domingo, 11 de setembro de 2011

Uma reflexão para este domingo


SENHOR GENEROSO, SERVO IMBECIL
Georgino Rocha



Pedro anda preocupado com os ensinamentos de Jesus, tão diferentes das tradições judaicas e das aspirações que alimenta. Sobretudo no desenlace humilhante da vida em Jerusalém, nas atitudes a cultivar no relacionamento humano, na proposta insistente do perdão como caminho de recuperação de quem faz ofensas. A preocupação leva-o a pedir-lhe mais explicações e a pergunta surge directa: Quantas vezes, hei-de perdoar ao meu irmão? E adianta a medida que pensava ser mais generosa: Até sete vezes? E já era muito para um judeu, pois o número sete significa plenitude e faz evocar a sentença do filho de Caim, Lamec, que pretendia vingar a ofensa não sete vezes, mas setenta vezes sete.
A história das ofensas e das dívidas é longa e regista as mais diversas medidas disciplinares. Nas culturas conhecidas e nas religiões oficializadas. Entre os judeus, também, como aponta a Bíblia nos seus textos fundamentais. A razão parece simples: na medida usada se dá a conhecer o nível em que o outro é considerado, a gravidade da ofensa à dignidade alheia e a possível recuperação perante os demais, a relação com o Transcendente que frequentemente se solidariza com quem observa a regra estabelecida.


“Ouvistes o que foi dito aos antigos. Eu, porém, digo-vos” – ia repetindo o Nazareno nas sentenças proferidas e manifestando nas acções diárias. Mas, parece, a novidade não era captada, nem pelo seu círculo mais próximo. Narra, então, uma parábola profundamente ilustrativa e interpelante, com imagens familiares e contornos de estremecer.
Um rei quer ajustar contas com os seus servos. Chama o primeiro e, ao verificar a quantia enorme de dívidas, resolve aplicar o código tradicional. Mas perante a súplica ardente deste, perdoa-lhe totalmente, dá-lhe a liberdade e mantém-lhe o posto de trabalho. Admirável atitude! Não indagou nada, nem impôs qualquer condição, não quer saber como contraiu a dívida nem quem se meteu no seu circuito de relações, nada. Apenas faz brilhar a sua compaixão, o seu amor generoso, a sua capacidade de perdoar. Se tivesse optado pela audição às contas, teria muito que andar! Mas a lógica de Deus – porque disso se trata – vai noutra direcção e tem outro sentido.

Pedro deve ter ficado pasmado. A quantia dos talentos era astronómica. Nem o maior rico a possuía. Nem o trabalho de uma vida inteira a pagaria. E o Mestre começa por dizer que a atitude do rei generoso é o exemplo de quem aceita a novidade do perdão anunciado. Nem sete, nem setenta vezes sete. O perdão nasce no amor de Deus e tem a medida do seu coração. Aproximar-se desta medida é a meta do todo o nosso peregrinar ao longo da vida.

O servo perdoado respira “novos ares”, dispõe de outras energias e dá largas aos seus impulsos mais agressivos. Ao encontrar um companheiro que lhe devia uma insignificância, atira-se a ele, agarra-o pelo pescoço e exige tudo o que possuía e quanto antes, sob ameaça de prisão e de alienação de todos os bens. A cena é a repetição da anterior. O devedor humilha-se, pede um tempo de mora, promete satisfazer tudo. Mas nada. A atitude é inflexível. O sufoco asfixiante ameaça a vida. Quantas pessoas são, hoje, o retrato deste servo a desfazer-se!

Pedro acompanha a narração com espanto contido. Nem uma ligeira reacção. Aguarda o desenrolar da história-modelo ampliado que introduz um elemento novo: a atitude dos companheiros, testemunhas da cena referida. A solidariedade emerge vigorosa. E sem mais demoras, vão contar ao rei o que tinha acontecido. Não se limitam a comentar ou a esperar pelo desenlace da agressão. É na raiz que se deve tratar da questão. Belo exemplo para quem quer intervir com eficácia nas questões humanas, sobretudo sociais e económicas. O encontro é eficaz. A amnistia é revogada e a sentença, desfeita. O rei sente-se ofendido na sua liberalidade magnânima. E toma como medida de reposição da justiça a pena que devia ser aplicada. ao servo inclemente. Aceita, embora contrariando a bondade do seu coração, proceder de um modo diferente daquele que tinha usado.
O grupo dos discípulos, a começar por Pedro, acolhe a lição e demora tempo a digeri-la. Como nós. E não é para menos! Mas o caminho está traçado definitivamente por quem o percorreu de forma exemplar.

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