Bento XVI no Reino Unido
Anselmo Borges
Contra todas as previsões, a visita de Bento XVI ao Reino Unido foi um êxito. Os próprios media britânicos foram unânimes nesse reconhecimento. Até a sua imagem pessoal saiu suavizada: já não "Rottweiler de Deus" nem um intelectual frio, mas um ancião sábio e simpático.
Porquê? Explica o teólogo José M. Castillo: "Porque, nesta viagem, o Papa não condenou nada nem ninguém. Não proibiu nem censurou. Pelo contrário, reconheceu as suas falhas, pediu perdão, mostrou-se próximo das pessoas. Fê-lo por política, diplomacia ou talvez outros interesses? Fê-lo. E basta. É isso que as pessoas esperam, é disso que as pessoas precisam. O que todos queremos que os outros tenham connosco: respeito, tolerância, humanidade, compreensão e bondade."
De qualquer modo, a figura do intelectual eminente não deixou, mais uma vez, de impressionar. "Obrigado por ter-nos feito sentar e reflectir", disse-lhe o primeiro- -ministro, David Cameron, ao despedir-se no aeroporto. "Foram quatro dias incrivelmente emocionantes para o nosso país", garantindo-lhe que "foi escutado por um país de 60 milhões de cidadãos". E foi mais longe: "A fé é parte integrante do tecido do nosso país."
2. Quanto à chaga da pederastia, o Papa foi contundente, não podendo ser mais claro. Logo no avião, criticou publicamente a hierarquia católica por não ter sido "suficientemente vigilante". Reconheceu que a Igreja em geral e, nomeadamente, os bispos e a Santa Sé não foram suficientemente "vigilantes, céleres e decididos" no combate a estes "abusos vergonhosos, que minam gravemente a credibilidade dos responsáveis da Igreja".
Na catedral de Westminster, falou em "vergonha e humilhação", manifestando "profunda dor" pelo sofrimento causado às vítimas destes "crimes inqualificáveis".
Em Londres, encontrou-se com cinco dessas vítimas, dizendo-se "comovido pelo que tinham a dizer e manifestou profunda dor e vergonha pelo que elas e as suas famílias tiveram de sofrer". Assegurou que a Igreja continua a tomar medidas que sejam eficazes e a "colaborar com as autoridades civis e levar à justiça os clérigos e religiosos acusados desse crimes hediondos".
3. Ponto alto da visita foi o discurso perante políticos - para lá do actual primeiro-ministro, encontravam-se os seus antecessores Margaret Thatcher, John Major, Tony Blair e Gordon Brown -, académicos e corpo diplomático, no Westminster Hall, no lugar onde Tomás Moro foi condenado à morte por não querer renegar a sua fé católica.
Sublinhou a importância do diálogo profundo e permanente entre a razão e a fé e de relações boas entre a religião e a política.
Manifestou-se preocupado com a "marginalização crescente" da religião, nomeadamente da cristã: "Há alguns que desejam que a voz da religião seja silenciada ou pelo menos seja remetida para a esfera meramente privada." Contra o secularismo agressivo, defendeu que "a religião não é um problema que os legisladores devam solucionar, mas um contributo vital para o debate nacional".
A ética tem de ser trazida para a actividade económica. Lembrando Moro, foi ao tema essencial da fundamentação ética da vida civil, sublinhando que "se os princípios éticos que sustentam o processo democrático não se regem por nada mais sólido do que o mero consenso social, este processo apresenta-se evidentemente frágil".
4. Beatificou o Cardeal Newman, figura cimeira da cultura, convertido ao catolicismo e um dos "pais espirituais" do Concílio Vaticano II.
Carregados de simbolismo foram o abraço ao arcebispo de Cantuária e primaz da Igreja Anglicana, Rowan Williams, e a presença dos dois, lado a lado, no altar da Abadia de Westminster.
Paradoxalmente, a ordenação católica de clérigos anglicanos já casados pode alisar o caminho para o fim do celibato obrigatório. Ainda há dias, o novo bispo de Bruges (Bélgica), Jozef De Kesel, dizia: "Penso que a Igreja deve perguntar-se se convém conservar o carácter obrigatório do celibato."