quarta-feira, 6 de julho de 2022

Democracia e regimes autocráticos

"Depois da guerra de Putin, a grande dicotomia entre concepções de sociedade já não é entre a esquerda e a direita, mas entre os defensores da democracia (que existem à esquerda e à direita) e os simpatizantes de regimes autocráticos (que abundam na extrema-direita e na extrema-esquerda)."

Teresa Ribeiro em Delito de Opinião

terça-feira, 5 de julho de 2022

CASA GAFANHOA - Vale a pena recordar

A propósito do Festival de Folclore 
que vai realizar-se no próximo sábado 



Maria Merendeiro - proprietária
A CASA GAFANHOA, pólo museológico do Museu Marítimo de Ílhavo,  foi inaugurada em 11 de Novembro de 2000. Trata-se de um edifício do princípio do século XX, que foi adquirido pela Câmara Municipal de Ílhavo e entregue à administração do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré, a entidade que mais lutou por este espaço, que reflecte a vida de um lavrador rico desta região. 
A casa antiga, depois de bem restaurada com todo o respeito pela traça original, mostra um recheio totalmente dominado por móveis e utensílios do princípio do século, num desafio constante à pesquisa e estudo de quanto os primeiros gafanhões nos legaram, mostrando um viver simples, mas prático, que não pode hoje deixar de nos encantar pela simplicidade que se desprende de tudo. 


Recorrendo à minha memória, posso lembrar que nas casas gafanhoas podia ver-se a cozinha com a sua trempe de ferro, panelas de três pés, aparadores, mesa e bancos toscos. Os talheres eram de ferro e alguns de cabo de osso. A um canto havia a cantareira com a respectiva cântara de ir à fonte buscar água, junto à mata da Gafanha, que dava gosto beber pela sua limpidez e frescura (que lhe era dada pela cântara de barro). 

Cozinha com membro do GEGN

Na cozinha de fora, mais modesta, com chão de junco, e na principal, de tudo um pouco ali se encontrava, desde roupa pendurada nos cabides até aos armários com louça e com comida que se não estragasse com o calor. O forno, onde se fabricava a sempre apetecida boroa de milho (e com que apetite era esperada a bola — boroa pequena e achatada — para comer com chouriço ou alguma carne de porco, mesmo gorda), era obrigatório em quase todas as casas gafanhoas. E também a salgadeira que guardava, no sal, o porco, governo de todo o ano. Também ali ficava, a um canto, a barrica com sardinha salgada, bem acamada. 

Quarto com cama de casal

Na CASA GAFANHOA, podem apreciar-se os quartos pequenos, onde mal cabia uma cama e a respectiva mesa-de-cabeceira, com a mala do enxoval da casa, quantas vezes sem guarda-fatos e sem outros móveis, que o dinheiro e os hábitos não davam para mais. Sobre as camas das casas gafanhoas não faltavam as mantas de tiras, que as tecedeiras fabricavam com farrapos e restos de roupa velha, tiras essas cortadas nas noites de Inverno, ao serão, sobretudo pelas mulheres da casa. Mas ainda se hão-de admirar cobertores grosseiros de lã, lençóis de linho churro, e a um canto, o lavatório, normalmente só usado aquando da visita do médico a algum familiar doente. 

Sala do Senhor

A Sala do Senhor, à frente, que se abria na Páscoa ou em dias de casamento ou baptizado, com um crucifixo sobre uma toalha alva, em cima da cómoda, onde se guardavam as roupas brancas e de festa. Havia cadeiras à volta, retratos nas paredes, principalmente dos casamentos, ampliados, que são actualmente grandes e importantes fontes de conhecimento da maneira de vestir e de ser das pessoas dos tempos antigos, sobretudo desde que a fotografia começou a marcar presença e a registar os principais acontecimentos das famílias. Aliás, em cima da cómoda, onde dois castiçais suportavam outras tantas velas para acender em dias de trovoada e, ainda, quando havia a visita das “almas” e quando se velavam os mortos, podiam ver-se algumas fotos de datas marcantes da família, a par das jarras de flores, renovadas semana após semana. 

