sábado, 7 de março de 2015

JESUS, A PESSOA E O MERCADO

Reflexão de Georgino Rocha

Georgino Rocha



Jesus chega ao templo de Jerusalém e fica escandalizado com o que vê. Jo 2, 13-25. A casa de oração por excelência havia sido transformada em centro comercial, em banca de câmbio, em lugar de disputas de interesses. O mercado desregulado impunha-se. A exploração dos peregrinos, sobretudo dos pobres, era moeda corrente. A acumulação ilícita de bens económicos por parte dos dirigentes, especialmente dos familiares e protegidos do sumo-sacerdote, fazia parte das regras. Jesus, fiel ao projecto de Deus Pai que antepõe a pessoa a qualquer outro bem, dá largas à sua indignação por tantos atropelos à dignidade humana e desvios de interpretação dos Mandamentos divinos.

A “operação limpeza” tem sobretudo um alcance simbólico. Os judeus ficam estarrecidos e pedem-lhe explicações. E começa um diálogo que parece de “surdos”, com linguagens cruzadas e sem entendimento possível. Os próprios discípulos só mais tarde, após a ressurreição, conseguem captar algo do que se tratava.
Que cenário de referência para os tempos de hoje! Que desenho tão actual para muitos intervenientes políticos e religiosos! Que afirmação mais contundente sobre o valor da pessoa em relação ao mercado livre e globalizado! Que exemplo de coragem e de intervenção num “mar de indiferença” e numa ilha de ganância que se alarga como os tentáculos do polvo!
Novo chicote, precisa-se! O gesto de Jesus evoca o chicote do Messias, segundo uma expressão rabínica e constitui um símbolo da chegada dos tempos messiânicos: Pela purificação das intenções dos corações e pela reposição da função das coisas que, necessariamente, comportam aflição e sofrimento. 
O gesto de Jesus tem um grande alcance profético. Atinge o “coração” da ordem estabelecida legitimada com o recurso à tradição. Centrada no sagrado, esta ordem tem, no Templo, a sede do poder económico, pelo comércio que nele se faz; do poder político, já que nele se reúne o sinédrio que toma decisões; do poderreligioso, uma vez que nele se sacrificam os animais para a oferenda. Com os abusos transforma-se de casa de Deus para a oração, em mercado para os negócios. Este é o “nó górdio” que Jesus pretende desatar, de modo que a casa de Deus seja casa do seu povo, reunido em assembleia de irmãos, que celebra o mesmo culto e escuta o mesmo ensinamento. Sem este centro, que solidez pode ter a organização político-religiosa imperante?! A reacção de defesa é imperiosa, normal.
As autoridades pedem-lhe um sinal comprovativo da sua acção demolidora. Querem embaraçá-lo e dispor de mais um argumento para o incriminar. Jesus responde, adiantando o erguer, em três dias, do Templo que ia ser destruído. Os judeus entendem o sentido literal da afirmação de Jesus – o templo de pedra, a glória da Cidade Santa. E reagem em consequência. Jesus refere-se a outro santuário – o do seu corpo – que havia de ser erguido na ressurreição, após três dias de paixão e sepultura. Morte e ressurreição surgem como caminho a percorrer para chegar ao reconhecimento do corpo humano como santuário de Deus. E Jesus ao fazê-lo, presta o maior serviço da sua missão, realiza a suprema manifestação da sua doação.
O corpo, destruído pelas autoridades, mas ressuscitado pelo Pai, é o novo Templo, em que habita Deus, é Jesus Cristo que nos incorpora em si, pelo baptismo, e nos faz membros da sua Igreja. A partir desta incorporação, cada cristão vê reforçada a dignidade natural do seu corpo e reconhece o valor inestimável da sua consciência, incansável peregrina da verdade, sempre aberta a um futuro novo já saboreado em gérmen no presente.
A cultura actual “afunila” o sentido da pessoa na sua dimensão corporal e a tudo submete os cuidados de a manter com saúde e beleza. Jesus fala-nos, hoje, do corpo humano e do seu sentido profundo que se capta melhor, tendo em conta o episódio que protagoniza no templo de Jerusalém e quer ver respeitado em todos os santuários corporais.

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