo menos, as mulheres também possam ser casadas e diaconisas.
O artigo de Vasco Pinto de Magalhães, SJ, fixa-se em duas feministas, Lucetta Scaraffia e Ana-Maria Pelletier, para mostrar que, segundo elas, o papel das mulheres na Igreja pode conseguir-se sem passar pelo sacerdócio, respeitando, assim, melhor, pela diversidade, a imagem de Deus: homem e mulher.
Este argumento parece-me algo falacioso. A mulher e o homem só poderão ser imagem de Deus no caso de haver tarefas exclusivas para homens e tarefas exclusivas para mulheres? Um médico não poderia exercer a medicina se a esposa, também médica, exercesse a mesma profissão? Seria uma anulação desta diversidade um atentado à imagem de Deus? Uma médica não anula a sua condição feminina por ser médica. Tanto ela como ele, exercendo a mesma profissão, não anulam a sua diversidade humana nem, por esse motivo, deixam de exprimir a imagem de Deus, ao que me parece.
Quando se pretende, com esse argumento, negar a ordenação sacramental às mulheres, por muita mais razão deviam exigir, para respeitar a imagem de Deus, um sacramento do Baptismo para homens e outro para mulheres.
Nunca ninguém se atreveu a propor, para salvaguardar a imagem de Deus, dois sacramentos do Baptismo. S. Paulo, na Carta aos Gálatas, afirma: todos vós, que fostes baptizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus [3]. Não consta que, pelo mesmo baptismo, as mulheres deixem de ser mulheres e os homens deixem de ser homens. O modo das mulheres viverem em Cristo será necessariamente diferente do dos homens. Por outro lado, não há mulheres clonadas nem homens clonados. Têm todos sensibilidades diferentes. A diferença má é a que resulta da desigualdade. Todos unidos em Cristo, na sua diferença. O que Paulo afirma é que não se pode invocar a diferença para criar a exclusão.
Julgo que, para S. Paulo, Cristo sente-se tão bem na vida das mulheres como na dos homens.

3. O Baptismo é a fonte do sacerdócio cristão. Como não há dois Baptismos, as mulheres são tão sacerdotes, na sua diferença, como os homens. Chamar-lhe sacerdócio comum resulta, precisamente, dessa condição primordial na qual assenta toda a vida cristã. O Novo Testamento chama sacerdote a Cristo e aos que receberam o Baptismo. Aqueles que são designados, correntemente como “sacerdotes”, padres e bispos, são, antes de mais, sacerdotes como todos os outros cristãos. Os diáconos, os padres e os bispos, pelo sacramento da Ordem, pela imposição das mãos, não perdem a condição cristã, não se colocam num mundo à parte, ficam com o encargo do sacerdócio de todos. Sto. Agostinho exprimiu esta realidade de forma exemplar: convosco sou cristão, para vós sou bispo. Chama-se ministério sacerdotal porque está ao serviço do povo sacerdotal.
Quanto na Lumen Gentium (n.º 10) se diz que o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico são diferentes um do outro na sua essência, e não apenas em grau, mas ordenam-se um para o outro, com efeito, um e outro participam do sacerdócio de Cristo, segundo o seu modo peculiar.
Se o principal é o sacerdócio baptismal, comum a homens e mulheres, que obstáculo poderá existir, de ordem teológica, isto é, de condição cristã, para que seja impossível conferir o sacramento da Ordem às mulheres? Se não existe obstáculo a que as mulheres recebam o sacerdócio baptismal, que obstáculo haverá na condição feminina que as incompatibilize, para sempre, com a possibilidade de serem chamadas a receber o Sacramento da Ordem? Quem pode o mais também pode o menos.
Como nem todos os homens querem ser padres, também nem todas as mulheres querem ser ordenadas. O que está em causa é uma outra interrogação: que deficiência haverá nas mulheres para que não possam ser chamadas à ordenação presbiteral ou episcopal para servirem, com a sua sensibilidade, as comunidades cristãs, para as colocar ao serviço da sociedade?
As consequências das trapalhadas não ficam por aqui...

[1] https://www.nytimes.com/2017/12/.../cardinal-tobin-christian.html
[2] Brotéria 185 (2017), Stella Morra, O sacerdócio e o lugar da mulher, pp. 1013-1026; Vasco Pinto Magalhães, SJ, A Mulher entre os múltiplos feminismos – o lugar da Mulher na Igreja, pp. 1027-1036.
[3] Gal 3, 27-29

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue