Por Anselmo Borges
Contra as expectativas, Bento XVI está a surpreender pela positiva. Passou por uma "conversão", e não só está a tomar medidas duras contra o clero pedófilo como vem agora falar francamente sobre o preservativo, para dizer que não é a solução para a sida, mas aceitando, pela primeira vez, o seu uso em certos casos. Fá-lo num livro, Luz do Mundo. O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos, constituído por um conjunto de diálogos com o jornalista e escritor alemão Peter Seewald, que será publicado em todo o mundo e em várias línguas no dia 23, terça-feira.
As conversas entre Bento XVI e Peter Seewald versaram sobre temas tão diversos como os abusos do clero, o progresso, a tolerância e a intolerância, o celibato dos padres, a burqa, o cristianismo e a modernidade, a droga, o optimismo, o Papa Pio XII, a ordenação das mulheres, a Humanae Vitae, a sexualidade, o Além.
É a problemática da sexualidade que mais está a chamar a atenção da opinião pública mundial. De facto, pela primeira vez na história da Igreja, um Papa admite o uso do preservativo "em certos casos", especialmente quando se trata de "reduzir o risco de infecção" pela sida.
Esta aceitação aparece no capítulo 11 da obra, no contexto das palavras polémicas pronunciadas sobre esta questão, no voo a caminho dos Camarões e de Angola. Disse então o Papa que "o problema da sida não pode resolver-se com a distribuição de preservativos"; "a sida é uma tragédia que não pode resolver-se só com dinheiro, com a distribuição de preservativos, que inclusivamente agrava os problemas".
Agora, confrontado pelo jornalista, responde que "é óbvio que não vê o preservativo como uma solução real e moral", mas, "em alguns casos, nos quais a intenção é reduzir o risco de infecção, pode ser um primeiro passo no caminho para outra sexualidade mais humana".
Bento XVI sublinha que centrar-se no preservativo "quer dizer banalizar a sexualidade, e esta banalização representa precisamente o motivo perigoso por que tantas pessoas já não vêem na sexualidade a expressão do seu amor, mas apenas uma espécie de droga que administram a si próprias. Por isso, também a luta contra a banalização da sexualidade é parte do grande esforço para que seja valorizada de modo positivo e possa exercer o seu efeito benéfico no ser humano na sua totalidade". O Papa insiste na vigência da estratégia ABC (Abstinence, Be faithfull, Condom: abstinência, fidelidade, preservativo). Portanto, para ele, o preservativo "não é o modo verdadeiro e próprio para vencer a infecção da sida. É realmente necessária a humanização da sexualidade". Mas admite que pode haver casos particulares nos quais se justifica a sua aceitação: por exemplo, quando um/a prostituto/a o usa ou exige o seu uso. Neste caso, diz, a sua utilização "pode ser o primeiro passo para uma moralização, um primeiro acto de responsabilidade para desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que se não pode fazer tudo o que se quer".
Penso que não faltará quem, com razões, se pergunte se é tarefa do Papa pronunciar-se sobre esta questão. Onde está o respeito pela autonomia das pessoas? Seja como for, de facto, atendendo ao contexto, não se pode deixar de saudar este pronunciamento histórico, que só peca por tardio.
In DN