sexta-feira, 7 de julho de 2017

Georgino Rocha — Jesus em oração: Eu Te bendigo, ó Pai


O texto de Mateus, hoje proclamado na liturgia, constitui um bom reflexo da sensibilidade de Jesus e dos horizontes em que se move; da sua vontade de instaurar os valores do Reino e da preferência por quem está aberto à boa nova que anuncia; da sintonia com o ritmo do coração humano nas suas aspirações mais genuínas e nos pequenos passos que vai dando. A felicidade surge como a atenção ao ser, relativizando o ter, tantas vezes expresso na saúde, dinheiro e amor. Sendo bens importantes, estes não são os primordiais. A felicidade está nos nossos genes. O Evangelho é o que melhor” encaixa” na nossa condição humana.

A reacção inicial à mensagem de Jesus manifesta várias atitudes: um povo infantil – como as crianças que se divertem na praça pública –, uns fariseus rígidos nas suas convicções e um “resto” fiel aberto à novidade de Deus e confiante na realização das promessas feitas. Perante esta diversidade, Jesus faz uma oração de bênção a Deus Pai, exclamando: “Eu Te bendigo, ó Pai…”, oração que apresenta uma leitura da situação e abre horizontes de esperança para o futuro enraizado no presente. Mt 11, 25-30.

“Eu Te bendigo, ó Pai” porque deste a conhecer o teu projecto de amor a todos e queres realizá-lo com a cooperação de cada um; confirmaste esta decisão de muitos modos ao longo da história, mas agora por meio da missão que me confiaste e, a partir de mim, por aqueles que escolhi – os meus discípulos e seus sucessores; abençoaste a minha preferência pelos pequeninos do reino, pelos mansos e humildes de coração.

“Eu Te bendigo, ó Pai” porque estás sempre comigo e por meio de mim desvendas o teu rosto bondoso e amigo, sorridente perante o agir dos seres humanos – homem e mulher - que acompanhas com solicitude confiante, pronto para o perdão das suas negligências e recusas, compassivo e misericordioso; por mim, queres realizar a maior prova de humanidade, mediante a minha entrega incondicional à defesa da dignidade humana e da verdade que liberta por amor. E fomos até à cruz do Calvário!

“Eu Te bendigo, ó Pai” porque compensas e alivias os cansados da vida – física, afectiva, intelectual, espiritual, moral, relacional – e os oprimidos pelo sem sentido do ram-ram da rotina, pelo peso das normas e leis desumanizantes, pelas burocracias administrativas, pelas tensões e conflitos desgastantes; ofereces-lhes um “espaço” novo – o meu coração – aberto a todos para que possam respirar o alívio suave da humildade e da mansidão e sintonizar com o seu ritmo de amor que se faz serviço ousado constante.

“Eu Te bendigo, ó Pai” porque queres dar-me a conhecer como sendo igual a Ti e mestre da humanidade, Teu Filho e tua palavra que é necessário escutar. Bendigo-te pelo esforço de tantos que estudam a nossa presença nos segredos da natureza para que sirvam melhor a humanidade; por tantos que nos descobrem e apreciam no santuário da consciência humana para que possam agir rectamente, recebendo o apoio da nossa luz e verdade; por tantos que nos encontram nas situações sofridas e injustamente impostas – os meios de comunicação trazem ao olhar, nem sempre ao coração, a “ponta” aterradora deste mundo infame – e conscientemente se dispõem a socorrer-nos, aliviando a miséria consentida; por tantos que saboreiam a suavidade da nossa companhia e a leveza do nosso amor, vivendo o seu dia-a-dia com o espírito que de nós procede e nos relaciona, reservando tempos de encontro na oração meditada, realinhando algum desvio moral na purificação da consciência, sendo membros responsáveis da sociedade e da comunidade cristã, dando testemunho de nós, “rumando” ao futuro definitivo onde todos conviveremos em família.

Escutemos o Papa Francisco no seu apelo à alegria e à paz, apelo que realça a simplicidade da vida que permite um novo sabor das pequenas coisas.

“A espiritualidade cristã propõe uma forma alternativa de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo consumo. É importante adoptar um antigo ensinamento, presente em distintas tradições religiosas e também na Bíblia. Trata-se da convicção de que «quanto menos, tanto mais». Com efeito, a acumulação constante de possibilidades para consumir distrai o coração e impede de dar o devido apreço a cada coisa e a cada momento. Pelo contrário, tornar-se serenamente presente diante de cada realidade, por mais pequena que seja, abre-nos muitas mais possibilidades de compreensão e realização pessoal. A espiritualidade cristã propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco. É um regresso à simplicidade que nos permite parar a saborear as pequenas coisas, agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos nem entristecermos por aquilo que não possuímos. Isto exige evitar a dinâmica do domínio e da mera acumulação de prazeres”. Louvado Sejas, 222.

“Eu Te bendigo, ó Pai, porque assim foi do Teu agrado”. Não nos privemos da maravilha da oração de Jesus, saboreemos a sua mensagem e, confiadamente, deixemo-nos interpelar.

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