Currais e arrumos
No pátio interior não faltam as padiolas, os carros de mão e de vacas ou bois, com todos os seus apetrechos, as várias alfaias agrícolas, encabadas com paus toscos, a charrua e o arado, a um canto o galinheiro para as galinhas e galos, sobretudo, se refugiarem à noite, pois que de dia andavam, normalmente, a campo, comendo sementes, restos de comida e bicharada, quando não comiam outras coisas bem piores. E também não falta a retrete, pequena e de tampo de madeira, com o indispensável buraco a meio, que quarto de banho era coisa que não existia. E porque falamos de quarto de banho, o tal que só apareceu muito mais tarde, talvez na década de 50 para o grosso da população, que os mais ricos já o tinham havia algum tempo, se não nos falha a memória, perguntar-se-á onde tomavam banho os gafanhões. Ao que nos têm dito, tomavam-no na cozinha, geralmente ampla e que dava para o viver do dia-a-dia, numa grande bacia de lata, com água aquecida nas panelas de ferro de três pés. 
Forno
A água estava sempre quente, para o que fosse preciso, porque se cozinhava em panelas mais pequenas. Para o que fosse preciso, significa para lavar a loiça e para se lavarem, antes de se deitarem, especialmente os pés, que nem tudo podia ser lavado todos os dias, talvez por falta de hábito. Para o pátio interior ainda davam os currais dos porcos e das vacas ou bois, que sempre berravam acusando a falta da "lavagem", os primeiros, e da erva ou palha seca, de milho, os segundos. O celeiro também tinha uma porta para este pátio e às vezes para o exterior. 
Nos beirais dos telhado viam-se as abóboras a secar e à espera do Natal, para fazer os bilharacos. No pátio de fora não faltava a eira, onde se malhavam e secavam os cereais, cobertos de noite pelo tolde, feito de palha de centeio, a estrumeira (quando não era no pátio interior), para onde se deitava tudo o que pudesse transformar-se com o tempo em esterco, tão necessário à fertilização dos solos, a par do moliço e de mistura com ele. 

Poço de rega
Viam-se as medas de palha e o “cabanéu” (prisma triangular, feito de uma armação de troncos de eucalipto e de ripas, e deitada sobre uma face), onde se arrumavam lateralmente e num dos topos, bem apertadas para não entrar a chuva, as palhas de milho, secas, para no Inverno servirem para alimento do gado. No interior guardavam-se alfaias agrícolas, menos usadas no dia-a-dia, e também ali dormiam, em especial os filhos da família, quando havia milho na eira, para o guardar dos ladrões que às vezes deixavam o lavrador sem nada do que granjeou durante todo o ano agrícola. Claro que não podemos esquecer, o poço, de onde se tirava a água para os usos domésticos, e um outro, o de rega, com o seu engenho puxado por vaca ou boi, que servia para regar o aido. 

Fernando Martins



NOTA: Texto escrito há anos e agora republicado

segunda-feira, 4 de julho de 2022

MARNOTO: Para os mais saudosistas


Para abrir a semana, nada melhor, na minha ótima, do que acordar os saudosistas. O marnoto, figura maior de um grafiti já neste meu  espaço publicado, merece a homenagem. E já me garantiram que é retrato de gafanhão. Quem o identifica?

Um Sínodo da Igreja para o nosso tempo

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

Dentro e fora da Igreja católica há que construir uma sociedade mais aberta às margens, capaz de as trazer para o centro e de ver no seu sofrimento e estigmatização o fermento da mudança necessária para sociedades mais livres, dignas e felizes.

1. São muitas as pessoas, crentes e não crentes, católicas e não católicas, inquietas com a saúde do Papa Francisco. Para muitos, é ele a figura pública, a nível mundial, cujos gestos, palavras e intervenções se situam sempre ao lado das vítimas das muitas loucuras da nossa história económica, social, política, bélica e religiosa. Toma iniciativas, simples e arrojadas, destinadas a agregar energias e esforços para estancar a brutalidade de todas as guerras e agora a ameaça da guerra nuclear.
Não é um profeta da desgraça. É uma sentinela da esperança, encorajando e apoiando todos os movimentos que desenvolvem programas para defender, restaurar e tornar mais habitável e bela a Casa Comum da família humana. É normal que encontre resistências no mundo dos ricos e poderosos e na perversa “teologia da prosperidade” que os apoia e justifica.
Entre todas as iniciativas deste Papa, destaco a inédita auscultação, à escala planetária, para que o Sínodo dos Bispos (2021-2023) se torne Sínodo de toda a Igreja.

sábado, 2 de julho de 2022

Religiosas de clausura e o Sínodo. Sacerdotisas?

