Reflexão semanal de Georgino Rocha
«A razão humana fica no limiar do mistério, pode intuir e analisar, como Nicodemos, os sinais que a deixam vislumbrar, mas não avança mais. Jesus vem em nossa ajuda e faz-nos mergulhar no coração de Deus, na fonte de água viva que sacia todas as sedes, no amor de entrega incondicional pela vida do mundo. O ser humano encontra a matriz da sua vocação originária – a comunhão relacional que origina a família biológica e todas as formas associativas e solidárias. A história desvenda o seu sentido mais profundo – ser história de salvação que, protagonizada pelo homem/mulher, de Deus procede e para Ele se encaminha.»
Jesus atende Nicodemos ao cair da noite e abre horizontes novos ao círculo fechado das suas dúvidas e perplexidades. Fazem um diálogo de consciência acerca de Deus e da consequente relação humana. Passam dos sinais – ditos, ensinamentos e milagres – que manifestam as intenções de Jesus, o enviado de Deus, à necessidade de ver com olhos novos essa realidade, de a compreender no seu alcance anunciador, de a assumir como presença do Reino de Deus já em movimento.
É no decorrer deste diálogo profundo e interpelante que Jesus faz a solene declaração: Tanto amou Deus o mundo que lhe entregou o seu Filho Unigénito para que todo o que n’Ele acredita não pereça, mas tenha a vida eterna. E desvenda outra dimensão desta entrega: Para que o mundo seja salvo por Ele e não condenado. Jesus deixa a claro o que está em causa: o amor de Deus Pai, o sentido da missão do Filho, o valor do baptismo fruto do Espírito Santo a ser enviado e da água – berço da vida nova.
Nicodemos, homem culto e influente, fica admirado e pergunta: “Como é que isso pode acontecer?” E Jesus lança-lhe outro desafio com “ares” de censura: Acreditar nas coisas do céu que se revelam de modo especial no grande sinal, o do Filho do Homem ser levantado na cruz salvadora, como havia feito Moisés com a serpente no deserto.
Nicodemos, símbolo do homem de todos os tempos, evolui interiormente: da procura ao encontro, da dúvida ponderada à certeza assumida, das aparências à realidade, da admiração expectante ao envolvimento selectivo, do nascer do ventre materno à vida nova do Espírito. De facto, aparece mais tarde a defender Jesus no Sinédrio e a intervir com José de Arimateia para que o cadáver possa ser descido da cruz e receber as “honras” fúnebres antes do sepultamento. Presta assim um valioso serviço, mas o Evangelho não afirma que se tenha feito discípulo, seguidor de Jesus, praticante dos seus ensinamentos, testemunha corajosa do Espírito que renova os corações e quer transforma as mentalidades e as estruturas sociais e religiosas para que sirvam cada vez mais a pessoa, suas associações e comunidades.
O diálogo transmitido por João deixa transparecer claramente o agir de Deus que é a epifania do Seu ser. Só deste modo temos acesso à Santíssima Trindade: amor de comunhão em três pessoas iguais e distintas que desempenham funções diversificadas em ordem à salvação plena da humanidade e à integração de toda a realidade no Reino. Esta visão grandiosa é-nos apresentada por Paulo ao afirmar: “Tudo é vosso; vós sois de Cristo e Cristo é de Deus”.
A razão humana fica no limiar do mistério, pode intuir e analisar, como Nicodemos, os sinais que a deixam vislumbrar, mas não avança mais. Jesus vem em nossa ajuda e faz-nos mergulhar no coração de Deus, na fonte de água viva que sacia todas as sedes, no amor de entrega incondicional pela vida do mundo. O ser humano encontra a matriz da sua vocação originária – a comunhão relacional que origina a família biológica e todas as formas associativas e solidárias. A história desvenda o seu sentido mais profundo – ser história de salvação que, protagonizada pelo homem/mulher, de Deus procede e para Ele se encaminha. O futuro abre-se de par-em-par, pronto a acolher todas as sementes de bem que brotam de uma humanidade renovada. O presente ergue-se como espaço único de realização humana, oportunidade imperdível de tomar decisões livres condicionantes do futuro desejado.
Perante tal grandeza como não sentir a premência de acolher o amor que Deus nos tem e de lhe dar uma resposta generosa cultivando a sua intensidade e o seu ritmo, as suas preferências e urgências?!