Um texto de Maria Donzília Almeida
“Le coeur a des raisons
que la raison ne connait pas!”
Blaise Pascal
De passagem pelo consultório de um jovem, mas já reputado cardiologista da nossa praça e meu conterrâneo, despedi-me com estas palavras: — Dr PC, as pessoas devem gostar muito de si! É o Sr que lhes trata da “caixinha” dos sentimentos, lhes cuida do coração, que, tão confiadamente, depositam nas suas mãos.
Faz parte do imaginário popular, atribuir-se ao coração, o local onde se alojam os sentimentos, as emoções, os afetos. Daí, o povo usar expressões como “ele tem bom coração/mau coração, que nada têm a ver com as cardiopatias de que aquele pode vir a sofrer. Tem as costas largas, este órgão vital que comanda as nossas vidas. Quando acelera um pouco, a taquicardia assusta-nos! Se bate em ritmo mais lento, a bradicardia põe-nos alerta! O que importa é que este alvo do Cupido esteja, em plena forma, para atender às chamadas de todos. Toda a gente precisa de um coração ativo, certinho nas pulsações e que nos alimente a vida e os sonhos.
Segundo a citação de Pascal, o coração tem, por vezes, razões estranhas... insinuação do amor.
Recordando os poetas que estudei na juventude e que cantaram o amor, Camões teve uma ideia semelhante, quando fala nas contradições do mesmo:
“Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
Já Florbela Espanca gritava a plenos pulmões:
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
João Roiz de Castell Branco, no Cancioneiro Geral, fala do amor/saudade:
Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém
O nosso poeta satírico, boémio e tantas vezes mordaz, Bocage, presenteia-nos com o lirismo destes versos envolventes:
Olha, Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros brincar por entre flores?
O nosso multi-facetado Fernando Pessoa, tão rico de expressividade, na sua faceta de Alberto Caeiro, diz-nos.
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais
Depressa ...
Comum a todos os poetas citados, está o amor, tão cantado, tão sentido e tão comemorado, neste dia de S. Valentim. Por toda a parte, incluindo as escolas, se preparam programas, eventos, comemorações. Todos querem dar expressão ao fulgor que lhes vai na alma e fazem-se coraçõezinhos de toda a forma e feitio, para assinalar o dia. As criancinhas começam de muito cedo a entrar neste afluxo de ideias e a deixar-se arrebatar pelo Cupido.
Sendo que a maturação física se processa mais cedo que antigamente, ou pelo menos são evidentes os sinais, quis o Ministério da Educação, dar ferramentas aos professores no sentido de orientarem, elucidarem os alunos, na vivência da sexualidade e dos afetos. Vem aliada ao amor, não vem? Na minha cabeça, já antiquada (!?).sim,....e até com uma lei de prioridades. Como diz Camões, citado atrás, “Mudam-se os tempos....”. Às vezes, parecem-me baralhadas as ideias acerca desse binómio, que nem sei, se sempre existirá. Noutros tempos, em que fui menina e moça, havia, dum modo geral a sequência: Amor....sexo, com um período mais ou menos longo entre os dois. Houve até a afirmação de uma pessoa amiga, que “o sexo é o prémio do amor”. Genialidade, sabedoria alta! Nunca ouvira, antes, coisa assim!
Na abrangência que o dia de S. Valentim tem, está a amizade, base de todas as relações humanas. Foi a velha tendência do homem, de adulterar as coisas, que restringiu o sentido do dia,......aos namorados. Nas escolas, cultiva-se o espírito dos afetos, que o resto não precisa de incentivos! Foi neste contexto, que dentre as inúmeras provas de amizade, no local de trabalho, recebi uma que me tocou bem lá no fundo. Uma aluna entregou-me um postal, feito por ela e.....justificava a sua dádiva, desta maneira singular:_ Gosto muito da “Sora” e da sua maneira de gostar do seu pai! Fiquei encavacada.....sem pretender aproximar-me do detentor do nome próprio!? Da menina, de 10 aninhos, apreendi a perspicácia, a sensibilidade o desabrochar de valores humanos, na primavera da vida
Só é de lamentar que as relações afetivas, em particular o amor, sejam tão efémeras nos dias de hoje. As pessoas parecem descartáveis como objetos perecíveis. Mas, ah! Ainda existem casos de pessoas, para quem o amor é ad aeternum! É esses que admiro, é esses que aplaudo e... é esses que canto!
Amor é...
Numa esquina da vida se encontraram;
D ‘amizade brotou o sentimento.
Que passo a passo, foi ganhando alento
E em juras de amor, os dois falaram.
Um dia, no altar, ambos selaram
Fidelidade, nesse juramento
E com o olhar fixo no firmamento,
D’ mãos dadas estrada fora, caminharam.
E quando a doença os tocou,
Amnésia da mulher se apoderou.
Ao lado dela, digno de se ver,
O homem devotado, sempre ficou
E com todo o carinho demonstrou
Que “Amor é” a força de viver!