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

1 Neste tempo do barulho, da corrida e do imediatismo e do culto do ter, do prazer, do parecer e aparecer, não me parece que as religiosas de clausura estejam muito de moda.
O jornalista José Lorenzo, como dá notícia em Religión Digital, entrou em contacto com as religiosas trinitárias de Suesa na Cantábria e a superiora reconheceu isso mesmo: "Não estamos na moda, mas existimos." Mais: "Não somos seres etéreos, anacrónicos ou surdos. Procuramos dias específicos para recordar que cada instante é uma celebração onde a vida de Deus transforma as nossas. A vida contemplativa é viver cada instante na Presença. Cada instante é único, é dom e desafio." Constatam: "Há uma sede imensa de Deus na Humanidade, mas precisamos de testemunhos vivos da força do amor."
E a provar que não estão inactivas: que pedem ao Sínodo que terá lugar em Roma em 2023? "Que nos deixem pensar." E realmente pensam. Como é sabido, o Papa Francisco quer deixar como marca do seu pontificado a sinodalidade, isto é, que todos os membros da Igreja caminhem juntos e todos se sintam autenticamente representados na tomada de decisões. A prova está em que, desta vez, a preparação do Sínodo começa na base, nas Dioceses, de tal modo que todos possam exprimir-se, passando ao segundo momento, que é o momento continental, e só no final, com o contributo de todos, se realizará o Sínodo em Roma.
Encontrei de tal modo estimulante e rico o contributo destas religiosas na primeira fase que o publico na íntegra. Assim:

RIA DE AVEIRO vista por Eça de Queirós

… Filho de Aveiro, educado na Costa Nova, quase peixe da ria, eu não preciso que mandem ao meu encontro caleches e barcaças. Eu sei ir por meu próprio pé ao velho e conhecido «palheiro de José Estêvão».

Eça de Queirós, “Carta a Oliveira Martins”, 1884

+++
… a Costa Nova — e eu considero esse um dos mais deliciosos pontos do globo. É verdade que estávamos lá em grande alegria e no excelente chalé Magalhães.

Eça de Queirós, “Entre os Seus, Cartas Íntimas”, 15 de Julho de 1893

                                                       +++

Apesar de ter retardado ontem o meu jantar até às nove da noite, não pude desbastar a minha montanha de prosa. Levar as provas para os areais da Costa Nova, não é prático — ó homem prático! Há lá decerto a brisa, a vaga, a duna, o infinito e a sardinha — coisas essenciais para a inspiração — mas falta-me essa outra condição suprema: um quarto isolado com uma mesa de pinho.

Carta a Oliveira Martins, 1884

Momentos de lazer

Sempre esperei pelo fim de semana com a ansiedade própria de quem gosta de férias, sobretudo por viver permanentemente ocupado com tarefas inadiáveis, interessantes e importantes. Não tenho por hábito fugir às minhas responsabilidades, pelo que não tenho tempos mortos que possam convidar-me à indiferença pela vida. Fins de semana dão, naturalmente e apesar de tudo, algum descanso.
Vem isto a propósito de me ter passado pela cabeça que chegou a hora de evitar algumas responsabilidades no seio da sociedade em que sempre vivi: Gafanha da Nazaré. Aqui senti o calor do sol, a luz rotativa do Farol e ouvi a sua ronca em dias de nevoeiro para dizer aos marinheiros ao largo que há terra perto que não se vê.
Nos momentos de lazer, que os tenho, ou não estivesse há muito na situação de aposentado, sob o ponto de vista profissional, não deixo de me envolver em tarefas comunitárias, de acordo com as minhas capacidades, como sempre o fiz ao longo da vida.
Reconheço que, por vezes, não tenho estado presente em tarefas onde ainda poderia ser útil, mas a verdade é que me sinto condicionado pela ausência de forças a vários níveis.
Assim, fica-me a boa vontade de servir a partir de casa, procurando deixar retalhos de vivências e de conhecimentos adquiridos através dos tempos.
Bom fim de semana para todos.

Fernando Martins

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