Cafarnaúm
Jesus anda por terras de Cafarnaúm. Vive uma jornada intensa de trabalho. Sai da sinagoga e vai a casa de Simão. Encontra com febre a sogra deste. Estende-lhe a mão e fica curada. Depois, ao cair da noite, depara-se com muitas pessoas atormentadas por diversos males. Cura umas e liberta outras. A sua fama vai aumentando. O estatuto social do carpinteiro de Nazaré começa a ter novo apreço. E ele tem de travar o “falatório” para não antecipar o ritmo normal da realização do seu projecto. Recolhe-se, por isso, em oração para verificar a sintonia com o querer de Deus-Pai. Deixa aquelas terras e vai para as povoações vizinhas. É preciso anunciar que o reino de Deus está em realização. Há que ser coerente e não parar nos primeiros passos.
As pessoas atormentadas sofrem horrivelmente. Job é o rosto humano de tal situação. As expressões que usa são bem elucidativas: vida dura e cruel, sofrimento atroz, noites intermináveis de amargura, dias breves de esperança, amanhecer sem aurora, angústia e morte. Como Job, tantos milhões de pessoas neste tempo que é o nosso! O sofrimento manifesta-se em doenças de todo o tipo, em calamidades devastadoras, em injustiças organizadas, em humilhações aos “sem tecto” e aos desempregados, em guerras provocadas, em carências de bens de primeira necessidade, em discórdias e tensões, em escalas invertidas de valores, em inseguranças para viver a liberdade, na pobreza ética do sentido da vida que provoca o sofrimento mais cruel.
Este breve enunciado demarca bem algumas áreas de intervenção próprias da economia, da política, da medicina, da educação, dos meios de comunicação. Também aqui será necessária a convergência na acção, tais as urgências e os dramas humanitários.
Job recorre ao Senhor e clama pela sua memória. Abre uma pista para decifrar este complexo enigma. As curas de Jesus são sinais da realidade nova que está a acontecer. A ressurreição culminará este processo de transformação radical. A Igreja e, nela, os cristãos recebem a missão de serem testemunhas do que vai ocorrendo em forma germinal.
O enigma do mal ”colou-se” à natureza humana e, tal como o joio da parábola, progride sem se saber bem como. Se é difícil a sua explicação, não o é a verificação dos seus efeitos perniciosos.
As pessoas atormentadas merecem toda a atenção solidária de Jesus: acolhe, aproxima-se, toma pela mão, levanta de pé, aceita serviços, dialoga, integra na sociedade, abre-lhes horizontes de liberdade, deixando-os avançar nos caminhos da vida. Realiza as curas também ao sábado, embora fosse proibido, mas a pessoa vale mais que esta instituição religiosa. A atenção de Jesus é fruto do seu amor incondicional que quer vida para todos, que supera toda a descriminação, que pretende saciar o mais íntimo do ser humano, que reconfigura a nossa imagem divina e nos faz filhos de Deus.
Estranho modo de proceder, mas é o mais eficaz para vencermos a indignidade do mal e vivermos em sintonia com Deus e na bondade e beleza da sua graça. O sofrimento por amor faz crescer a nossa humanidade.