quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Crónica de um Professor

Era a última aula duma das NACs (Novas Áreas Curriculares), do 1.º período escolar, do ano civil, deste Outono tardio! Estava na memória dos alunos a tradição, que aqui convém manter, de que “Prima non datur, ultima non recipitur”! Aqui o Latim tem a vivacidade e actualidade duma qualquer língua viva, apesar de qualquer indivíduo, menos informado, ter o conhecimento que é e se mantém como língua morta! Para fugir à imposição das obrigações escolares, qualquer aluno guarda bem, na sua memória, estas tradições! A 1.ª não se dá, sendo da responsabilidade do professor esse encargo; da última encarregam-se os alunos, que estão sempre prontos para a gazeta. Ou... não fossem eles alunos! Todos já por lá passaram, não constituindo a teacher uma excepção! Vai daí, há que fazer recurso de todo o seu know how, de toda a sua experiência, de toda a sua versatilidade de pedagoga. Assim fez! Foi aos arquivos da sua memória e anteviu a possibilidade de atingir algum objectivo pedagógico! Os professores são uns interesseiros, claro que são! Estão sempre a tentar levar a água ao seu moinho! E... às vezes, este está tão distante! Pois bem, a teacher almejou, nas suas actividades de última aula, conseguir, ‘inda assim, construir/reforçar/instaurar a autodisciplina, nos alunos. Deste modo, preparou-os para o que se ia seguir, mas… havia uma condição! Tinham que fazer silêncio total! Se alguém, que esteja fora da esfera docente, nunca o experimentou, eu lanço daqui um desafio: que venha a uma Escola, assistir a uma aula de gente miúda e verifique quantos segundos uma turma de 20 alunos consegue estar sem qualquer ruído! Que proeza a teacher lhes estava a pedir! Ficarem em silêncio! Crianças de 10 anos, com toda a vitalidade e pujança de “coisinhas” que mexem? Brinquedos de corda a que não falta energia? Que têm o bicho-carpinteiro, mesmo que o material didáctico seja essencialmente de papel e plástico! Uf! É uma tarefa de titãs! Ora, foi neste contexto de gente hiperactiva, que a teacher pediu silêncio, para dramatizar um pequeno sketch. Foi criando a expectativa acerca do que ia contar, inspirando, até, um sentimento de ansiedade e algum temor, nos alunos mais sensíveis!!! A teacher sabia o que fazia! P’ra que somara anos de experiência a lidar com o que há de mais belo, complicado, problemático, à face deste Planeta Azul, que é o ser humano! A teacher gostava de desafios e estava a enfrentar um, naquele momento. Queria ver até onde ia a capacidade de se autocontrolarem, aquelas cabecinhas irrequietas, irreverentes! Pediu silêncio… e para criar o cenário/ambiente adequado ao teor do “drama”, sugeriu até que se fechassem as persianas! Todos colaboraram a criar o escuro e daí... até se criarem as condições exigidas para a declamação da actriz… foi um dia de juízo! Havia sempre alguém que, a propósito disto ou daquilo, emitia algum som, o que deitava por terra todo o esforço até aí conseguido! Queria treinar os seus alunos a saberem intervir, apenas quando solicitados, ou quando se justificasse, em absoluto, a sua interpelação. Estavam finalmente criadas as condições para a actuação! A teacher recortara, até, em papel branco, uma knife, como material necessário para a dramatização. Quando tudo já estava a postos para ‘levantar o pano’, com a sala toda às escuras, vem sorrateiramente a Bia, aquela menina que oferecera o Brad Pitt (!?) à professora, murmurar, assustada, ao seu ouvido: - Eu tenho medo do escuro! Aí, chegando ao de leve a sua cara à pele de pêssego da menina, tranquiliza a teacher: - É só uma brincadeira, Bia! Afinal, o dramático, o terrível, o fantasmagórico daquela cena, resumia-se a “Uma velha, com um enorme facalhão, que, à meia-noite, em que faltara a electricidade!?, punha manteiga... no pão!”. Mª Donzília Almeida 18.12.08

1 comentário:

  1. A Bia é uma menina, excelente aluna, mas muito sensível, com a lagrimita ao canto do olho, muito fácil!
    Tive que lhe sussurrar ao ouvido, que aquilo era só p'ra criar supense! Lá se tranquilizou, mas ela é um "doce"! Se fossem todos assim.....se calhar eu não escrevia crónicas....rsrsrs
    DA

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