sábado, 7 de março de 2015

Sobre sexo e género (2)

Crónica de Anselmo Borges no DN

Anselmo Borges


Como escrevi aqui no sábado passado, o historiador Yuval Harari, na obra De Animais a Deuses, escrevendo sobre as injustiças da História, que estabelece arbitrariamente hierarquias imaginadas, refere-se a uma que "tem sido de suprema importância: a hierarquia de género". Em quase toda a parte, os homens sobrepuseram-se hierarquicamente às mulheres, que ficaram numa situação de subordinação e humilhação. Porquê? Seja como for, "durante o último século, os papéis dos géneros passaram por uma tremenda revolução".

Nesta transformação, tiveram, entre outros, papel determinante dois factores: por um lado, por causa das guerras, o acesso das mulheres ao trabalho dos homens que partiam para combater e a consequente autonomia económica e, depois, o acesso ao ensino, e, por outro lado, a revolução operada pela chamada "pílula", que deu a possibilidade mais fácil de separar actividade sexual e procriação.

Assim, lentamente, percebeu-se melhor que afinal o sexo biológico não é um determinismo. Na identidade da pessoa enquanto homem e mulher não conta apenas a biologia, pois é igualmente essencial a cultura, as normas sociais, a história, a educação. Radicam aqui os chamados gender studies e a reflexão sobre sexo e género.
O que é o género? Entre nós, estes estudos não estão muito divulgados. Mesmo em França, "quando os bispos começama interessar-se por esta questão em 2007, ninguém sabia o que é. Mesmo no seio das universidades, estes estudos eram na altura muito marginais", explica Céline Béraud, socióloga na universidade de Caen. De qualquer modo, o debate acendeu-se e tem havido posições extremadas sobre o tema, a ponto de o ministro da Educação francês, Vincent Peillon, ter afirmado que a educação nacional "recusa totalmente a teoria de género". Esta afirmação vem no contexto de grupos de pais e associações católicos que ameaçavam com boicote às aulas por causa de uma certa concepção que, no seu entender, eliminaria a dimensão biológica para a identidade: "Ou aceitamos a teoria de género (vão ensinar aos nossos filhos que não nascem meninas ou meninos, mas que escolhem sê-lo, isto é, tornarem-se meninas ou meninos... ou defendemos o futuro dos nossos filhos."
Julgo que, neste contexto, é Nathalie Sarthou-Lajus, chefe adjunta de redacção da revista jesuíta Études, que tem razão, ao defender uma posição que se quer equilibrada. No seu editorial de 26 de Setembro de 2013, intitulado "Não diabolizemos as teorias do género", considera que "as correntes mais radicais dos gender studies merecem uma análise crítica quando vão ao ponto de negar a parte biológica da identidade sexual, a sua ancoragem numa anatomia corporal, ou de recusar toda a diferença entre um homem e uma mulher tal como se exprime num corpo"; mas também escreve que seria "prejudicial no ensino dos saberes diabolizar estas teorias do género"; "de facto, elas criticam de modo útil uma forma de essencialismo que se refere à natureza para explicar diferenças entre o homem e a mulher, e justificar a maior parte das vezes uma dominação masculina, encerrando as mulheres nos papéis de passividade, de solicitude em relação aos outros ou num destino reprodutivo". Ora, as identidades sexuais e as relações homens/mulheres "são o fruto de representações culturais que evoluem lentamente no tempo, segundo as sociedades, e não sabemos o que acontecerá no futuro. Estas evoluções não são necessariamente lineares, pois as rupturas com as estruturas do passado nunca são tão radicais quanto se poderia pensar". Nesta perspectiva, "este trabalho de reflexão sobre as representações culturais das identidades sexuais e das relações homens/mulheres é necessário, também no próprio seio das nossas Igrejas, não só para lutar contra as discriminações educativas, sociais e profissionais que se exercem ainda contra as mulheres mas também para a abertura à criatividade das recomposições identitárias em curso".
Por isso, não se entende a luta da Igreja oficial contra o feminismo e o que chamam a ideologia de género. Não têm faltado na Igreja vozes a levantar-se por causa do "empoderamento" das mulheres, acusando o femi- nismo de procura do poder. Mas é Isabel Gómez-Acebo que tem razão, quando escreve que as raízes do poder se combatem justamente com o poder: "O exemplo das democracias nórdicas demonstra que dá bom resultado, pois, na medida em que as mulheres alcançaram os postos de responsabilidade na política, fomentaram as férias por maternidade, os jardins-de-infância, a conciliação laboral..., com a consequência de um aumento da taxa de natalidade nesses países."
Também penso que "as mulheres devem preservar a sua diferença, porque ela é enriquecedora", como diz Maria Antónia Palla. Mas a potenciação do acesso das mulheres ao poder e aos lugares de decisão, também na Igreja, não poderia, por isso mesmo, facilitar e enriquecer a vida da própria Igreja?

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