A ilegalização de Deus e dos teólogos
Henrique Raposo
Com este texto procurei cruzar o pensamento de Ratzinger com alguns dos sinais intelectuais e políticos do nosso tempo, deste nosso "ar do tempo" europeu. Gostava de destacar três desses sinais: a ilegalização de Deus, o declínio da Europa e abismo que separa os "direitos humanos" do "Direito Natural".
A Ilegalização de Deus e dos Teólogos
Ao convocar Ratzinger para uma discussão pública e política, eu estou a falar indiretamente do primeiro sinal: a ilegalização de Deus e dos teólogos. Porque, de facto, criou-se esta estranha ideia de que o pensamento religioso é apenas para os crentes, como se um não crente não tivesse nada a aprender com Santo Agostinho ou com Ratzinger. Qual é a origem deste facto mental? O sentimento antirreligioso que se espalhou pela Europa ocidental. O nosso ar do tempo fica desconfortável com religião. O nosso ar do tempo não tem os instrumentos mentais para pensar a religião (e isto até acaba por gerar efeitos engraçados ). Não por acaso, sente-se um desconforto quando quando D. Manuel Clemente vence um prémio cultural . Não por acaso, sente-se uma azia quando alguém diz que Ratzinger é um dos melhores intelectuais públicos da Europa (vejam este debate com Habermas).
Para se sentir confortável, o nosso zeitgeist precisa de ver Ratzinger numa redoma-só-para-crentes. Pior: gosta de ver Ratzinger no papel de prisioneiro dos escândalos que afetam a Igreja. Aliás, esse também parece ser o interesse dos supostos especialistas da Igreja. Em Luz do Mundo - O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos, por exemplo, o entrevistador/especialista Peter Seewald perde metade do tempo com as questões, vá, mediáticas: pedofilia, casamento de padres, ordenação de mulheres. Com certeza: o Papa deve pedir desculpa pelos atos de pedofilia. Mas reduzir Ratzinger à condição de tipo-que-pede-desculpas e de tipo que gere-a-agenda-preferida-dos-media (quando é que os padres podem casar? E haverá mulheres no sacerdócio?) é muito poucochinho. Ratzinger é um dos grandes intelectuais públicos europeus e a sua voz merece ser ouvida sobre as grandes questões das nossas sociedades. A sua voz não pode ficar confinada à "comunidade de crentes" (T. S. Eliot dixit). Por outras palavras, apesar de ser um homem de Jerusalém, Ratzinger tem coisas a dizer sobre a gestão de Atenas. Podemos ou não concordar com essas posições, mas não as podemos descartar à partida, não podemos dizer "ah, são do Papa, logo, não interessam". Além de falta de inteligência, esta posição gozona revelaria intolerância. (continua)
Palestra na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa), Jornada de Estudos Teológicos "Os sinais dos tempos", 17.2.2011
In Expresso
25.02.11