no Diário de Notícias
Esta é a pergunta decisiva. De facto, se não somos livres, o que se chama dignidade humana pode ser uma convenção, mas não tem fundamento real.
Mas quem nunca foi assaltado pela pergunta: a minha vida teria podido ser diferente? Para sabê-lo cientificamente, seria preciso o que não é de modo nenhum possível: repetir a vida exactamente nas mesmas circunstâncias. Só assim se verificaria se as “escolhas” se repetiam nos mesmos termos ou não.
Não há dúvida de que a liberdade humana é condicionada. Mas ela existe ou é uma ilusão? Não pretendem agora neurocientistas dizer que, mediante dados da tomografia de emissão de positrões e da ressonância magnética nuclear funcional, se mostra que afinal as nossas decisões são dirigidas por processos neuronais inconscientes?
De qualquer modo, já em 2004, destacados neurocientistas também tornaram público um Manifesto sobre o presente e o futuro da investigação do cérebro - cito Hans Küng, no seu Der Anfang aller Dinge (O princípio de todas as coisas) -, revelando-se prudentes no que toca às “grandes perguntas”: “Como surgem a consciência e a vivência do eu? Como se entrelaçam a acção racional e a acção emocional? Que valor se deve conceder à ideia de ‘livre arbítrio’? Colocar já hoje as grandes perguntas das neurociências é legítimo, mas pensar que terão resposta nos próximos dez anos é muito pouco realista.” É preciso continuar as investigações, no sentido de perceber o nexo entre a mente e o cérebro. “Mas nenhum progresso terminará num triunfo do reducionismo neuronal. Mesmo que alguma vez chegássemos a explicar a totalidade dos processos neuronais subjacentes à simpatia que o ser humano pode sentir pelos seus congéneres, ao seu enamoramento e à sua responsabilidade moral, a autonomia da ‘perspectiva interna’ permaneceria intacta. Pois também uma fuga de Bach não perde nada do seu fascínio, quando se compreende com exactidão como está construída.”